quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O medo e o terror não vencerão a esperança

As brasileiras e brasileiros estão no rumo de mais uma decisão democrática, popular e participativa que continuará tendo um sentido de construção de um processo instaurado pelo Presidente Lula no próximo domingo, 03 de outubro de 2010. Em 2002, a elite se unia para difamar Lula como analfabeto, como operário, como retirante, como aquele que levaria o país ao caos. Podemos lembrar a emblemática afirmação da atriz Regina Duarte no programa de José Serra, do PSDB, de que “tinha medo” do PT e de Lula. Uma típica demonstração de que estava a serviço da classe dominante, dos que defendiam o projeto neoliberal de desconstrução da soberania da nação.

Foram 500 anos de história contada e recontada no Brasil de barbárie, de etnocídio, de descaso com a “coisa pública”. Influenciados pelos aparelhos ideológicos da classe dominante, as pessoas tinham receio de mostrar que era possível outro tipo de governo, outra forma de governança pública. Por isso, em 2002, elegemos Lula como o primeiro Presidente da República que realmente viveu as mazelas da fome, do subemprego, da falta de oportunidades.

Evidentemente que o processo de ruptura começou nestes dois mandatos de Lula. Não podemos deixar de evidenciar as mudanças ocorridas, em especial, na área social. Mas, 500 anos de história não se muda em 8 anos. O governo Lula foi um recomeço da esperança que amordaçada ainda começou a dar sinais de vida diante dos muitos anos de medo e de terror implantados no imaginário coletivo do povo brasileiro. Podemos lembrar do medo e do terror que se fazia quando se falava de “comunistas” que eram definidos como “aqueles que matavam criancinhas inocentes” ou que “eles vão tomar a minha casinha”. A classe dominante em 500 anos conseguiu criar determinados imaginários que serviam aos interesses de perpetuação da elite no poder como se fossem “verdades” sagradas vindas do próprio Deus.

E, agora, mais uma vez, o confronto é visível. A raiva, a violência simbólica e real, o ódio, a destemperança e as mentiras contra a esperança se fazem presente no cenário político. A elite que sempre viveu às custas da desesperança, da exploração, do medo, do terror, da mentira, da violência, agora, volta a atacar. Os dois mandatos de Lula conseguiram destabiliza-los, tirando-lhes a paciência mórbida que sempre tiveram, já que era comum que os filhos da miséria votassem neles, pois sempre foram os “pais” para os que se encontravam na pobreza. Cuidar dos pobres era a intenção primordial da elite que teologicamente seguia os momentos de “dar esmolas” ao povo. Com Lula, um novo jeito de pensar o problema da pobreza se inicia. Não se trata de cuidar dos pobres e miseráveis, mas de tirá-los da condição em que se encontravam. Não se trata de “dar esmolas”, mas de promover políticas públicas que possibilitassem todos e todas terem acesso a educação de qualidade, saúde pública, ao emprego (foram mais de 14 milhões de empregos criados), entre outras tantas ações realizadas.

Daí a revolta da elite. Evidentemente que vemos alguns pequeno-burgueses (aqueles que são economicamente pobres, mas que defendem com unhas e dentes o pensamento da elite... são os que reproduzem o pensamento da classe dominante, mesmo sem ser classe dominante) ainda “revoltosos” reproduzirem discursos anacrônicos de Arnaldo Jabor e Cia Ltda da mídia. Eles são necessários para compor a massa de manobra que se coloca a serviço dos interesses dominantes. Por isso, são os primeiros a se revoltar com Lula, com Dilma e com o PT. São os primeiros a atacar. O referencial teórico que lhes dá subsistência é a Revista Veja e a Globo, reais representantes da mídia fascista brasileira. Falam de corrupção com a boca cheia, como se o problema tivesse iniciado no governo Lula e que o PT tivesse tido a proeza criacionista da corrupção. Por outro lado, ao mesmo tempo, caem num esquecimento mórbido de que no governo passado o Brasil foi leiloado pela política malfadonha do neoliberalismo, como por exemplo, a venda/doação da Vale do Rio Doce.

Estamos assistindo nestes últimos dias de campanha a um espetáculo digno das arenas romanas. Dilma é constantemente atacada. O ódio é tanto que inventam fatos para tentar tirar-lhe pontos e a possibilidade real de vitória no 1º Turno o que seria uma derrota histórica da elite. Mas, pela primeira vez na história, o resultado disso está servindo para mostrar aos antigos “donos do poder” que a população brasileira não engole tão facilmente esses discursos raivosos. Dilma se tornou a grande esperança de ser a primeira mulher a governar o Brasil seguindo os rumos já iniciados no governo Lula que se encontra com mais de 80% (ótimo e bom). A possibilidade de 2º turno é bem remota e isso é o que vem frustrando a dilacerada oposição que também tenta usar a imagem de Lula. É uma comédia, ver aqueles que sempre foram contrários do “analfabeto” Lula (o “analfa” que mais universidades federais fez na história do Brasil) mostrar sua imagem, seus feitos e ainda defendem a política de continuidade.

Dilma não é uma “analfa”, não foi “operária”, não é uma “retirante”, mas, para os discursos antagônicos da oposição, ela foi “terrorista” de guerrilha urbana, é a favor do “aborto”, é um “fantoche” de Lula, dentre outras. São esses os argumentos da elite? Quem realmente é o terrorista nesta história toda? Quem realmente quer continuar fazendo o Brasil crescer de forma sustentável? Eu tenho medo, um grande medo... O medo de ver novamente o Brasil sendo privatizado, do Brasil sendo desrespeitado internacionalmente, do Brasil perder o orgulho e de não termos a possibilidade de ascensão social com as políticas neoliberais que poderão novamente “doar” para o mercado uma empresa pública como a Petrobrás.

Poderia continuar minha reflexão, mas diante da falta de argumentos da elite apenas quero ressaltar uma questão que a história me fez acreditar, a saber: “O medo e o terror não vencerão a esperança”.

Claudemiro Godoy do Nascimento
Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação/Unicamp. Doutor em Educação/UnB. Professor da Universidade Federal do Tocantins – UFT/Campus de Arraias e do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Continuar mudando, continuar acreditando...


Em 2004 escrevi um texto: A história de como dormi petista e acordei sem partido. Continuo sem partido oficial. Foram momentos internos de luta contra grupos que se instalaram dentro do PT e que proporcionaram escândalos e que negaram a história de luta de um partido popular. Por mais que tenha sido enfático nas críticas reconheço que estava errado. O PT não pode se resumir a determinadas figuras. O PT é maior que tudo isso. Tomei a decisão de retornar ao PT, pois até hoje não se apresentou um projeto político mais coerente do que este. A esquerda brasileira não tem a capacidade de se organizar em torno de um projeto unificado, acabam morrendo, haja vista os vários candidatos a presidência da esquerda, tais como: PSTU, PCO, PCB e PSOL. O PT, pelo contrário, percebeu que para governar e propor mudanças era preciso fazer alianças, mas quem determina as regras é o partido e a equipe de governo. Foi assim com Lula, será assim com Dilma.

Por isso, não poderia como militante e intelectual me negligenciar neste momento histórico da política brasileira onde, depois de um retirante e operário como Presidente, tem a oportunidade de eleger a primeira mulher Presidente do Brasil. Não há como negar os dois mandatos do governo Lula. Aliás, nem mesmo a oposição tem essa coragem. Não possuem coragem e nem fundamentação para contestar e comparar os anos de governo FHC e os anos do governo Lula. Aliás, uma oposição que a todo instante entra em contradições, que não tem programa de governo, que não tem projeto popular. Mas como posso querer que a oposição tenha projeto popular sendo que são eles os representantes da velha oligarquia rural e aristocracia urbana? “Sem chance” como diz sempre um velho amigo.

Como não sou positivista e, muito menos, weberiano como o sociólogo Fernando Henrique Cardoso e porque acredito que é possível fazer ciência com a prática, com o engajamento político e com uma visão de mundo comprometida com as causas populares, é que venho por meio destas pequenas e singelas palavras assumir minha opção por Dilma. Opção que acredita na força coletiva do voto popular. Por mais que tenhamos “Tiriricas” e “Malufs em São Paulo e em vários estados da federação, a população brasileira nos dá uma lição de consciência em não mais aceitar determinados candidatos que utilizam o cargo público para interesses particulares. Não podemos acreditar no velho discurso: “Eu voto na pessoa, não voto no partido”. Esse discurso tem contradições profundas e ideológicas que podemos desocultar. Toda pessoa representa uma ideologia, mesmo que ela diga que não tenha, a própria negação é um ato político e ideológico. As pessoas estão associadas ao partido que representa uma ideologia, que possui uma visão conjuntural de Estado e de mundo. Votar na pessoa significa votar no individuo que não presta conta de seus atos aos seus pares, votar na pessoa que tem um partido significa votar no coletivo que cobra esse representante a todo instante e o mesmo presta conta de seus atos. Não existe nada mais conservador do que este pensamento e precisamos mudar isso por meio de uma educação política. Mas, gostaria de apresentar os motivos que me levam a acreditar em Dilma, a saber:

Primeiro, Dilma significa a continuidade de um projeto político popular. Ela não é um factóide de Lula como destacam os sem destaque do PSDB e DEM. Pelo contrário, Dilma representa a imagem de um projeto político de poder que é necessário enquanto transição para termos uma sociedade possível, mais justa e igualitária.

Segundo, os outros candidatos não disseram por que estão pleiteando a Presidência da República. Caíram no factóide da denúncia sem provas e porque não dizer que armaram essas denúncias? A esquerda ortodoxa ainda não percebeu que para conseguirmos alcançar uma sociedade comunal precisamos da transição ao socialismo e a passagem do capitalismo selvagem do neoliberalismo para o socialismo também é necessário de uma transição. Transição que estamos começando a verificar no governo Lula, ou seja, “pela primeira vez na história desse país” estamos assistindo no plano real o que realmente é um “Estado de Bem-Estar Social”. Entre voltar ao neoliberalismo com a regulação do mercado, com as privatizações, com as novas Vales e/ou Telecomunicações sendo leiloadas a preço de banana, prefiro, democraticamente, optar politicamente pelo Estado de Bem-Estar Social de Lula e Dilma.

Terceiro, os índices são evidentes. O povo brasileiro jamais teve tanta esperança na mudança, na transformação real (Marx) e não mais ideal (Hegel). Podemos discordar nas questões pontuais com algumas atitudes do governo Lula, como, por exemplo: nas barragens de Xingu e na transposição do Rio São Francisco ou, então, no porque da não retomada da Vale do Rio Doce ao povo brasileiro. Mas, não podemos negar, milhões de brasileiros saíram dos porões da vida, da miséria. Hoje, possuem sonhos e esperanças. Há mais redistribuição de renda, ainda não é a que queremos, mas devemos aprender a respeitar a paciência histórica... e ela já chegou.

Quarto, o governo Lula representou um retorno da luta de classes. Haja vista as batalhas que travamos com os conservadores políticos do DEM, velhos representantes dos interesses agrários, hoje associados ao agronegócio e ao hidronegócio. Se o governo lhe dá algo com uma mão, lhes retira algo com duas ou três mãos, mas é preciso avançar neste bom combate. Trata-se de uma estratégia política, de que Estado queremos!

Ontem, no Programa Roda Viva, novamente vi e escutei o sociólogo Demétrio Magnoli que mais uma vez mostrou ocultamente suas posições contrárias ao atual governo. Mostrou seu rancor para com os movimentos negros e porque não estender a todos os movimentos sociais populares. Evidentemente que o respeito, (mas discordo radicalmente de suas posições unilaterais e ideológicas) enquanto intelectual orgânico das elites e da classe dominante, politicamente fracassada, com o candidato Serra, sem programa, sem conteúdo, sem nada. Ontem, acreditei que o século XXI nos reservará uma mudança histórica de luta contra as elites, os enganadores do povo, os representantes de uma elite... é o momento de enfraquecer ainda mais essa classe dominante.

Por fim, concordo com Leonardo Boff que afirmou em seu mais recente artigo e conclamo: é hora de consolidar a ruptura histórica operada pelo PT. Houve uma mudança e ela precisa dar continuidade. Por isso, Dilma representa essa continuidade que não se trata de continuísmo. O continuísmo tende a conservar os interesses de alguns, de uma pequena parcela da elite. A continuidade é um desejo popular, do povo, em querer caminhar rumo as transformações estruturais da sociedade brasileira. O Brasil quer seguir em frente na consolidação de uma ruptura histórica. São milhões de Lulas e de Dilmas, de homens e mulheres, acreditando sempre...

Claudemiro Godoy do Nascimento
Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação/Unicamp. Doutor em Educação/UnB. Professor da Universidade Federal do Tocantins – UFT/Campus de Arraias e do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional. E-mail: claugnas@uft.edu.br

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Consolidar a ruptura histórica operada pelo PT

Leonardo Boff*

Para mim o significado maior desta eleição é consolidar a ruptura que Lula e o PT instauraram na história política brasileira. Derrotaram as elites econômico-financeiras e seu braço ideológico, a grande imprensa comercial. Notoriamente, elas sempre mantiveram o povo à margem da cidadania, feito, na dura linguagem de nosso maior historiador mulato, Capistrano de Abreu, "capado e recapado, sangrado e ressangrado". Elas estiveram montadas no poder por quase 500 anos. Organizaram o Estado de tal forma que seus privilégios ficassem sempre salvaguradados. Por isso, segundo dados do Banco Mundial, são aquelas que, proporcionalmente, mais acumulam no mundo e se contam, política e socialmente, entre as mais atrasadas e insensíveis. São vinte mil famílias que, mais ou menos, controlam 46% de toda a riqueza nacional, sendo que 1% delas possui 44% de todas as terras. Não admira que estejamos entre os países mais desiguais do mundo, o que equivale dizer, um dos mais injustos e perversos do planeta.

Até a vitória de um filho da pobreza, Lula, a casa grande e a senzala constituíam os gonzos que sustentavam o mundo social das elites. A casa grande não permitia que a senzala descobrisse que a riqueza das elites fora construída com seu trabalho superexplorado, com seu sangue e suas vidas, feitas carvão no processo produtivo. Com alianças espertas, embaralhavam diferentemente as cartas para manter sempre o mesmo jogo e, gozadores, repetiam: "façamos nós a revolução antes que o povo a faça". E a revolução consistia em mudar um pouco para ficar tudo como antes. Destarte, abortavam a emergência de outro sujeito histórico de poder, capaz de ocupar a cena e inaugurar um tempo moderno e menos excludente. Entretanto, contra sua vontade, irromperam redes de movimentos sociais de resistência e de autonomia. Esse poder social se canalizou em poder político até conquistar o poder de Estado.

Escândalo dos escândalos para as mentes súcubas e alinhadas aos poderes mundiais: um operário, sobrevivente da grande tribulação, representante da cultura popular, um não educado academicamente na escola dos faraós, chegar ao poder central e devolver ao povo o sentimento de dignidade, de força histórica e de ser sujeito de uma democracia republicana, onde "a coisa pública", o social, a vida lascada do povo ganhasse centralidade. Na linha de Gandhi, Lula anunciou: "não vim para administrar, vim para cuidar; empresa eu administro, um povo vivo e sofrido eu cuido". Linguagem inaudita e instauradora de um novo tempo na política brasileira. O "Fome Zero", depois o "Bolsa Família", o "Crédito Consignado", o "Luz para Todos", o "Minha Casa, minha Vida, o "Agricultura familiar, o "Prouni", as "Escolas Profissionais", entre outras iniciativas sociais permitiram que a sociedade dos lascados conhecesse o que nunca as elites econômico-financeiras lhes permitiram: um salto de qualidade. Milhões passaram da miséria sofrida à pobreza digna e laboriosa e da pobreza para a classe média. Toda sociedade se mobilizou para melhor.

Mas essa derrota infligida às elites excludentes e anti-povo, deve ser consolidada nesta eleição por uma vitória convincente para que se configure um "não retorno definitivo" e elas percam a vergonha de se sentirem povo brasileiro assim como é e não como gostariam que fosse. Terminou o longo amanhecer.

Houve três olhares sobre o Brasil. Primeiro, foi visto a partir da praia: os índios assistindo a invasão de suas terras. Segundo, foi visto a partir das caravelas: os portugueses "descobrindo/encobrindo" o Brasil. O terceiro, o Brasil ousou ver-se a si mesmo e aí começou a invenção de uma república mestiça étnica e culturalmente que hoje somos. O Brasil enfrentou ainda quatro duras invasões: a colonização que dizimou os indígenas e introduziu a escravidão; a vinda dos povos novos, os emigrantes europeus que substituíram índios e escravos; a industrialização conservadora de substituição dos anos 30 do século passado mas que criou um vigoroso mercado interno e, por fim, a globalização econômico-financeira, inserindo-nos como sócios menores.

Face a esta história tortuosa, o Brasil se mostrou resiliente, quer dizer, enfrentou estas visões e intromissões, conseguindo dar a volta por cima e aprender de suas desgraças. Agora está colhendo os frutos.

Urge derrotar aquelas forças reacionárias que se escondem atrás do candidato da oposição. Não julgo a pessoa, coisa de Deus, mas o que representa como ator social. Celso Furtado, nosso melhor pensador em economia, morreu deixando uma advertência, título de seu livro A construção interrompida (1993): "Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta no devir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-Nação" (p.35). Estas não podem prevalecer. Temos condições de completar a construção do Brasil, derrotando-as com Lula e as forças que realizarão o sonho de Celso Furtado e o nosso.

Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.