segunda-feira, 29 de junho de 2009

Os segredos do amor



Pe. Marcelo Barros+

Um filme norte-americano, em estilo de comédia, que sempre volta às emissoras de televisão é "Do que as mulheres gostam". A partir do título e de algumas propostas do roteiro, vê-se que, embora dirigido por uma mulher, o filme é feito em uma perspectiva masculina e não escapa de certa caricatura do feminino. Seria interessante um filme que falasse do amor como a capacidade de uma pessoa sintonizar com o outro diferente e penetrar na sua sensibilidade e sentimento. Nestes dias em que a sociedade e o comércio promovem o dia dos namorados, todo mundo sabe que mais do que um presente comprado em lojas, o que as pessoas mais querem é compreensão e diálogo. Certamente, o tempo de namoro poderia servir para um treinamento intensivo desta capacidade de mútua compreensão.
A sociedade em que vivemos ainda chama de "fazer amor" o "ficar, por um momento, com alguém". A minha geração, em geral, era mais liberada no sentimento do amor e mais reprimida no terreno sexual. Facilmente, nos apaixonávamos por Doris Day, Marilyn Monroe ou por uma outra estrela de Cinema. Mas, no plano sexual, não tínhamos tanta liberdade. Hoje, ao contrário, a juventude parece mais liberada no plano da sexualidade, mas, em geral, tem medo de amar. Este medo se justifica sob o pretexto de que o amor nos torna mais frágeis, nos expõe a desilusões e nos desnuda no mais intimo do ser. Sem dúvida, isso é verdade, mas como diz um poema do Vinícius, falando dos filhos: "Eles nos dão todo tipo de trabalho, os filhos, mas se não os temos, como sabemos?". O amor é sempre uma felicidade, mesmo se for uma felicidade doída.
O dia dos namorados lembra o amor na sua primeira força e proposta. É pena que romances, novelas e filmes, geralmente, mostrem o amor de forma tão idealista e perfeita que corremos o risco de absorver este modelo como uma exigência diária para nós. As pessoas tendem a exigir do outro que seja perfeito e revele um amor eterno, heróico, romântico e arrebatador. Quando isso não é alcançado, o que é normal, porque o ideal nem sempre corresponde ao real - as pessoas se desiludem e até, às vezes, desistem de viver o amor. O ideal "perfeccionista" e idealista de amor acaba impedindo a vivência do amor em suas formas mais simples e humanas.
O namoro é tempo de experiência. Há um aspecto natural no amor, um tcham, para o qual ninguém precisa ter curso ou aprender como se vive, porque é universal e quase instintivo. Mas, existe outro elemento que é o compromisso existencial e este sim pede preparação e maturidade. Saint Exupéry já dizia: "Tu te tornas eternamente responsável por alguém que cativas"
O amor é como fonte que alimenta muitos rios e riachos. Existe amor de pai e mãe, amor de irmãos, amor de amigos, amor de namorados. Tudo é água da mesma fonte. Apenas variam as expressões e a fundura do rio por onde a água do amor se espalha. Em algumas religiões orientais como o budismo e também na tradição católica, quem decide viver o celibato precisa deixar claro para si mesmo e para os outros que não está renunciando a amar e sim a se fechar sobre aquele amor de forma exclusiva. Não pode e não deve ser menos humano do que quem se apaixona. Tem de assumir o humano e buscar ir sempre mais além, na capacidade de amar de forma altruísta e mais universal.
É importante que os pais aceitem que os filhos façam as experiências que um dia, eles se deram o direito de viver. No livro do Êxodo, é dito que "Deus não conduziu o seu povo da escravidão do Egito à terra prometida pelo caminho dos filisteus - que era o mais curto, porque pensou que o povo poderia se arrepender no meio do caminho. Fez o povo dar voltas durante 40 anos no deserto..." (Ex 13, 17- 18). Nas aventuras da vida, todos temos o direito de dar algumas voltas e desvios, antes de encontrar o caminho certo. Os pais e educadores precisam compreender isso a respeito dos filhos e dos jovens que acompanham, assim como estes precisam aceitar que, para amar não existe idade. A sociedade idealiza o amor dos jovens. Muitas vezes, se pensa que namoro diz respeito quase exclusivamente a adolescentes. Entretanto, muitos se sentem com o direito de viver este mistério em idade mais adulta. É preciso que os filhos aceitem que pais e mães, principalmente aqueles que não puderam continuar vivendo juntos o casamento continuem vivos e abertos ao amor. Afinal, de acordo com todos os caminhos espirituais, quem vive o amor, vive um mistério divino. Na Bíblia, a primeira carta de João nos diz textualmente: "Deus é amor. Quem vive o amor, permanece em Deus e Deus vive nele ou nela" (1 Jo 4, 16).
Ao contar que, no mundo, existe um anel que dá o poder a quem o possui, o filme "O Senhor dos Anéis" é uma alegoria que contém profunda verdade. No dia dos namorados, os rapazes que dão a suas namoradas um anel de compromisso e os já namorados que celebram seu compromisso em torno de um anel revelam o valor deste símbolo universal e nos fazem refletir sobre o amor, único mistério que realmente dá poder real a quem o vive. Que poder? Será que dá mesmo?
Contraditoriamente, em uma cultura na qual "fazer amor" é sinônimo de "ficar, por um momento, com alguém", amar dá mais medo do que qualquer outra coisa. Nada provoca tanto medo nas pessoas do que o amor. Ele nos torna mais frágeis, nos expõe a desilusões, revela nossas carências, nos desnuda em nossos medos e nossos desejos mais íntimos. Entretanto, por mais que os tempos mudem e a cultura evolua, dentro de nós, o coração continua dizendo que só o amor pode nos tornar felizes.

Fonte: Adital;
http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=9&noticiaId=1137

+ Monge beneditino e escritor

sábado, 27 de junho de 2009

Pela reabertura do inquérito do acidente/crime que matou 14 bóias-frias no Sul de Minas



Não há como esquecer o acidente criminoso acontecido dia 19 de agosto de 2008 na cidade de Santo Antônio do Amparo na rodovia Fernão Dias, quando um caminhão velho que transportava 32 bóias-frias tombou e ceifou a vida de 14 bóias-frias deixando 18 feridos, vários inválidos em cadeira de roda.
O inquérito foi arquivado pelo Ministério público alegando que o motorista, dono do caminhão, tinha morrido no acidente. Mas os bóias-frias trabalhavam na lavoura do café na fazenda Vargem Grande, propriedade de José Ananias Coutinho e o caminhão foi autorizado pelo DER – Departamento de Estradas e Rodagem - sem estar em condições de trafegar. Por isso exigimos a reabertura do inquérito, porque o DER, o fazendeiro José Ananias Coutinho e o gerente da fazenda são co-responsáveis pelo crime acontecido.
No laudo do DER (fl. 219 do inquérito), constatou-se que o CAMINHÃO – MARCA DODGE – ANO 1975 – PLACA GLP 0550 – COR BRANCA - de propriedade de Salvador - apresentava-se com as seguintes avarias: vazamento de óleo do motor, luz de freio não acende (lado direito), farol lado direito com fase queimada, pneu sobressalente reformado, pneu traseiro lado direito sem condições de uso (liso), alinhar molas e reprensar grampo do feixe de molas.
Por incrível que pareça, juntamente ao documento acima, foi expedido pela Fazenda estadual um DAE – Documento de Arrecadação Estadual -, para recolhimento da guia de licença para transporte de passageiro em veículo de carga (bóia fria). (fls. 43/44). De outra forma, há que observar que é humanamente impossível, racionalmente inconcebível e absurdamente surreal, que no dia 06 de junho de 2008 às 08h50minh, o DER reprova o veículo de Salvador e no mesmo dia, 06 de junho de 2008, o mesmo DER concede autorização para transporte de pessoas, colocando-as em risco de morte! (fls. 219).
Urge, pelo sofrimento impingido às famílias dos bóias-frias, que a comunidade escute e propague o clamor dos parentes e vítimas sobreviventes.
O Estado tem o dever de ser ético, porque guarda a missão de zelar pelo bem comum, de promover a justiça neste caso.
O princípio universal da dignidade humana, expressa na declaração de todos os povos, afirma que ninguém sofrerá tratamento cruel e desumano, e tal princípio permeia todas as relações humanas, seja no trabalho, seja no trato com os órgãos públicos.
O que se observa desse acidente criminoso é a negligência do patrão e do Estado causando dor e perda para muita gente.
Urge, portanto, alcançar a justiça e a reparação dessas perdas.
Por isso, a Comissão Pastoral da Terra, acolhendo os clamores das famílias vitimadas, EXIGE a reabertura do inquérito do acidente/crime que matou 14 bóias-frias no Sul de Minas.
Caso contrário, a impunidade de crime contra os pobres manterá a porta aberta para que tantos outros crimes aconteçam. Os bóias-frias continuam sendo explorados. Ao invés de serem beneficiados pela política da Reforma Agrária, estão aí nos “pontos” das beiras das estradas, aguardando para serem levados aos cafezais, como constatamos na madrugada do dia 23 de maio de 2009, em missão pela Comissão Pastoral da Terra – CPT, a caminho de Campo do Meio, onde centenas de famílias de Sem Terra estão sendo perseguidas, despejadas de acampamentos, enquanto o latifúndio da ex-Usina Ariadnópolis continua não cumprindo sua função social.
É triste vermos punição em demasia para os pobres, negros e jovens que são jogados nas prisões brasileiras, verdadeiras masmorras, que são massacrados quando lutam por terra e moradia, enquanto “funcionários do Estado” e poderosos da economia continuam impunes.
Cite o massacre de cinco Sem Terra do MST, em Felizburgo, Vale do Jequitinhonha. Por que Adriano Chafik não foi julgado até hoje? Quando será o julgamento do massacre dos quatro fiscais da Delegacia Regional do Trabalho, em Unaí, no noroeste de Minas? Da mesma forma ficarão impunes os criminosos responsáveis pelas mortes dos 14 bóias-frias do Sul de Minas?
Quando serão apuradas as denúncias de danos à saúde de um elevado número de bóias-frias, com depressão e crescente número de suicídio, no Sul de Minas, por causa, provavelmente, devido ao exagerado uso de produtos químicos a que ficam expostos em fazendas do agronegócio?

Com a palavra o Ministério Público e tantas outras autoridades.

Belo Horizonte, 12 de junho de 2009.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – MG
CNPJ: 02.375.913/0012-70 - Rua Cassiterita, 59 - Bairro Santa Inês
CEP: 31080-150 Belo Horizonte/MG –
Tel.: (31) 3466-0202 // (31) 3481-5420
www.cptmg.org.br

Maiores informações:
Com o advogado Élcio Pacheco, cel. 031 9767 3596.
Ou com frei Gilvander Moreira, tel.: 031 3221 3055.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

A morte não manda aviso prévio



Frei Betto+

Aqui na França é geral a consternação pela morte dos 228 passageiros e tripulantes do voo 447 da Air France na segunda, 1 de junho. A aeronave desapareceu sobre o oceano Atlântico na rota Rio-Paris.
O presidente Sarkozy interrompeu o descanso prolongado (na segunda, a França fez feriado religioso) e, em companhia de três ministros, compareceu ao aeroporto Charles de Gaulle para consolar os familiares das vítimas. No Brasil, o presidente Lula encarregou seu vice, José Alencar, de fazer o mesmo.
Há pouco, perdi um conhecido, Roger Wright, no acidente aéreo no sul da Bahia, próximo a Troncoso. Com ele faleceram mais 13 pessoas, entre as quais filhos e netos de seus dois casamentos (a primeira mulher também morreu em desastre de avião). Três gerações de uma única família tiveram suas vidas precoce e tragicamente ceifadas.
A vida é um jogo de sobrevivência. Entre milhões de espermatozóides em busca do aconchego do óvulo, um o consegue. Este um é você, sou eu, e todos os bilhões de habitantes deste planeta. Todos nós sorteados pela loteria biológica. Nenhum escolheu a família e a classe social em que nasceu. O que não deveria representar privilégio para os que estão livres da miséria e da pobreza, e sim dívida social.
O frágil milagre da existência exige duas condições básicas, cada vez mais precárias: oxigênio e nutrição. Ora, sabemos todos que, por culpa da ambição de lucro e falta de consciência de sustentabilidade, contaminamos o ar que respiramos.
Em São Paulo, onde moro, sobretudo crianças e idosos sofrem com a forte poluição. O elevado índice de desenvolvimento da mais industrializada cidade do país exige, em contrapartida, um preço igualmente alto de seus moradores, obrigados a absorverem poluentes que ferem os olhos, contaminam os pulmões, provocam alergias. Seis milhões de veículos que rodam pela capital paulista exalam o gás carbônico que tornam o ar quase irrespirável.
Assegurar ao organismo alimentos em quantidade e qualidade suficientes significa obter trabalho e renda capazes de garantir vida digna e saudável a cada família. No Brasil, ainda estamos longe do patamar de Cuba, onde todos os 11 milhões de habitantes têm direito a uma cesta básica, além de acesso gratuito à educação e saúde.
Hoje, com a crise do capitalismo neoliberal, vemos o desemprego ameaçar a sobrevivência de milhões. Como ninguém suporta passar fome e viver ao desabrigo, é inevitável o aumento da violência urbana.
Todos sabemos que o ser humano se defronta com suas limitações intransponíveis: defeito de fabricação e prazo de validade. É o que a Bíblia chama de pecado original. Haveremos de morrer, ainda que sejam longos nossos anos de vida. Só não sabemos como e quando. Por isso, buscamos imprimir um sentido à nossa breve existência, através da religião, da arte, da profissão e, sobretudo, do amor (a família).
Uns procuram o que todos buscamos – a felicidade – na via equivocada da posse dos bens finitos. Passam a existência a adquirir e preservar bens supérfluos que tanto poderiam ser úteis àqueles que foram injustamente privados de acesso a uma vida digna – os pobres. Outros fazem de sua trajetória existencial um acúmulo de bens infinitos, como amizade, solidariedade e partilha.
Sabemos todos que a felicidade não consiste na soma dos prazeres, como tenta nos incutir a publicidade dessa sociedade consumista. Mas como é difícil cultivar o exercício das virtudes, o rigor ético, a ecobiologia interior que nos livra do apego, da língua ácida, da inveja, do ressentimento, e preenchem-nos o coração e a mente de espiritualidade, altruísmo, sabedoria e fome de justiça!
Como dizia Jesus, a respeito de nossa morte não sabemos nem o dia nem a hora. E nem o modo. Certamente não teremos a sorte de Francisca, personagem do conto de Jorge Onelio Cardoso (1914-1986), “Francisca e a morte”.
A morte, ciosa de seus deveres, foi cedo em busca de Francisca na região em que ela morava. Procurou-a em casa, na roça, nos vizinhos. Aonde chegava, Francisca havia saído pouco antes, sempre dedicada a cuidar dos outros. Vendo que as horas passavam e o último trem da tarde estava prestes a sair, a morte desistiu de encontrar Francisca e levá-la consigo.
Pouco depois, um velho conhecido passou a cavalo e viu Francisca cuidando do jardim da escola. Saudou-a: “Então, Francisca, você não morre nunca?” “Nunca”, retrucou ela, “sempre há algo a fazer”.

Fonte:
http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=12620&cod_canal=53

+ Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Mulheres da história recente do Brasil: Dorothy Stang



Maria Clara Lucchetti Bingemer

No dia 12 de fevereiro de 2005 seis tiros soaram no calor da manhã ensolarada de Anapu, estado do Pará. Seis balas penetraram a cabeça, o coração e as entranhas de uma mulher idosa em anos e jovem de coração. Seis vezes a irmã Dorothy Stang teve seu corpo perfurado e sua vida liquidada por aqueles a quem incomodavam seu compromisso e sua ação em favor dos camponeses da Amazônia.
Dorothy Mae Stang, conhecida como Irmã Dorothy, nascida em Dayton, a 7 de junho de 1931, assassinada em Anapu , no estado do Pará, Brasil, a 12 de fevereiro de 2005 era uma religiosa norte-americana naturalizada brasileira. Pertencia às Irmãs de Nossa Senhora de Namur, congregação religiosa fundada em 1804 por Santa Julie Billiart (1751-1816) e Françoise Blin de Bourdon (1756-1838).
Dorothy ingressou na vida religiosa em 1948, e emitiu seus votos perpétuos de pobreza, castidade e obediência em 1956. De 1951 a 1966 foi professora em escolas da congregação: St. Victor School (Calumet City, Illinois), St. Alexander School (Villa Park, Illinois) e Most Holy Trinity School (Phoenix, Arizona).
Em 1966 iniciou seu ministério no Brasil, na cidade de Coroatá, no Estado do Maranhão.Irmã Dorothy estava presente na Amazônia desde a década de setenta junto aos trabalhadores rurais da Região do Xingu. Sua atividade pastoral e missionária buscava a geração de emprego e renda com projetos de reflorestamento em áreas degradadas, junto aos trabalhadores rurais da área da rodovia Transamazônica. Seu trabalho focava-se também na minimização dos conflitos fundiários na região.
Participou ativamente nos movimentos sociais no Pará. Seu compromisso em projetos de desenvolvimento sustentável ultrapassou as fronteiras da pequena Vila de Sucupira, no município de Anapu, no Estado do Pará, a 500 quilômetros de Belém do Pará, ganhando reconhecimento nacional e internacional.
A religiosa participava da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desde a sua fundação e acompanhou com determinação e solidariedade a vida e a luta dos trabalhadores do campo, sobretudo na região da Transamazônica, no Pará. Defensora de uma reforma agrária justa e conseqüente, Irmã Dorothy mantinha intenso diálogo com lideranças camponesas, políticas e religiosas, na busca de soluções duradouras para os conflitos relacionados à posse e à exploração da terra na Região Amazônica.
Dentre suas inúmeras iniciativas em favor dos mais empobrecidos, Irmã Dorothy ajudou a fundar a primeira escola de formação de professores na rodovia Transamazônica, que corta ao meio a pequena Anapu. Era a Escola Brasil Grande.
Mesmo recebendo diversas ameaças de morte, não se deixou intimidar. Pouco antes de ser assassinada declarou: «Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar.»
Ainda em 2004 recebeu premiação da Ordem dos Advogados do Brasil (secção Pará) pela sua luta em defesa dos direitos humanos.
As 600 famílias que compunham a comunidade de Ir. Dorothy se encontraram órfãs da maternidade espiritual e pastoral dessa corajosa mulher. Aquela que não temia coisa alguma e diante de nada recuava para defendê-los jazia agora no chão e seu sangue era bebido pela terra brasileira, tão amada, que ela escolhera como sua e pela qual dera a vida.
Irmã Dorothy Stang, 74 anos, norte-americana de nascimento e cidadã brasileira por opção, membro da Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, viveu quase metade de sua vida na Amazônia. Durante esse tempo, tudo que fez foi dar voz às comunidades rurais, defendendo o direito à terra e lutando por um modelo de desenvolvimento sem destruição da floresta. Lutava para que o Estado se fizesse presente na Amazônia, denunciando inclusive o envolvimento de policiais com fazendeiros e grileiros da região. Defendia a Amazônia e seus habitantes da ação destruidora dos madeireiros ávidos de lucro, que não hesitavam em derrubar a mata e privar as famílias que dela viviam de seu sustento e segurança.
Ao longo destes mais de vinte anos, Ir. Dorothy foi ameaçada de morte inúmeras vezes. Aconselhada a se afastar de Anapu para proteger sua vida, repetia sem cessar: “Eu não corro risco de vida, mas os colonos sim. Eles têm família para sustentar”. Sua firmeza inabalável provinha da beleza e da grandeza da causa à qual se dedicava: a vida dos agricultores pobres e explorados e a defesa do meio ambiente na cobiçada Amazônia, pulmão do mundo e sempre sob a mira cúpida das grandes potências.
Na esteira de homens como Chico Mendes e ao lado de pessoas e grupos idealistas, Ir. Dorothy e sua comunidade eram semente e símbolo de resistência na luta por um modelo de desenvolvimento econômico sustentável, pautado em critérios éticos de cuidado com a natureza e com a vida das pessoas.
Em corajosa e emocionante nota, a Conferência dos Religiosos do Brasil assim interpretou o bárbaro assassinato da religiosa norte-americana: “Irmã Dorothy foi assassinada com seis tiros, dos quais três fatais e simbólicos. Uma bala atingiu seu cérebro, outra seu coração e outra suas vísceras. Quiseram eliminar o pensar, o sentir e o gerar desta pequena, simples, humilde e idosa mulher. Seu cérebro, seu coração e seu útero eram uma ameaça para o modelo de desenvolvimento econômico implantado neste país, especialmente na Amazônia.”
Segundo uma testemunha, antes de receber os disparos que lhe ceifaram a vida, ao ser indagada se estava armada, Ir. Dorothy afirmou «eis a minha arma!» e mostrou a Bíblia. Leu ainda alguns trechos deste livro para aquele que logo em seguida a mataria.
O fazendeiro Vitalmiro Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do crime, havia sido condenado em um primeiro julgamento a 30 anos de prisão. Num segundo julgamento, contudo, foi absolvido.
A fragilidade e simplicidade de Ir. Dorothy dão ainda maior força e eloqüência ao seu testemunho. Era uma mulher, frágil e indefesa diante da força bruta dos jagunços. Religiosa, era alguém que, respondendo a um chamado de Deus, escolheu não casar-se nem constituir família. Na Amazônia, longe da proteção das casas onde vivem as outras irmãs de sua congregação, encontrava-se totalmente sozinha e exposta, tendo como companheiros e porta-vozes apenas os agricultores e camponeses, tão pobres e indefesos como ela. Tinha 74 anos. Portanto, uma pessoa de idade, que normalmente, a esta altura da vida, deveria encontrar-se confortavelmente repousando dos muitos anos de trabalho e atividade. Todas estas características tornam ainda mais bárbaro e indignante seu assassinato.
Seis balas foram atiradas contra uma mulher pacífica, uma mulher de fé, cuja única alegria era seguir os passos de seu Senhor, servindo aos mais pobres do seu povo. Nem a Palavra de Deus deteve o ímpeto assassino das balas fatais. No seio da terra que tanto amou e pela qual deu a vida, o corpo de Ir. Dorothy descansa, velado pela dor dos companheiros. Seu martírio, no entanto, é força viva que, como grão de trigo enterrado e morto, dará abundantes e fecundos frutos em prol de maior justiça para o povo brasileiro.

Fonte:
http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=12579&cod_canal=44

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Frente de Solidariedade e Apoio ao Povo Sem Terra de Campo do Meio (Minas Gerais)



PELA IMEDIATA DESAPROPRIAÇÃO DA FAZENDA ARIADNÓPOLIS
PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA

No município de Campo do Meio, região do sul de Minas Gerais, encontra-se a Fazenda Ariadnópolis, com seis mil hectares de terras ociosas desde 1983, cujo proprietário deve aos cofres públicos mais de R$ 273.000,00.
No dia 18 de maio de 2009, 122 famílias, sendo 98 famílias pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foram brutalmente despejadas de quatro acampamentos localizados na área da fazenda.
Com violência e arbitrariedade nunca vista antes na região, a ação de despejo foi realizada utilizando-se de um aparato que compreendia 210 policiais militares fortemente armados com revólveres e metralhadoras, helicóptero, cachorros, cavalaria, três UTIs móveis, carro do corpo de bombeiro, atirador de elite e dezenas de policiais de operações especiais da Tropa de Choque.
Tratores destruíram casas, plantações de mais de 1.800 sacas de feijão, cinco toneladas de melancia, quatro mil pés de mandioca e uma vasta área de milho (cf. relatório da Ouvidoria Agrária Nacional). As famílias não puderam ao menos colher o que plantaram.
No dia 20/05/2009, representantes do MST estiveram reunidos em Brasília com o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Este informou que o governo cortou 48% do orçamento da União destinado para a reforma agrária, em especial para os setores de desapropriação, educação e assistência técnica. Durante a reunião ficou claro a inoperância (senão inexistência) da reforma agrária no atual governo.
O clima na área do conflito permanece tenso. Três acampamentos do MST continuam resistindo nas áreas da fazenda Ariadnópolis. Novas ações de despejo poderão ser executadas, e mais famílias correm o risco de perder tudo o que semearam e construíram desde 1998.
Convocamos os amigos e amigas do MST a se solidarizarem com as famílias, apoiando a luta pela reforma agrária na região, enviando cartas ao poder público exigindo a imediata de Desapropriação da Fazenda Ariadnópolis, através da Lei 4.132, nº do processo 54170005006/0644. Pedimos também ajuda financeira para custeio de diversos gastos oriundo das conseqüências do despejo, do deslocamento e sustentação das famílias e da mobilização social.
Documentos, arquivos, notícias, vídeos e fotos sobre o conflito agrário em Campo do Meio podem ser encontrados nos links abaixo:

Histórico recente da Luta pela Reforma Agrária em Campo do Meio:
http://www.mstcampodomeio.blogspot.com

Reportagem – Jornal da Alterosa 16/05/09
http://www.dzai.com.br/jornaldaalterosa/video/playvideo?tv_vid_id=48911

Reportagem – Jornal da Alterosa 19/05/09
http://www.dzai.com.br/jornaldaalterosasuldeminas/video/playvideo?tv_vid_id=49122

Reportagem – Globo Rural:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1035011-7823-USINA+CONSEGUE+RECUPERACAO+DE+PROPRIEDADE+INVADIDA+HA+MAIS+DE+DEZ+ANOS,00.html

Notícia vinculada no site do Jornal Brasil de Fato:
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/familias-sao-despejadas-com-truculencia-em-minas-gerais/?searchterm=campo%20do%20meio

Notícia vinculada a Rádio Agência NP:
http://www.radioagencianp.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=6843&Itemid=1

Notícias vinculadas no site do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra:
15/05/09 -
http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6777
19/05/09 - http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6790
26/05/09 - http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6824

AS CARTAS (MOÇÕES) DEVEM SER ENVIADAS PARA OS SEGUINTES ENDEREÇOS:

CASA CIVIL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
A/c:
Tel (61) 3411-1221
E-mail:
casacivil@planalto.gov.br

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO
AC/ Guilherme Cassel
Tel: (61) 2108 – 8002
E-mail:
douglas.szefer@mda.gov.br

INCRA
AC/ Senhor Rolf Hackbart
Tel (61) 3411-7474
E-mail:
presidencia@incra.gov.br

OUVIDORIA AGRÁRIA NACIONAL
AC/ Gercino José da Silva Filho e José Abucarte
Tel: (61) 2191- 9904
E-mail:
oan@mda.gov.br

VIA CAMPESINA – SECRETARIA SUL DE MINAS GERAIS
Tel: (35) 9167-9619
E-mail:
viasulmg@yahoo.com.br

APOIOS FINANCEIROS PODEM SER DEPOSITADOS NA SEGUINTE CONTA:
Banco do Brasil
AG: 0364-6
CC: 55.642-4
Titular: Silvio Cardoso

REFORMA AGRÁRIA: Por Justiça Social e Soberania Popular!

Secretaria Operativa
Regional Sul de Minas
VIA CAMPESINA

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A face materna de Deus



Paulo Nascimento

Quis a vida que minha formação humana de base fosse privada de uma influência materna conforme os padrões. Aos quatro anos de idade meus pais se separaram. Minha criação coube a meu pai. Isso era 1981. Hoje, 2009, eu completo um ciclo de 12 anos sem qualquer tipo de contato com a mulher que me concebeu.
É bem verdade que quer tenhamos sido criados pelo pai, quer ela mãe, nossa formação humana está perpassada significativamente pela cultura patriarcal. Assim como com o nascimento biológico trazemos inscritas em nossa constituição genética as predisposições biofísicas de nossa genealogia, com o nascimento cultural vão sendo impostas a nós as marcas de uma cultura onde vige o primado do macho. Então, ainda que em nossa criação familiar tenha prevalecido a figura da mãe, as demais instituições sociais - escola, igreja, mídia, etc. - permanecem como bastiões da cultura patriarcal. A internalização desses valores é, portanto, algo de que não podemos escapar.
Não obstante, tudo indica que a maternidade se configure como um dos símbolos mais adequados quando se trata de forjarmos nossas representações da existência humana, sobretudo quando se trata de nossa relação com a terra. Em contrapartida, a cultura ocidental - mormente o cristianismo - fez do pai a figura arquetípica por excelência. O que perdemos com isso?
É verdade, Jesus de Nazaré disse que Deus era Pai. Mais especificamente disse que Deus era Abba, que era a forma como as criancinhas diziam paizinho em aramaico. Mas também isso deve ser visto à luz do horizonte de seu tempo. Afinal, que afirmação humana sobre Deus tem o poder de ser unívoca? Deus é o mistério que transborda toda compreensão humana. Portanto, toda fala sobre Deus é uma espécie de golpe analógico. Só é possível dizer que Deus é Pai porque existe uma ínfima intersecção entre a paternidade divina e a paternidade humana. No entanto, elas não se confundem. A diferença qualitativa entre Deus Pai e o Homem Pai permanece infinita (Karl Barth).
Com efeito, se a possibilidade daquela analogia está atrelada na intersecção da experiência da paternidade divina e humana, temos muito mais motivos para dizer sem medo de cometer sacrilégio: Deus é Mãe. Porque essa intersecção é muito maior que aquela!
O recalque à maternidade e à feminilidade em Deus cresce com o desenvolvimento do ocidente. Em contrapartida, já a Torah sinalizava esse traço feminino e materno da divindade. Ruah, que é a palavra hebraica para Espírito, é uma palavra feminina. Segundo Antonio Magalhães, o relato mítico do Gênesis (pontualmente Gn 1,2) dá a entender que a ruah tenha sido uma espécie de útero da criação, isto é, o espaço vital que possibilitou o surgimento da vida. Calvino teria intuição semelhante ao adjetivar o Espírito Santo de fons vitae - fonte da vida -, o que lhe faculta a maternidade de todas as coisas.
Mas se o desenvolvimento teológico no ocidente - sobretudo em função das demandas da sociedade Greco-romana onde o Novo Testamento foi composto - consistiu num recalque à feminilidade e à maternidade na fala sobre Deus, é mister fazer menção a algumas tradições pouco conhecidas que expressaram essa sensibilidade. Jürgen Moltmann* em sua pneumatologia nos oferece inúmeros desses casos. No Evangelho dos Hebreus, por exemplo, se lê Jesus dizendo: "Logo tomou-me minha mãe, o Espírito Santo, por um de meus cabelos e transportou-me para o grande monte Tabor". No escrito gnóstico-cristão Cântico das Pérolas a Trindade consiste em Deus como Pai, o Espírito Santo como Mãe, e no Cristo como Filho.
Para mim, o caso mais especial é o do Conde Zinzendorf, grande patriarca dos Irmãos Moravianos, para quem a Trindade, concebida segundo a imagem de uma família, era uma espécie de modelo da comunidade fraterna sobre a terra: "Como o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo é nosso verdadeiro Pai / e o Espírito de Jesus Cristo nossa verdadeira Mãe; porque o Filho do Deus vivo... é o nosso verdadeiro irmão. O Pai tem que nos amar e não pode fazer de outra maneira, a Mãe tem que nos guiar pelo mundo e não pode fazer de outra maneira, o Filho, nosso irmão, tem que amar as almas como sua própria alma, o corpo como seu próprio corpo, porque somos carne de sua carne e ossos de seus ossos, e não pode fazer de outra maneira".
Moltmann conclui dizendo que "uma certa despatriarcalização da imagem de Deus tem como conseqüência também uma despatriarcalização e desierarquização da Igreja". O dado triste disso tudo é o fato de que essas tradições estão entre aquelas que foram vencidas na história das Igrejas.
Sem dúvida o Deus estritamente patriarcal corresponde à uma hipostatização, no sentido de Feuerbach. Corresponde à projeção do desejo infinito de supremacia do masculino. Não há melhor fundamento que tal Deus para justificar as estruturas patriarcais tanto dentro das igrejas quanto fora delas. Nesse sentido Feuerbach, a meu ver, tem mais razão que Freud. Para o psicanalista vienense, Deus consistia numa produção do psiquismo universal a fim de socorrer os homens diante do seu infantilismo perante as intempéries da existência, perante as forças da natureza e, sobretudo, perante a realidade inescapável da morte. Mas Freud esqueceu que nesses casos é à mãe que suplicamos auxílio, e não ao pai.
Como eu disse mais acima, a intersecção entre a experiência materna-humana e a experiência materna-divina é muito maior que no caso masculino. Sim, Deus também é nossa Grande Mãe. Essa analogia também lhe cai muitíssimo bem!
Mãe, que como todas as mães, é fons vitae. Mas não é somente fonte da vida. É também vita vivificans. Mãe que, conforme Jesus de Nazaré, acolhe seus filhos e filhas tal como uma galinha acolhe seus pintos debaixo de suas asas (Lucas 13,34). Mãe que, conforme Isaías, consola como qualquer outra (Isaías 66,13).
Para mim já não há mais problema em pensar que o meu Deus (a minha imagem de Deus) é somente um produto de minhas projeções. Porque considero isso inescapável. Não há ato de fé e de crença em deuses e demônios, céus e infernos, que não se faça à base de projeções daquilo que nós somos. Nossa relação com Deus se dá sempre pela mediação da imagem que dele fazemos. Quem de nós põe em suspenso o turbilhão de pulsões, experiências, ambigüidades, memórias e desejos no ato de crer? Cremos com tudo isso. Melhor, cremos a partir de tudo isso. Nossa imagem de Deus quase sempre cumpre a função psicológica de aplacar os monstros e tapar buracos de nosso ser.
No meu caso, portanto, Deus é mais Mãe do que pai. Abaixo daquilo que Deus é em si mesmo, minha imagem dele me cura da ausência do amor materno-humano. Todas essas coisas, por sua vez, dizem respeito somente a nós mesmos. Deus permanece sendo o que é, a despeito de nossa fala sobre ele/ela e de nossas projeções ao seu respeito.
Ademais, reconhecer esse "rosto materno de Deus" (Leonardo Boff) seria uma forma sui generis de homenagear essa miríade de mulheres que sozinhas criam seus filhos, e por vezes anulam sua existência em função dos mesmos. Seria uma forma de homenagear esses seres que, assim como o Cristo, oferecem da própria carne para que seus filhos tenham vida.

Fonte:
http://www.cebi.org.br/noticia-impressao.php?noticiaId=1115

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O conflito agrário no sul de Minas só se encerra com a reforma agrária



No dia 23 de maio de 2009, em nome da Comissão Pastoral da Terra, estivemos em Campo do Meio, no Sul de Minas, visitando os Sem Terra do MST, despejados de forma truculenta e ilegal pela Polícia Militar de Minas Gerais.
Vimos muita dor e muita injustiça, uma grande humilhação. Algumas famílias desistiram, mas muitas outras estão chegando para a luta. Sentimos no ar que há sérios riscos de mais um massacre de Sem Terra no Sul de Minas. Humilhação, miséria, ressentimentos, ameaças, intimidações e desespero podem fazer explodir o conflito agrário que se arrasta há 11 aos no latifúndio da ex-Usina Ariadnópolis. Lá não se resolve com polícia. Só piora a situação. A solução lá é Política de reforma Agrária. Nós da Comissão Pastoral da Terra alertamos as autoridades e a sociedade que, caso o presidente Lula não desaproprie o latifúndio da ex-Usina Ariadnópolis por interesse social, caso o Governo Aécio continue autorizando/deixando a polícia agir de forma ilegal e truculenta, caso o Judiciário continue não enxergando o princípio constitucional da função social da propriedade, estamos, infelizmente, na iminência de mais um massacre de Sem Terra em Minas Gerais.
Primeiro visitamos o Acampamento Vitória da Conquista, do MST, nas terras da ex-Usina Ariadnópolis. Ali 32 famílias resistem há 12 anos. Sr. Manoel, 72 anos, e dona Juvelina Ramos, de 74 anos, ainda “puxam galha de café” e trabalham firme ajudando na luta da classe camponesa. A União mediu 23 hectares de terra da Ex-Usina e adjucou
[1] (= repassou por dívidas) a essas famílias que hoje temem que a qualquer hora a polícia e jagunços cheguem para retirá-los, pois com liminar de reintegração de posse do Acampamento Tiradentes, além deste, outros quatro Acampamentos foram despejados de forma ilegal, arbitrária e truculenta, deixando um rastro de destruição para trás. O despejo aconteceu dia 18 de maio de 2009.
Visitamos as áreas de escombros onde existiram os acampamentos Sidney Dias, Rosa Luxemburgo, Tiradentes e Irmã Dorothy Stang, do MST - 97 famílias Sem Terra e o Acampamento Demanda - 25 famílias, ligadas à FETAEMG. Foi comovente, de cortar coração, o que vimos. Terra arrasada. A mando do coronel Guimarães, Tratores com arados e patrolas da prefeitura de Campo do Meio, com tratoristas de testas de ferro que insistem em imperar sobre o latifúndio da ex-Usina Ariadnópolis, destruíram as lavouras dos Sem Terra dos cinco acampamentos. Lavouras de arroz, feijão, mandioca, milho, laranja, abacate, hortaliças, ... Feijão (1.600 sacas, segundo laudo da EMATER), Melancia (4 toneladas), 4 mil pés de Mandioca e uma grande plantação de milho, todos no ciclo de colheitas. Passaram trator com arado em cima de chiqueiro e trituraram porcos vivos, inclusive uma porca que estava prenha. Mataram cachorros que estranharam os indesejados policiais armados. Até bicho conhece o mal!
Derrubaram todos os barracos, muitos cobertos com telhas e feitos à base de cimento e tijolos - sem deixar qualquer possibilidade de utilização.
Os animais de criação foram lançados na vastidão da área e as cercas de arames destruídas por um trator da Prefeitura de Campo do Meio, sendo este operacionalizado por funcionários (ou jagunços?) da ex-usina Ariadnópolis. Encontramos gatinhos sob os escombros do que restou do Acampamento Tiradentes. Magrelos, miavam, mas não aceitaram nossas mãos que lhes eram estranhas. Passarinhos que eram alimentados pelas famílias sobrevoavam o acampamento devastado.
Foi devastado um barraco que acolhia 23 jovens e adultos do curso de alfabetização, em convênio com o PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Ali funcionava também a Ciranda Infantil. Um surrado chapéu de palha, algumas roupas e um vidro de pimenta em conserva foi o que sobrou do Acampamento Tiradentes. Isso encontramos no meio dos escombros.
Cf., clicando no link, abaixo: reportagem sobre o despejo de 4 acampamentos do MST, no Sul de Minas:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1035011-7823-USINA+CONSEGUE+RECUPERACAO+DE+PROPRIEDADE+INVADIDA+HA+MAIS+DE+DEZ+ANOS,00.html
Em uma celebração ecumênica, foi profundamente comovente ver Sem Terra, tal como o sr. Sebastião, despejado do Acampamento Sidney Dias, cerca de 65 anos, desabafar chorando convulsivamente. Dizia ele, entre lágrimas: “Nós não somos burros, idiotas. Somos inteligentes. Somos honestos. Eis aqui minhas mãos calejadas. Queremos viver trabalhando, mas com dignidade, não como escravos. Por isso jamais arredaremos o pé da luta pela reforma agrária. Sabemos o risco que corremos. Vários de nossos companheiros estão desistindo. Peço a todos os companheiros e companheiras: Não desistam. Vamos continuar a luta até conseguirmos desapropriar este latifúndio da ex-Usina Ariadnópolis. Por esse ideal doaremos nossa vida.
Dona Juvelina soluçando desabafa e pondera “É um desaforo o que estão fazendo conosco. A gente só quer trabalhar e viver em paz. Será que não tem lei que proíbe arrancar com o trator árvores de lei que a gente tinha plantado? Dizem que nós não podemos cortar nenhuma árvore. É proibido. Por que eles podem? Derrubaram cedro, pau brasil, várias madeiras de lei que a gente tinha plantado aqui. Soltaram vacas em cima das nossas lavouras quase na hora da colheita. Já vi gado comer milho, mas comer feijão foi a primeira vez que vi.”
Sr. João ponderou: “É através da produção de alimentos que a roda da engrenagem da sociedade gira. Não é através de carros e etanol. Precisamos matar a fome do povo com alimentos e não a fome dos carros que pede etanol. Por isso, jamais desistiremos da luta pela reforma agrária.”
Um Sem Terra começou a chorar enquanto tentava dizer o que sentia. Não conseguiu. Se ajoelhou e assistiu a toda a celebração de joelho. Parecia reafirmar ali o compromisso com a luta.
Palavras de ordem levantavam o ânimo do povo camponês. “Enquanto Deus criou o mundo, o diabo criou o latifúndio.” “Se o campo não planta, a cidade não come.”
Lá na ex-Usina Ariadnópolis e na região está em curso uma disputa por território. De um lado, latifundiários do café, fazenda do atual prefeito, testas de ferro da ex-Usina, grandes plantações de sorgo e tomate. Do outro lado, Sem Terra do MST lutando por reforma agrária, por agricultura familiar dentro dos princípios da agroecologia.
Muitas leis foram desrespeitadas em mais este covarde despejo de 123 famílias Sem Terra, no Sul de Minas. Recordamos, por exemplo, a existência do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (de 1966), que foi ratificado pelo Brasil. Ele impõe aos governos a obrigação de "utilizar todos os meios apropriados para promover e defender o direito à moradia e proteger contra despejos forçados". Os Comentários Gerais nº 4 e 7 das Nações Unidas, que esclarecem os direitos previstos nesse Pacto, estabelecem que "os despejos não podem resultar na constituição de pessoas sem moradia ou vulneráveis à violação de outros direitos humanos".
Exigimos que o Presidente Lula assine sem mais tardar o necessário Decreto de Desapropriação por interesse social da Fazenda Ariadnópolis, nos termos da Lei 4132/62, em Campo do Meio, Sul de Minas Gerais. (Processo número 54170005006/0644). Somente com a desapropriação das terras da ex-Usina a paz como fruto de justiça se estabelecerá na região.
Exigimos do Governo de Minas Gerais, Aécio Neves, indenização das lavouras destruídas pela Polícia militar a partir do laudo da EMATER.
Exigimos que a polícia militar se retire da área e que não faça despejo dos outros Acampamentos de Sem Terra existentes no latifúndio da ex-Usina Ariadnópolis.
Exigimos que se apure o crime cometido pelo prefeito de Campo do Meio que colocou trator, comprado com dinheiro público, a serviço dos interesses de testas de ferro de uma Usina falida e da polícia, para destruir acampamentos e lavouras de Sem Terra;
Reivindicamos do secretário da SEARA, Manoel Costa, a garantia de segurança alimentar e abrigo para as mais de 100 famílias despejadas.
Do INCRA de Minas exigimos o imediato assentamento de todas as famílias acampadas e de todas as que foram covardemente despejadas.

P/Comissão Pastoral da Terra – CPT Minas-
www.cptmg.org.br
Frei Gilvander Moreira, e-mail:
gilvander@igrejadocarmo.com.br
www.gilvander.org.br

Para mais informações, contato com:
Silvinho, cel.: 035-91679619 ou com Marcos Forte: cel.: 035-91869455

Consulte também
www.mstcampodomeio.blogspot.com
[1] A União repassou para as famílias depois que a área foi adjucada (recebimento da terra para o pagamento) por dívidas trabalhistas na Justiça do Trabalho.

sábado, 13 de junho de 2009

Denúncias sobre trabalho escravo atingem recorde em 2008, diz CPT



Quarta-feira, 6 de maio de 2009 - 15h29min

Por Repórter Brasil

As denúncias sobre casos de trabalho escravo contemporâneo atingem um recorde histórico no Brasil. É o que mostra o relatório anual "Conflitos no Campo Brasil 2008", elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Segundo os dados da CPT, houve 280 ocorrências no ano passado. Até então, o índice mais elevado tinha sido registrado em 2005, com 276 denúncias.
Os dados foram divulgados durante a 47ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada em Indaiatuba (SP).O relatório da CPT, que começou a ser publicado de forma sistemática em 1985, também compila diversas estatísticas sobre conflitos que envolvem o acesso à terra e à água no país. Trata-se do principal levantamento do país sobre a violência na zona rural que, neste ano, revelou também a concentração de assassinatos por conflitos no campo na região amazônica.
Ao todo, os casos relatados pela CPT envolveram 7 mil trabalhadores - 86 deles menores de idade. Houve 5,2 mil libertações. A entidade religiosa e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) utilizam metodologias distintas para contabilizar o número de ocorrências. Segundo o governo, são 5 mil pessoas resgatadas, somando as operações do grupo móvel de fiscalização e das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTEs).
O inédito índice de denúncias foi acompanhado por uma intensificação da atividade fiscalizatória vinda do poder público. O número de libertações só não foi maior que o registrado em 2007 (5.999) e 2003 (5.223). O ano que passou foi marcado ainda pelo recorde no número de operações (158), superior às 116 ações realizadas em 2007, que teve 265 denúncias, segundo a CPT.
De acordo com dom Ladislau Biernaski, presidente recém-eleito da CPT, é preciso reconhecer que, a despeito do alto índice de denúncias, o número de libertações também foi significativo e pode ser considerado "um ponto positivo". Os estados que registraram os maiores índices de crescimento das denúncias entre 2007 e 2008 foram: Maranhão (de 2 para 27 denúncias), Mato Grosso (de 19 para 33) e Amazonas (de 1 para 7).
O Pará continua apresentando o maior número de denúncias (106). Em segundo lugar está o Mato Grosso (33), seguido de perto pelo Maranhão (27). Já o ranking de libertações tem a liderança de Goiás pelo segundo ano consecutivo (867). O Pará vem logo a seguir (811). Em terceiro fica Alagoas (656). Ao todo, seis Estados não tiveram registros de denúncias e libertações pela CPT: Distrito Federal, Acre, Amapá, Roraima, Paraíba e Sergipe.
"O trabalho escravo e degradante ainda é uma chaga no Brasil", afirma dom Ladislau. Bispo de São José dos Pinhais (PR), ele assumiu o cargo no último dia 18 de abril e irá estar à frente da entidade até 2011. Ele substituiu dom Xavier Gilles de Maupeou d`Ableiges, bispo de Viana (MA). O bispo emérito de Goiás Dom Tomás Balduino, um dos fundadores da CPT em 1975, permanece como conselheiro permanente da entidade.
A maioria dos casos denunciados estão vinculados à pecuária (134). Em segundo lugar aparece o ramo de carvão (47). Já entre as libertações, o setor sucroalcooleiro liderou o ranking em 2008, com 2.553 trabalhadores que deixaram a condição análoga à escravidão, conforme registra a CPT. Houve ainda sete casos compilados que uniram trabalho escravo e desmatamento - seis deles foram fiscalizados, com 83 trabalhadores libertados.
No ano passado, a Amazônia Legal - que corresponde à totalidade do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão - teve 68% dos registros de trabalho escravo, 48% dos trabalhadores envolvidos e 32% das pessoas resgatadas. Levantamento da Repórter Brasil a partir de dados do MTE e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) havia indicado que 74% dos municípios que mais desmatam na Amazônia já foram flagrados com mão-de-obra escrava.
Criado em 1995, o grupo móvel é o responsável pelas libertações de trabalhadores no país e está sob coordenação da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). As equipes são formadas por auditores fiscais do MTE, procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Federal (PF) ou da Polícia Rodoviária Federal (PRF). As indenizações pagas pelos empregadores flagrados explorando mão-de-obra escrava em 2008 chegaram, segundo estatísticas oficiais, a R$ 9 milhões.

Fonte:
http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=1&noticiaId=1109

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Quilombos contemporâneos: uma luta que não pode ser esquecida



Enquanto um bairro nobre vai se constituindo numa zona até poucos anos esquecida em Canoas, uma comunidade quilombola ali estabelecida aumenta sua luta por reconhecimento do seu espaço e dos seus direitos. É a comunidade Chácara das Rosas. A professora Elsa Avancini estuda a história do Brasil e da África e a situação dos quilombolas no país e, há alguns anos, apoia a Chácara das Rosas, que está quase finalizando, com sucesso, o processo de reconhecimento e titulação de suas terras. Isso, segundo a professora, “representa uma esperança na medida em que o reconhecimento como comunidade permite que os quilombolas tenham acesso a uma série de projetos que o governo federal apresenta hoje para auxílio”.
Elsa nos falou sobre o reconhecimento, pelo governo federal, do primeiro quilombo urbano, explicou as diferenças entre os quilombos localizados nas grandes cidades e aqueles das nas zonas rurais e, ainda, falou do papel da mulher dentro das comunidades quilombolas que existem hoje. “Na história das comunidades, muitas vezes foram as mulheres que tiveram papel fundamental na sustentação da comunidade; eram elas que trabalhavam fora, como domésticas, e traziam o salário para ajudar a comunidade”, contou.
Elsa Avancini é graduada em História, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é mestre em História Social, pela Universidade de São Paulo, e doutora em História, pela UFRGS. Atualmente, é membro da Comissão Científica das revistas Diálogo e Mouseion. Também é professora de História do Brasil e História da África no PPG em Educação e em Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – No mês passado, o país reconheceu o Quilombo da Família Silva, em Porto Alegre, como o primeiro quilombo urbano do Brasil. O que isso significa?

Elsa Avancini – Para mim, isso significa um grande passo no processo das comunidades quilombolas do país, seja rural, seja urbano. O reconhecimento dos quilombos urbanos é um avanço bastante grande em relação aos processos anteriores que só identificavam os quilombos rurais. Sabemos que temos, no meio urbano, comunidades que vivem desde o pós-abolição em áreas que são comuns e hoje estão incrustadas em espaços que um dia foram comunidades rurais. Acho justo que esse reconhecimento atinja também essas comunidades.

IHU On-Line – Como se organiza um quilombo urbano?

Elsa Avancini – A organização de um quilombo urbano é, do ponto de vista da comunidade, coletiva, espontânea. Além disso, o seu reconhecimento hoje está enquadrado em toda a legislação que surgiu a partir da Constituição de 1988, instituindo o reconhecimento dessas comunidades. Sua organização é interna e realizada de acordo com a sua forma de viver e com a sua cultura, obedecendo a padrões da comunidade. Os temas trabalhados pelos antropólogos e cientistas sociais nessas comunidades respeitam a identidade cultural e a forma de organização dos quilombos.

IHU On-Line – Em que sentido a comunidade negra do país avança com o reconhecimento dos quilombos urbanos?

Elsa Avancini – A comunidade negra do Brasil avança no sentido de que pela primeira vez na história tem direito de ser reconhecida. Reconhecimento eu entendo como uma política compensatória, já que no pós-abolição os negros foram libertados do cativeiro depois de trabalharem 400 anos pela riqueza do país e nada lhes foi previsto como compensação. Hoje, ao reconhecer essas comunidades, a sociedade está fazendo esse processo de compensação, que visa alavancar essas comunidades negras que até hoje têm problemas de pobreza e marginalidade social, recorrentes desse processo histórico.

IHU On-Line – O Quilombo Chácara das Rosas, em Canoas, está localizado numa área de expansão imobiliária para classe média alta. O que isso representa?

Elsa Avancini – O processo de reconhecimento da comunidade Chácara das Rosas, que está em via de finalização e titulação, representa uma esperança extraordinária. Porque em torno de 90 famílias vivem num terreno pequeno e elas não têm uma forma específica de sobrevivência. Os seus índices de alfabetização são muito baixos, o que, para elas, representa uma esperança, na medida em que o reconhecimento como comunidade lhes permite que tenham acesso a uma série de projetos que o governo federal tem hoje para auxílio, inclusive para sua própria viabilização econômica. O que eu sinto é que a comunidade quilombola encontrou nesse processo de reconhecimento a esperança. Isso é um fator importante para comunidades marginalizadas, que muitas vezes desacreditam nas possibilidades de melhoria. Nesse momento, eles veem uma luz no fim do túnel.

IHU On-Line – De que forma as mudanças enfrentadas pelo município tiveram impacto para os quilombolas de Chácara das Rosas?

Elsa Avancini – Canoas está vivendo um grande momento, no qual onde a administração municipal está procurando auxiliar essa comunidade no sentido de que ela conclua o seu processo de titulação e possa receber auxílio do governo federal. Esses auxílios vêm através da municipalidade, que reconhece a comunidade no seu planejamento urbano. A própria comunidade já se fez representar nas reuniões municipais de organização e planejamento urbano. A nova administração já está em contato com a comunidade no sentido de atender as necessidades do grupo que lá vive. A comunidade desse quilombo vive num bairro nobre da cidade e não há por que suas habitações também não tenham um caráter melhor, para que se sintam melhor nesse bairro e possam olhar de frente para seus vizinhos sem se envergonhar de suas casas.

IHU On-Line – Como a senhora define a relação que os quilombolas têm com a terra? É uma relação semelhante a que os índios têm?

Elsa Avancini – Essa questão já foi pensada no Brasil através do Instituto Nacional de Reforma Agrária que, quando conduziu o reconhecimento das comunidades quilombolas e estabeleceu os decretos para o estabelecimento dessas comunidades, reconheceu aos indígenas as terras necessárias para sua sobrevivência e para produção de sua sobrevivência. Às vezes, as comunidades urbanas não têm mais como reivindicar em torno, pois o quilombo já está todo balizado pelas construções, pelo bairro que já avançou. Em outros lugares, as terras onde as comunidades vivem são necessárias a sua sobrevivência econômica. Essa interpretação me parece válida, não há por que termos uma legislação para os indígenas e outra para os quilombolas.
Em março de 2008, tínhamos no RS 182 comunidades identificadas e com 35 processos abertos, ou seja, há uma grande quantidade de comunidades aqui no estado. A Constituição de 1988 e o decreto 4887 permitiram que essas comunidades procurassem auxílio. Como elas não tinham apoio algum, as comunidades pobres e negras iam aos cartórios, onde eram mandados de uma repartição a outra, e não conseguiam reconhecer seu espaço. Isso tornou a luta muito mais difícil.

IHU On-Line – Como o meio que os quilombolas buscam construir pode ser um exemplo da ecologia dos saberes e da participação popular?

Elsa Avancini – Em especial, a comunidade Chácara das Rosas, onde eu fiz entrevistas, tem uma memória do meio ambiente local muito intensa e bonita, relembrando traços do espaço que hoje são diferentes. Hoje, essa área é urbanizada, e os arroios, em parte, estão canalizados. Por outro lado, essa mesma comunidade tem participado do projeto Arroio Araçá, Nosso Rio Guri, além de ajudar nas ações de limpeza do arroio e participar no sentido de preservar o meio ambiente, a fauna e flora da cidade.

IHU On-Line – Quais são os principais desafios e expectativas dos quilombos urbanos?

Elsa Avancini – Eu acredito que um dos grandes desafios seja a solução dos problemas que afetam a pobreza. A questão da sobrevivência material está relacionada com emprego. Por sua vez, a questão de saúde é muito problemática, em função da pobreza, das características étnicas dessas comunidades e da educação. Essas questões, se solucionadas, permitem que as comunidades alavanquem e faz com que suas crianças e jovens tenham chance de ter um futuro melhor. Essas comunidades precisam de educação e do apoio das escolas. Nas entrevistas que fiz, percebi que é muito comum encontrar crianças que repetiram o ano escolar consecutivamente, mantendo-se o problema. Se essas comunidades não tiverem um apoio escolar no turno da tarde, as crianças ficam à solta, sem ninguém para cuidar, por isso é preciso um programa de assistência. Os desafios estão aí: na questão da moradia, do sanitarismo, da saúde e da educação.

IHU On-Line – Por que a historiografia não faz referências, especificamente, a quilombos no Rio Grande do Sul?

Elsa Avancini – A historiografia rio-grandense não faz referência aos quilombos no Rio Grande do Sul, assim como não faz referência à história do negro no estado. Alguns historiadores, como o Mario Maestri, afirmam que a presença do negro no estado tem sido minimizada e esquecida. Não se reconhece, aqui, a força da escravidão e se diz que ela foi mais branda, o que não é verdade. O Rio Grande do Sul usou o negro e o seu trabalho na charqueada em grande escala, assim como nas lidas campeiras, onde eram em menor número, mas estavam presentes. Vários historiadores e sociólogos, como Fernando Henrique Cardoso, já falaram sobre isso. Esse é o lado esquecido no Rio Grande do Sul, o que ainda precisa ser contado. Por isso, o fato de saber que há 132 comunidades quilombolas ainda gera surpresa.

IHU On-Line – Qual o papel das mulheres na organização cotidiana das comunidades e nas lutas do seu reconhecimento público?

Elsa Avancini – O papel das mulheres é fundamental. Tenho visto em algumas comunidades que as mulheres foram as grandes lutadoras e fazem parte das lideranças do movimento hoje. As grandes lutas em torno do reconhecimento muitas vezes têm sido comandadas por elas. Na história das comunidades, muitas vezes foram as mulheres que tiveram papel fundamental na sustentação da comunidade; eram elas que trabalhavam fora, como domésticas, e traziam o salário para ajudar a comunidade. Hoje, inclusive, é uma mulher que dirige a comunidade quilombola Chácara das Rosas.

Fonte: UNISINOS;
http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_canal=41&cod_noticia=12450

sábado, 6 de junho de 2009

Mercado da Fé



Frei Betto+

Como os supermercados, as Igrejas disputam clientela. A diferença é que eles oferecem produtos mais baratos e, elas, prometem alívio ao sofrimento, paz espiritual, prosperidade e salvação.
Por enquanto, não há confronto nessa competição. Há, sim, preconceitos explícitos em relação a outras tradições religiosas, em especial às de raízes africanas, como o candomblé e a macumba, e ao espiritismo.
Se não cuidarmos agora, essa demonização de expressões religiosas distintas da nossa pode resultar, no futuro, em atitudes fundamentalistas, como a "síndrome de cruzada", a convicção de que, em nome de Deus, o outro precisa ser desmoralizado e destruído.
Quem mais se sente incomodada com a nova geografia da fé é a Igreja Católica. Quem foi rainha nunca perde a majestade... Nos últimos anos, o número de católicos no Brasil decresceu 20% (IBGE, 2003). Hoje, somos 73.8% da população. E nada indica que haveremos de recuperar terreno em futuro próximo.
Paquiderme numa avenida de trânsito acelerado, a Igreja Católica não consegue se modernizar. Sua estrutura piramidal faz com que tudo gire em torno das figuras de bispos e padres. O resto são coadjuvantes. Aos leigos não é dada formação, exceto a do catecismo infantil. Compare-se o catecismo católico à escola dominical das Igrejas protestantes históricas e se verá a diferença de qualidade.
Crianças e jovens católicos têm, em geral, quase nenhuma formação bíblica e teológica. Por isso, não raro encontramos adultos que mantêm uma concepção infantil da fé. Seus vínculos com Deus se estreitam mais pela culpa que pela relação amorosa.
Considere-se a estrutura predominante na Igreja Católica: a paróquia. Encontrar um padre disponível às três da tarde é quase um milagre. No entanto, há igrejas evangélicas onde pastores e obreiros fazem plantão toda a madrugada.
Não insinuo assoberbar ainda mais os padres. A questão é outra: por que a Igreja Católica tem tão poucos pastores? Todos sabemos a razão: ao contrário das demais Igrejas, ela exige de seus pastores virtudes heróicas, como o celibato. E exclui as mulheres do acesso ao sacerdócio. Tal clericalismo trava a irradiação evangelizadora.
O argumento de que assim deve continuar porque o Evangelho o exige não se sustenta à luz do próprio texto bíblico. O principal apóstolo de Jesus, Pedro, era casado (Marcos 1, 29-31); e a primeira apóstola era uma mulher, a samaritana (João 4, 28-29).
Enquanto não se puser um ponto final à desconstrução do Concílio Vaticano II, realizado para renovar a Igreja Católica, os leigos continuarão como fiéis de segunda classe. Muitos não têm vocação ao celibato, mas sim ao sacerdócio, como acontece nas Igrejas anglicana e luterana.
Ainda que Roma insista em fortalecer o clericalismo e o celibato (malgrado os escândalos frequentes), quem conhece uma paróquia efervescente? Elas existem, mas, infelizmente, são raras. Em geral, os templos católicos ficam fechados de segunda à sexta (por que não aproveitar o espaço para cursos ou atividades comunitárias?); as missas são desinteressantes; os sermões, vazios de conteúdo. Onde os cursos bíblicos, os grupos de jovens, a formação de leigos adultos, o exercício de meditação, os trabalhos voluntários?
Em que paróquia de bairro de classe média os pobres se sentem em casa? Não é o caso das Igrejas evangélicas, basta entrar numa delas, mesmo em bairros nobres, para constatar quanta gente simples ali se encontra.
Aliás, as Igrejas evangélicas sabem lidar com os meios de comunicação, inclusive a TV aberta. Pode-se discutir o conteúdo de sua programação e os métodos de atrair fiel. Mas sabem falar uma linguagem que o povo entende e, por isso, alcançam tanta audiência.
A Igreja Católica tenta correr atrás com as suas showmissas, os padres aeróbicos ou cantores, os movimentos espiritualistas importados do contexto europeu. É a espetacularização do sagrado; fala-se aos sentimentos, à emoção, e não à razão. É a semente em terreno pedregoso (Mateus 13, 20-21).
Não quero correr o risco de ser duro com a minha própria Igreja. Não é verdade que ela não tenha encontrado novos caminhos. Encontrou-os, como as Comunidades Eclesiais de Base. Infelizmente não são suficientemente valorizadas por ameaçarem o clericalismo.
Aliás, as CEBs realizarão seu 12º encontro intereclesial de 21 a 25 de julho deste ano, em Porto Velho (RO). O tema, "Ecologia e Missão"; o lema, "Do ventre da Terra, o grito que vem da Amazônia". São esperados mais de 3 mil representantes de CEBs de todo o Brasil.
Bom seria ver o papa Bento XVI participar desse evento profundamente pentecostal.

Fonte:
http://www.cebi.org.br/noticia-impressao.php?noticiaId=1117

+ Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de "Mística e Espiritualidade" (Garamond), entre outros livros.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Piratas, ontem e hoje


Frei Betto+

São estarrecedoras as notícias sobre piratas nas costas da Somália. Para mim, é quase como encontrar, hoje, dinossauros em plena Amazônia. Piratas eram, até agora, lendários personagens de minha infância. No carnaval, fantasiados ou não de piratas (lenço de seda vermelho na cabeça, tapa-olho preto e espada de pau), cantávamos alegres a famosa marchinha de 1947: “Eu sou o pirata da perna de pau / do olho de vidro / da cara de mau...”
Súbito, eis notícias de que, em pleno século XXI, há piratas de verdade atacando grandes embarcações no litoral da Somália. É Homero quem, na Odisseia, cita pela primeira vez ‘pirata’, termo que deriva do grego ‘assaltar’.
Entre os séculos XVI e XVIII, os piratas infestaram os mares do Caribe. A atual Ilha da Juventude, em Cuba, era conhecida como Ilha do Tesouro e ensejou várias histórias de aventuras. Ali os piratas escondiam seus botins.
Todos os piratas são bandidos? O historiador usamericano Marcus Rediker, no livro Villains of all nations (Vilões de todas as nações), descreve as dramáticas condições em que trabalhavam os marujos ingleses nos séculos passados. Viviam num inferno flutuante, tratados como escravos. Quem se rebelasse era chicoteado como o nosso João Cândido, o “almirante negro” da Revolta da Chibata (1910). Os reincidentes, atirados aos tubarões; os sobreviventes, recebiam salários de fome.
Os marujos foragidos da desumana marinha de suas majestades tornaram-se piratas e criaram, diante disso, uma “outra marinha possível”: aboliram a tortura, passaram a escolher seus comandantes por eleição, partilhavam entre si os botins. Enquanto eles assaltavam navios, a marinha européia saqueava países - na Ásia, na África e na América Latina. A história de nosso Continente que o diga...
Segundo Rediker, os piratas, que acolhiam a bordo escravos africanos para libertá-los, implantaram "um dos planos mais igualitários para distribuição de recursos que havia em todo o mundo, no século XVIII".
A Somália entrou em colapso em 1991 e, desde então, seus nove milhões de habitantes vivem em situação de miséria. O litoral do país é utilizado pelas nações metropolitanas como lixeira da sucata nuclear. Junto ao lixo atômico, outros tipos de dejetos têm sido jogados no mar da Somália, causando enfermidades na população, como erupções de pele, náuseas e bebês malformados. Após o tsunami de 2005, muitos apresentaram sintomas de radiação. Morreram cerca de 300 pessoas. E inúmeros navios europeus pilham a pesca do litoral da Somália. Por ano, carregam dali toneladas de atum, camarão e lagosta.
Assim, os “piratas” somalianos – que se autonomeiam “Guarda Costeira Voluntária da Somália” - são pescadores afetados em seus direitos e em busca de alguma compensação frente ao saque e à contaminação de suas águas por nações européias. Em entrevista ao jornal The Independent, Sugule Ali, um dos líderes dos “piratas”, declarou: "Não somos bandidos do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que saqueiam o nosso peixe."
Johann Hari, colunista do jornal inglês, se pergunta: “Por que os europeus supõem que os somalianos deveriam deixar-se morrer de fome passivamente pelas praias, afogados no lixo tóxico europeu, e assistir passivamente aos pesqueiros europeus (dentre outros) que pescam o peixe que, depois, os europeus comem elegantemente nos restaurantes de Londres, Paris ou Roma? A Europa nada fez, por muito tempo. Mas quando alguns pescadores reagiram e intrometeram-se no caminho pelo qual passam 20% do petróleo do mundo, imediatamente a Europa despachou para lá os seus navios de guerra.”
No século 4 a.C., um pirata foi levado preso à presença de Alexandre, o Grande, que indagou se ele pretendia tornar-se senhor dos mares. O homem respondeu qual era a sua intenção: "O mesmo que você, fazendo-se de senhor das terras; mas, porque meu navio é pequeno, sou chamado de ladrão; e você, que comanda uma grande frota, é chamado de imperador."
E hoje, quem é o principal ladrão?

Fonte:
http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=12452&cod_canal=53

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Tensão no latifúndio da ex-Usina Ariadnópolis em Campo do Meio, MG. Risco de massacre de Sem Terra no Sul de Minas



NOTA DA CPT – Comissão Pastoral da Terra – à Imprensa e à Sociedade.

Caso o Presidente Lula não assine o quanto antes o Decreto de Desapropriação da Fazenda Ariadnópolis, no município de Campo do Meio, no Sul de Minas, está na iminência de ocorrer mais uma grande injustiça contra centenas trabalhadores rurais sem-terra ou até mesmo uma tragédia anunciada. Um conflito agrário que se arrasta há mais de 10 anos, com risco de radicalização, se acirra em Campo do Meio, município às margens do lago de Furnas. De um lado, uma ex-usina de açúcar falida com mais de seis mil hectares de terras ociosas desde 1983. De outro, 280 famílias de trabalhadores rurais Sem Terra, ligados ao MST, que instalaram nove acampamentos nas terras da ex-usina Ariadnópolis a partir de 1998. Há também outros dois acampamentos de sem-terra ligados à FETAEMG e mais um outro Acampamento Bandeira Branca, mais 100 famílias. As áreas foram ocupadas em vista de o latifúndio, desde a falência da empresa, não estar cumprindo a sua função social.
Existe ainda o impasse jurídico em que a União e o Estado de Minas reivindicam a área em pagamento de dívidas fiscais da usina no valor de R$ 273 milhões, dívida parcelada em 180 prestações. Tem de ser somada ainda as dívidas trabalhistas que podem chegar a R$ 5 milhões. (Valores em 2005).
Em 09 de novembro de 2005, foi realizada na Assembléia Legislativa de Minas Gerais – ALMG - uma Audiência Pública na Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial, na qual já ficou constatado o conflito e o risco de massacre diante da falta de decisão política do Governo Lula de desapropriar a Fazenda Ariadnópolis por interesse social. Somente essa medida pode superar de forma positiva o conflito instalado na região há muitos anos. Naquela data a advogada Maria Ilka Fernandes Siqueira já alertava as autoridades que “o direito de propriedade deixa de existir quando a terra não cumpre sua função social. Ela deve ser entregue aos trabalhadores para a produção de alimentos".

Para compreender melhor a questão:
Em 1975 a empresa Usina Ariadnópolis captou recursos astronômicos em agências financeiras com lastro em ativos supervalorizados. Há fortes indícios de que os antigos donos eram políticos influentes em Minas Gerais. Todavia, a reivindicação da propriedade ocorreu por meio dos chamados “testas de ferro” que exploram a massa falida, por meio do arrendamento das terras e disseminam ameaças freqüentes aos trabalhadores rurais que ocuparam o latifúndio que não cumpria sua função social.
Desde 1997 o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - organiza centenas de famílias Sem Terra para reivindicar a reforma agrária nas terras da ex-Usina Ariadnópolis. Os acampados já foram vítimas de cinco reintegrações de posse, mas, mesmo diante da truculência de gerentes e jagunços, não aceitaram arrendar as terras. Estão produzindo alimentos, produzindo a vida através de práticas agroecológicas, educação do campo e cultivando a solidariedade entre a família Sem Terra e com a sociedade da região.
De vez em quando surgem boatos de reativação da usina. Todavia, mesmo quando existia a monocultura de cana-de-açúcar na área, essa atividade somente gerou empobrecimento do povo e devastação ambiental.
Por tudo isso, a CPT, os representantes do Ministério Público que atuam na Vara de Conflitos Agrários e todos os segmentos sociais que lutam pela democratização da posse da terra entendem que a melhor solução para a Fazenda Ariadnópolis é, sem dúvida, o assentamento imediato das famílias Sem Terra, que já cultivam a área há mais de 10 anos e que estão gerando mais de 1000 empregos diretos, produzindo alimentos para toda a região e recuperando o meio ambiente, devastado pelo plantio de cana-de-açúcar.
A ordem expedida pelo Juiz da Comarca de Campos Gerais, cumprindo a determinação precatória do Juiz da Vara Agrária, exige a saída dos acampados do Acampamento Tiradentes até o dia 17 de maio às 24h. Se não houver a saída amigável, no dia 18, a retirada será pela força policial, o que poderá resultar em um massacre, pois as centenas de famílias Sem Terra não têm para onde ir e estão dispostos a resistir a uma 6ª reintegração de posse. Está claro na precatória do Juiz da Vara Agrária que a reintegração de posse versa somente sobre o Acampamento Tiradentes e não sobre os outros dez acampamentos. Mesmo sendo assim, a polícia e jagunços disfarçados de segurança particulares espalham a ameaça que todos os onze acampamentos (380 famílias Sem Terra) serão despejados.
A viabilidade da reforma agrária na Fazenda é incontestável. A vizinha Fazenda Jatobá foi desapropriada e recebeu 40 famílias de Sem Terra que, hoje, além do direito de acesso à terra e à dignidade, produzem 1600 sacas de café por ano, 1200 litros de leite por dia, dão proteção às matas e nascentes de água e geram mais 180 empregos diretos.
A ex-usina Ariadnópolis deve mais de 180 milhões de reais ao Governo Federal, que mesmo perdoando parte da dívida em um processo de renegociação, poderá reduzir drasticamente o custo da implantação do assentamento de reforma agrária. As terras estão avaliadas em 25 milhões e a empresa já sinalizou que não tem como pagar as dívidas fiscais e trabalhistas.
Exigimos que o Presidente Lula assine sem mais tardar o necessário Decreto de Desapropriação por interesse social da Fazenda Ariadnópolis, nos termos da Lei 4132/62, em Campo do Meio, Sul de Minas Gerais. (Processo número 54170005006/0644). Isso é o que suspenderá definitivamente mais uma reintegração de posse e a expulsão de centenas de famílias de Sem Terra.
A situação do conflito na ex-Usina Ariadnópolis se agravou muito depois que o poder Judiciário concedeu mais uma liminar de reintegração de posse. Os “testas de ferro” dos pretensos possuidores (arrendatários) têm jagunços (eufemisticamente chamados de seguranças particulares) contratados, que vêm aterrorizando as famílias, ao ponto de terem posto fogo em barracos e destruído plantações.
Reafirme, precisamos de todo o apoio. A Comissão Pastoral da Terra alerta a sociedade e as autoridades que, caso o Presidente Lula não assine o Decreto de Desapropriação da Fazenda Ariadnópolis por interesse social, estamos na iminência de mais um massacre de trabalhadores em terras mineiras.
Em tempo, Presidente Lula, até quando os Sem Terra e a sociedade terão que esperar pela desapropriação da Fazenda Nova Alegria, em Felizburgo, Minas Gerais, por interesse social para reforma agrária?
Lá em Felizburgo, no Acampamento Terra Prometida, em 20/11/2004, o fazendeiro Adriano Chafic e cerca de 15 jagunços assassinaram cinco Sem Terra, massacre que continua impune. Basta de tripudiar sobre os Sem Terra, enquanto premia o agronegócio.
Belo Horizonte, 15 de maio de 2009.

Comissão Pastoral da Terra – Minas Gerais – www.cptmg.org.br