terça-feira, 29 de setembro de 2009

Quem manda é a indústria


por José Saramago - 10 de maio de 2009

Não sei nada do assunto e a experiência direta de haver convivido com porcos na infância e na adolescência não me serve de nada. Aquilo era mais uma família híbrida de humanos e animais que outra coisa. Mas leio com atenção os jornais, ouço e vejo as reportagens da rádio e da televisão, e, graças a alguma leitura providencial que me tem ajudado a compreender melhor os bastidores das causas primeiras da anunciada pandemia, talvez possa trazer aqui algum dado que esclareça por sua vez o leitor.
Há muito tempo que os especialistas em virologia estão convencidos de que o sistema de agricultura intensiva da China meridional foi o principal vetor da mutação gripal: tanto da “deriva” estacional como do episódico “intercâmbio” genômico. Há já seis anos que a revista Science publicava um artigo importante em que mostrava que, depois de anos de estabilidade, o vírus da gripe suína da América do Norte havia dado um salto evolutivo vertiginoso. A industrialização, por grandes empresas, da produção pecuária rompeu o que até então tinha sido o monopólio natural da China na evolução da gripe.
Nas últimas décadas, o setor pecuário transformou-se em algo que se parece mais à indústria petroquímica que à bucólica quinta familiar que os livros de texto na escola se comprazem em descrever… Em 1966, por exemplo, havia nos Estados Unidos 53 milhões de suínos distribuídos por um milhão de granjas. Atualmente, 65 milhões de porcos concentram-se em 65.000 instalações. Isso significou passar das antigas pocilgas aos ciclópicos infernos fecais de hoje, nos quais, entre o esterco e sob um calor sufocante, prontos para intercambiar agentes patogênicos à velocidade do raio, se amontoam dezenas de milhões de animais com mais do que debilitados sistemas imunitários. Não será, certamente, a única causa, mas não poderá ser ignorada.
No ano passado, uma comissão convocada pelo Pew Research Center publicou um relatório sobre a “produção animal em granjas industriais, onde se chamava a atenção para o grave perigo de que a contínua circulação de vírus, característica das enormes varas ou rebanhos, aumentasse as possibilidades de aparecimento de novos vírus por processos de mutação ou de recombinação que poderiam gerar vírus mais eficientes na transmissão entre humanos”.
A comissão alertou também para o fato de que o uso promíscuo de antibióticos nas fábricas porcinas/de porcos – mais barato que em ambientes humanos – estava proporcionando o auge de infecções estafilocócicas resistentes, ao mesmo tempo que as descargas residuais geravam manifestações de escherichia coli e de pfiesteria (o protozoário que matou milhares de peixes nos estuários da Carolina do Norte e contagiou dezenas de pescadores).
Qualquer melhoria na ecologia deste novo agente patogênico teria que enfrentar-se ao monstruoso poder dos grandes conglomerados empresariais avícolas e bovinos, como Smithfield Farms (suíno e vacum) e Tyson (frangos).
A comissão falou de uma obstrução sistemática das suas investigações por parte das grandes empresas, incluídas umas nada recatadas ameaças de suprimir o financiamento dos investigadores que cooperaram com a comissão. Trata-se de uma indústria muito globalizada e com influências políticas. Assim como o gigante avícola Charoen Pokphand, radicado em Bangkok, foi capaz de desbaratar as investigações sobre o seu papel na propagação da gripe aviária no Sudeste asiático, o mais provável é que a epidemiologia forense do surto da gripe suína esbarre contra a pétrea muralha da indústria do porco. Isso não quer dizer que não venha a encontrar-se nunca um dedo acusador: já corre na imprensa mexicana o rumor de um epicentro da gripe situado numa gigantesca filial de Smithfield no estado de Veracruz. Mas o mais importante é o bosque, não as árvores: a fracassada estratégia antipandêmica da Organização Mundial de Saúde, o progressivo deterioramento da saúde pública mundial, a mordaça aplicada pelas grandes transnacionais farmacêuticas a medicamentos vitais e a catástrofe planetária que é uma produção pecuária industrializada e ecologicamente sem discernimento.
Como se observa, os contágios são muito mais complicados que entrar um vírus presumivelmente mortal nos pulmões de um cidadão apanhado na teia dos interesses materiais e da falta de escrúpulos das grandes empresas. Tudo está contagiando tudo. A primeira morte, há longo tempo, foi a da honradez. Mas poderá, realmente, pedir-se honradez a uma transnacional? Quem nos acode?

Assista ao vídeo OPERAÇÃO PANDEMIA em
http://www.youtube.com/watch?v=CcgCBiyGljM

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Pandemia do Lucro



Leonardo Boff

Que interesses econômicos se movem por detrás da gripe suína?... No mundo, a cada ano morrem milhões de pessoas vítimas da Malária que se podia prevenir com um simples mosquiteiro. Os noticiários, disto nada falam!

No mundo, por ano morrem 2 milhões de crianças com diarréia que se poderia evitar com um simples soro que custa 25 centavos. Os noticiários disto nada falam!

Sarampo, pneumonia e enfermidades evitáveis com vacinas baratas, provocam a morte de 10 milhões de pessoas a cada ano. Os noticiários disto nada falam!

Mas há cerca de 10 anos, quando apareceu a famosa gripe das aves – gripe aviária - …os noticiários mundiais inundaram-se de notícias… Uma epidemia, a mais perigosa de todas…Uma Pandemia! Só se falava da terrífica enfermidade das aves. Não obstante, a gripe das aves apenas causou a morte de 250 pessoas, em 10 anos… 25 mortos por ano.

A gripe comum, mata por ano meio milhão de pessoas no mundo. Meio milhão contra 25. Um momento, um momento. Então, porque se armou tanto escândalo com a gripe das aves? Porque atrás desses frangos havia um “galo”, um galo de crista grande. A farmacêutica transnacional Roche com o seu famoso Tamiflú vendeu milhões de doses aos países asiáticos. Ainda que o Tamiflú seja de duvidosa eficácia, o governo britânico comprou 14 milhões de doses para prevenir a sua população. Com a gripe das aves, a Roche e a Relenza, as duas maiores empresas tranasnacionais farmacêuticas que vendem os antivirais, obtiveram milhões de dólares de lucro. - Antes com os frangos e agora com os porcos...
- Sim, agora começou a psicose da gripe suína. E todos os noticiários do mundo só falam disso…
- Já não se fala da crise econômica nem dos torturados em Guantánamo …
- Só a gripe suína, a gripe dos porcos…
- E eu me pergunto: se por trás dos frangos havia um “galo”, por trás dos porcos… não haverá um “grande porco”?

A empresa norte-americana Gilead Sciences tem a patente do Tamiflú. O principal acionista desta empresa é nada menos que um personagem sinistro, Donald Rumsfeld, secretário da defesa de George Bush, artífice da guerra contra o Iraque… Os acionista das transnacionais farmacêuticas Roche e Relenza estão esfregando as mãos, estão felizes pelas suas vendas novamente milionárias com o duvidoso Tamiflú. A verdadeira pandemia é de lucro, os enormes lucros destes mercenários da saúde.

Não nego as necessárias medidas de precaução que estão sendo tomadas pelos países. Mas, se a gripe suína é uma pandemia tão terrível como anunciam os meios de comunicação... Se a Organização Mundial de Saúde se preocupa tanto com esta enfermidade, porque não a declara como um problema de saúde pública mundial e autoriza o fabricação de medicamentos genéricos para combatê-la? Prescindir das patentes da Roche e Relenza e distribuir medicamentos genéricos a todos os países, especialmente aos pobres, essa seria a melhor solução. Mais ética, sensata, responsável e humanamente justa, ao menos...

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Orar


Frei Betto+

Orar é entrar em sintonia com Deus. Há muitas maneiras de fazê-lo e não se pode dizer que esta é melhor que aquela. Há orações individuais ou coletivas, baseadas em fórmulas ou espontâneas, cantadas ou recitadas. Os salmos, por exemplo, são orações poéticas, das quais cerca de 100 expressam lamentação ou denúncia, e 50, louvor.

Nós, ocidentais, temos dificuldade de orar devido ao nosso racionalismo. Em geral, ficamos na soleira da porta, entregues à oração que se apóia nos sentidos (música, dança, mirar vitrais ou paisagens etc.) ou na razão (fórmulas, leituras, reflexões etc.).

Orar é entrar em relação de amor. Como ocorre entre um casal, há níveis de aprofundamento entre o fiel e Deus. Uns oram como o namorado que fala demais no ouvido da namorada. Como se Deus fosse surdo e burro. Parecem aquela tia que liga e fala tanto, tanto, que minha mãe deixa o fone, mexe a comida nas panelas e retorna sem que sua ausência seja percebida.

Jesus sugeriu não multiplicar as palavras. Deus conhece os nossos anseios e necessidades. O próprio Jesus, narra o Evangelho, gostava de retirar-se para lugares ermos para entrar em oração. Jesus foi para a montanha a fim de rezar. E passou toda a noite em oração a Deus (Lucas 6,12).

Na oração, é preciso entregar-se a Deus. Deixar que ele ore em nós. Se temos resistência à oração é porque, muitas vezes, tememos a exigência de conversão que ela encerra. Parar diante de Deus é parar diante de si mesmo. Como num espelho, ao orar vemos o nosso verdadeiro perfil — dobras do egoísmo realçadas, mágoas acumuladas, inveja entranhada, apegos enrijecidos. Daí a tendência a não orar ou fazer orações que não revirem ao avesso a nossa subjetividade.

Os místicos, mestres da oração, sugerem aprendermos a meditar. Esvaziar a mente de todas as fantasias e idéias e deixar fluir o sopro do espírito no silêncio do coração. É um exercício cujo método a literatura mística ensina. Mas é preciso, como Jesus, reservar tempo para isso. Assim como a relação de um casal arrefece se não há momentos de intimidade, do mesmo modo a fé se debilita se não nos recolhemos em oração.

Oramos para aprender a amar como Jesus amava. Só a força do espírito dilata o coração. Portanto, uma vida de oração se avalia não pelos momentos entregues a ela, mas pelos frutos na vida cotidiana: os valores elencados como bem-aventuranças no Sermão da montanha (Mateus 5, 1-12). Ou seja, pureza de coração, desprendimento, fome de justiça, compaixão, destemor nas perseguições etc.

Orar é deixar-se amar por Deus. É deixar o silêncio de Deus ressoar em nosso espírito. É permitir que Ele faça morada em nós. Sem cair no farisaísmo de achar que a minha oração é melhor do que a sua, como aquele fariseu frente ao publicano (Lucas 18,9-14). Quem ora procura agir como Jesus agiria. Sem temer os conflitos decorrentes de atitudes que contradizem os antivalores da sociedade consumista e individualista em que vivemos.

Orar é subverter-se a si próprio. Centrado em Deus, o orante descentra-se nos outros e imprime à vida a felicidade de amar porque se sabe amado. Parafraseando Jó, antes de orar se conhece a Deus por ouvir falar. Depois, por experimentar. O que levou Jung a exclamar: Eu não creio. Eu sei.

Fonte: Correio Braziliense:

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

PAC vai na contramão da história


Em entrevista, o teólogo Leonardo Boff falou à ADITAL sobre a importante missão das Comunidades Eclesiais de Base na defesa da Amazônia. Falou também sobre o papel da Igreja frente a esses novos desafios que se apresentam como modelos de desenvolvimento na região Amazônia e criticou: "O Governo brasileiro, com um todo, tem pouca acumulação ecológica". Entre outros temas, o teólogo se referiu ao Programa de Aceleração do Crescimento como um "projeto profundamente equivocado", que não respeita as comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas entre tantas outras que habitam a Amazônia.

Boff participou do 12º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base que aconteceu até o último sábado (25), em Porto Velho, Rondônia.

Adital - O 12º Intereclesial traz o tema da ecologia. Qual a importância de se trabalhar o assunto junto às Comunidades Eclesiais de Base?

Leonardo Boff - A Ecologia nasce como algo natural na consciência das Comunidades e também na consciência da Igreja, eu diria até da própria Teologia Libertação, porque ficou cada vez mais claro para as pessoas que o mesmo sistema que explora as classes, os trabalhadores, os países, explora também a natureza. Hoje, nós chegamos ao ponto de sentir os limites da Terra.A Terra não consegue repor os seus serviços, seus recursos, porque na humanidade, especialmente os consumistas, consomem mais do que a Terra pode dar. Nós precisamos de mais de uma Terra para alimentar a humanidade. Significa que há milhões de pessoas passando fome, passando sede, à margem. E isso entrou na consciência das Comunidades: que nós temos que cuidar do planeta, especialmente das florestas tropicais, porque elas diminuem o aquecimento global, elas mantêm a vida. Isso foi transformado num desafio: como pensar, a partir da fé cristã, a partir da Bíblia, a nossa forma de atuar na preservação da natureza, como cuidadores do jardim do Éden. Aí surgiu o tema da ecologia no lugar mais importante para a questão ecológica que é a Amazônia.

Adital - Frente a esses novos modelos de desenvolvimento quais seriam os grandes desafios das Comunidades ao lidar com esse modelo?

Leonardo Boff - Acho que as CEBs são inovadoras e em termos de Igreja elas são eclesiogêneses de um novo tipo de Igreja. É a Igreja de Cristo, a Igreja da nova tradição do evangelho, mas é uma outra maneira de organizar a fé cristã, mais como comunidade, menos como hierarquia; mais com comunhão, do que organização; mais movimento do que estabilidade. Isso também deve ser na sociedade. Eu acredito que as únicas reformas que vão, de fato, modificar o planeta não vêm dos Governos, nem dos grandes empresários. Vêm das bases da humanidade, onde se fazem pequenos ensaios que dão certo, que criam confiança nas pessoas.

Esses pequenos ensaios articulados começam a criar um movimento global, uma economia mais solidária, uma produção mais familiar de pequenas cooperativas, preservando a natureza no sentido mais orgânico. Então, as CEBs são os lugares onde se pode ensaiar, em miniautura, aquilo que necessariamente vai ser para toda a humanidade. Há o risco sério de que além de depredar o planeta, nós podemos colocar a humanidade inteira em risco. Pode acontecer que no final desse século a humanidade não tenha condição de sobrevivência e desapareça porque ela maltratou demais a natureza. A Mãe Terra nos expulsa como um câncer. Mas temos fé. As Comunidades têm fé. E elas começam lá embaixo a ensaiar um respeito novo com a natureza, reduzir o consumo para não ser consumista, mostrar que a gente pode ser mais com menos. Que a gente pode ser feliz com solidariedade, com paixão, com cooperação, com convivência, do que com a acumulação, com a concorrência, com mais dinheiro.

Adital - O tema "Missão e Ecologia" traz à tona, também, o conteúdo da Carta da Terra, que segue muito atual?

Leonardo Boff - Eu participei da Carta da Terra há vários anos em sua elaboração. Ela foi aprovada no ano 2000. No ano 2003 a Unesco assumiu-a oficialmente para ser distribuída nas escolas, para ser o meio de formação, para ser princípios de valores que orientem a prática humana. Então a Carta nasceu com essa preocupação de que a terra e a humanidade estão ameaçadas. De forma, antecipatória fez uma consulta em toda a Terra envolvendo 200 mil pessoas, 46 países.

Nasceu como estratégia para salvar a terra, manter a humanidade unida. Esse tempo de desenvolvimento que temos não é sustentável. Ele cria desigualdade. De um lado, uma grande pobreza; de outro, riqueza para poucos. Esse modelo devasta a natureza e não tem solidariedade com as gerações presentes nem futuras.

Essa é a palavra chave da Carta da Terra: modo sustentável. Modo sustentável de viver na família, no ecossistema, na comunidade, na forma como se organiza a produção e a distribuição dos bens. A Carta se antecipou. E está carregada de uma áurea espiritual, de uma proposta profundamente humana e de uma ética do cuidado e respeito.

Adital - Falamos até agora sobre as responsabilidade e participação dos movimentos. Por outro lado, os governos vão numa reação contrária do que seja desenvolvimento. O que o senhor acha, por exemplo do Programada de Aceleração do Crescimento (PAC)?

Leonardo Boff - O Governo brasileiro, com um todo, tem pouca acumulação ecológica. Conhece bem o sistema do capital, suas formas de exploração. Tem estratégias para defender o trabalhador, o salário. Mas não tem nenhuma estratégia para defender a natureza. Isso fica claro no PAC, no Processo de Aceleração do Crescimento. Nem é desenvolvimento, é um modelo velho do Século 19, tem que ser criticado, submetido à discussão pública, porque ele vai implicar na devastação da natureza como as 57 hidrelétricas que vão ser construídas na Amazônia. Vai ser um impacto terrível nas florestas, nos indígenas, nos seringueiros, nos ribeirinhos.

Ninguém foi consultado, ninguém discutiu com eles sobre formas menos agressivas. Foi uma política de cima pra baixo. Se impôs um modelo econômico altamente destrutivo e capitalista sem consultar aqueles que serão as vítimas. Então, acho um projeto profundamente equivocado, que vai na contramão da história. Mostra nosso atraso ecológico, apesar de todos os avanços que o Governo Lula fez para os trabalhadores se comparando à políticas anteriores.

Mas nesse ponto da ecologia temos que fazer a crítica. Mais vale a natureza do que essas políticas governamentais que não acompanham as discussões mundiais e não fazem política de preservação desse patrimônio fantástico que Deus deu ao Brasil, que é onde está a floresta tropical mais importante do planeta, aquela que vai ajudar a equilibrar os climas, que vai ajudar a estabilizar o aquecimento em dois ou três graus. O Brasil não tem essa consciência. Nós estamos atrasados. Mas acredito que a pressão mundial vai obrigar o governo a incorporar mais esse fator ecológico.

Adital - Dentro de todo esse contexto colocado pelo senhor, qual é a mensagem que o 12º Intereclesial deixa?

Leonardo Boff - Acho que a mensagem deste 12º Intereclesial é chamar a atenção, primeiro à Igreja brasileira, que ela - como está muito presente no Amazonas, tem que incorporar em sua catequese, na sua pastoral, a consciência ecológica. Segundo, é um grito para o Brasil inteiro porque as Comunidades Intereclesiais de Base estão aqui na Amazônia. Estão sentido na pele os efeitos dos projetos antiecológicos, sejam em Rondônia, seja no Acre.

A missão da Amazônia não é ser derrubada para dar lugar à soja ou ao gado, a missão dela é ficar de pé, produzir oxigênio, biodiversidade, absorver da atmosfera a poluição e transformá-la em matéria viva que são árvores, copas, flores. Isso é um grito que vem das pequenas comunidades para o Brasil inteiro. E nós temos pouco tempo. Temos que pressionar o presidente Lula, a Ministra Dilma Rousseff, que leva o PAC, para que tomem em consideração essa realidade. Senão, daqui a dez anos vamos perder tudo o que nós construímos. A Terra vai modificar tanto que vamos ter refazer quase tudo. Então vamos já agora fazer a coisa certa.

As matérias sobre o 12º Intereclesial são produzidas com o apoio do Fundo Nacional de Solidariedade da CF 2008

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Os pais em uma sociedade educadora


Pe. Marcelo Barros, OSB

A comemoração do dia dos pais tem sempre forte apelo comercial, mas não deixa de suscitar fortes emoções, seja para quem pode abraçar seu pai, seja para as pessoas cujo pai já partiu para a eternidade. Esta data foi inventada, em 1953 pelo jornal O Globo, no contexto de uma crise política, "para permitir que os filhos homenageassem a figura heróica do chefe de família que, nestes dias, atribulados e difíceis, é o responsável pela preservação dos laços cristãos que mantêm unida a família brasileira" (Cf. O Globo, 05/ 08/ 2005).

Atualmente, a realidade política é mais estável e a sociedade é pluralista, ou seja, cultural e religiosamente diversificada. A família tem uma estrutura de convivência diversa e a comemoração do dia dos pais tem outro contexto e finalidade. Festejar o dia dos pais pode ser boa ocasião para se refletir sobre o exercício da paternidade, seja dos homens que têm a graça e a responsabilidade de ter gerado vidas, seja de outros que, mesmo sem ser pais biológicos, são responsáveis por uma paternidade afetuosa e espiritual.

Todo mundo pode ter amigos e amigas, mas cada ser humano tem apenas um pai e uma mãe. Em seu tempo, São Paulo escreve a uma comunidade que acompanha: "Embora vocês possam ter dez mil instrutores, não têm muitos pais. Só eu os gerei no Cristo" (1Cor 4, 15).

As figuras de pai e mãe são, de tal forma, responsáveis pela estruturação da personalidade que é comum as pessoas idealizarem o que seria o pai ou a mãe perfeitos. Muitas mensagens que circulam no dia dos pais falam de um pai maravilhoso que, dificilmente, pode ser assim na vida concreta.

Hoje, no Brasil, uma em cada três crianças que nascem não tem como festejar o dia dos pais. Não por ser pobre ou por algum desastre natural, mas porque seu pai não a assumiu. Na certidão de nascimento consta apenas o nome da mãe. Todos os anos, no Brasil, nascem cerca de 800 mil crianças, frutos desta situação desumana (revista Época, 27/ 07/2009).Ser pai no plano biológico é relativamente fácil e existem, hoje, técnicas genéticas que garantem isso para quem tenha alguma dificuldade. O desafiador é ser pai na construção amorosa de uma história humana. Trata-se de acompanhar contínua e generosamente outro ser em crescimento e que precisa de uma figura de educador como referência. Mesmo em uma sociedade na qual a maioria das famílias tem, cotidianamente, de lutar para sobreviver e garantir o seu trabalho, é importante assegurar o tempo de diálogo com os/as filhos/as, no qual estes possam ser confirmados e estimulados a sempre crescer na descoberta de novos valores e na relação benéfica entre escola e vida.

Na maioria das famílias brasileiras, é a mãe que, cada dia ou à noite, pergunta à criança pelo dever de casa. Embora, muitas vezes, nem ela mesma tenha segurança na matéria, confirma o filho ou filha no estudo. É importante que o pai, como homem, cumpra também a função de estimulador do crescimento educacional da criança ou adolescente. A escola cumpre um papel fundamental, mas só o apoio afetivo do pai e da mãe motivam a criança a avançar na escola e no caminho da educação integral. É por garantir este cuidado que o pai, mesmo se não teve as mesmas condições de estudar, pode sentir-se atualmente gerador contínuo de vida e crescimento para seus filhos. Ao fazer isso, ele vai constatar como tinha razão o poeta Vinícius de Moraes ao dizer no Poema Enjoadinho, que os filhos dão um trabalho imenso, mas, ao mesmo tempo, "que felicidade que os filhos dão!".

Ser pai significa assumir encargos sociais e humanos. Entretanto, para quem crê, é principalmente aceitar ser imagem de Deus-Amor, principalmente para as pessoas que nos olham como pai ou mãe.

Fonte: Adital; http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=8&noticiaId=1175

+ Monge beneditino e escritor.