sábado, 11 de outubro de 2008

A Bíblia, biblioteca do amor



Neste próximo domingo, o último de setembro, as comunidades católicas festejam o Dia da Bíblia. É ocasião para recordarmos que há 30 anos, começava o movimento de formação bíblica que, hoje, se espalha por todo o continente. O Centro de Estudos Bíblicos (CEBI) e outros grupos semelhantes são responsáveis pela devolução da Bíblia às comunidades cristãs pobres. A Bíblia nasceu em meio aos empobrecidos de Israel, mas, durante muito tempo, ficou em poder de intelectuais e pessoas abastadas. Agora, o segredo que ela traz em suas páginas, está sendo devolvido às comunidades pobres do campo e da cidade.
Este movimento ecumênico de restituir a Bíblia aos pobres se soma ao fato de que a Bíblia continua sendo o livro mais impresso no mundo. Está traduzida em 1435 línguas e dialetos. Calcula-se que, por ano, se vendem 20 milhões de exemplares. O que significa todo este sucesso literário? Houve uma época que a Bíblia servia para arregimentar cristãos e fortalecer a Cristandade. Nos tempos das ditaduras militares, generais tomavam o poder, fazendo juramento sobre uma Bíblia aberta.
Hoje, é preciso ver e usar a Bíblia de modo diferente. Provavelmente, por estas e por outras, cada vez mais, a sociedade civil se define como alheia à religião. Faz muito bem de ser uma sociedade leiga e multicultural, mas aberta a todas as expressões culturais e religiosas.
A Bíblia continua sendo referência cultural para quem quer estudar a arte, a literatura clássica e a própria história da humanidade. Mesmo pessoas sem fé apreciam os textos bíblicos que pertencem ao patrimônio cultural da humanidade e são obras primas da literatura universal. Afinal, a Bíblia inspirou a fundação de três religiões universais e de milhares de confissões e movimentos independentes.
Em muitos ambientes, o espiritualismo está em alta, mas muitos que assumem alguma busca espiritual não escolhem a Bíblia como referência. Entretanto, na América Latina, multidões lêem a Bíblia para encontrar força de viver. Em anos recentes, em vários países do continente, muitas pessoas foram presas e assassinadas por terem lido a Bíblia e nela descoberto que deviam consagrar suas vidas à transformação do mundo.
No contexto atual do mundo, uma nova edição da Bíblia deveria levar em conta as questões para as quais a humanidade busca uma resposta na Palavra de Deus. Algumas destas questões estão ligadas a determinados modos de ler a Bíblia. Em diversas partes do mundo, movimentos fundamentalistas e fanáticos inspiram-se na Bíblia, assim como em outras épocas, muitos recorriam a textos bíblicos para justificar guerras e cruzadas. O governo de Israel pretende se apoiar na Bíblia para justificar sua perseguição e repressão ao povo palestino. Várias vezes, o presidente Bush se apresentou na televisão com a Bíblia na mão para justificar a invasão a outros países e o massacre aos povos de outras raças. Até hoje, pastores cristãos usam a Bíblia para condenar as religiões negras e as tradições indígenas. Lêem ao pé da letra as condenações da Bíblia aos ídolos estrangeiros e as aplicam às religiões de povos pobres e oprimidos.
A Bíblia, livro escrito coletivamente e em um processo de muitos séculos, contém várias imagens de Deus. Ali, Deus é mostrado como a divindade que, para ver se o patriarca Abraão tinha fé, mandou que este lhe sacrificasse o seu filho único. Ordenou aos hebreus massacrarem os povos cananeus que encontrassem pelo caminho e dirigiu as guerras sagradas de Davi contra seus inimigos. Premiava os seus amigos e punia os outros com a morte e a desgraça. Foi preciso Jesus de Nazaré dizer a seus discípulos: "Vocês ouviram os antigos ensinarem uma coisa. Agora eu lhes digo outra: Nada de olho por olho, dente por dente. Nada de amar o próximo e odiar o inimigo. Nada de vingança" (Mt 5). Deus não pode ser assim.

Jesus revelou um Deus diferente, um Deus paizinho que nos ama com amor maternal. Se ele é Deus, é amor e misericórdia e não pode nunca ser vingativo e intolerante. Quer de nós amor e não nenhum tipo de sacrifício. Como lembrava o papa Paulo VI: "para se encontrar a Deus, é fundamental se encontrar o ser humano". Jesus recordou profetas bíblicos e reafirmou que Deus quer que seu templo seja espaço de comunhão para toda a humanidade, independente de raças e religiões.
Neste começo de milênio, a humanidade é chamada a rever sua relação com a natureza. Se não mudarmos o estilo de progresso, responsável pela destruição ecológica, em pouco tempo, a vida no planeta Terra será inviável. Os crentes entenderam mal a palavra de Deus na Bíblia: "Crescei, multiplicai-vos e dominai a terra". Ao contrário, esta palavra proclama o ser humano "gerente" de Deus na terra e não proprietário absoluto com direito de destruir outras criaturas de Deus e a própria comunidade da vida na terra.Ao ler e escutar a Bíblia, que cada pessoa assuma esta responsabilidade de amor.

Marcelo Barros, monge beneditino e escritor.

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