Alberto Barlocci
A crise financeira está deixando transparecer o poder financeiro das máfias. Embora se diferenciem segundo sua origem e modalidades, por máfias devemos entender tanto as clássicas organizações italianas – a camorra napolitana, n’drangheta calabresa e a máfia siciliana –, como a máfia russa, a albanesa, a turca, etc.
Diante da escassez de dinheiro, estas organizações estariam atuando como bancos informais. Na Europa há indícios de um aumento de empréstimos de agiotas de procedência mafiosa. Misha Glenny, autor de McMafia, o livro que reconstrói o sistema de negócios desses grupos afirma que há dez milhões de pessoas no Reino Unido que não podem ter acesso a empréstimos legais e se dirigem ao mercado paralelo, que é difícil de controlar.
As máfias necessitam invadir o mercado com seu dinheiro reciclado. Isso lhes permite penetrar nas atividades legais com as quais aumentam o poder acumulado através da atividade ilícita, principalmente com o narcotráfico, fonte de imensas quantidades de dinheiro. Muitas vezes, quando este fluxo ingressa no sistema legal, já foi reciclado. O jornalista italiano Roberto Saviano –que depois do sucesso de Gomorra, seu livro sobre a camorra, vive escondido e sob escolta policial–, explica que o dinheiro é lavado no Leste europeu, para depois chegar limpo ao mercado imobiliário ou ao mercado bancário ocidental. Na Escócia a camorra controla parte da atividade turística; os grandes shoppings da Grécia, Andaluzia, Kosovo e do sul da Itália foram realizados por grupos mafiosos, que logo se encarregam dos estacionamentos, transporte de mercadoria e da segurança.
SOMAS ASTRONÔMICAS
O mercado da cocaína fornece uma liquidez que permite reduzir os custos dos investimentos e da aquisição de imóveis. Em 2006 a camorra tentou comprar o clube de futebol Lazio, time romano de primeira divisão. Não é o único caso de mafiosos que atuam no esporte. Por outro lado, na Itália os capitais mafiosos controlam parte da indústria da construção e do tratamento de resíduos industriais. Este último negócio permitiu que faturassem 44 bilhões de euros em quatro anos. Dados oficiais asseguram que as três máfias italianas faturam anualmente entre 85 a 90 bilhões de euros: mais de 120 bilhões de dólares, quase o equivalente ao PIB da Bulgária, quatro vezes o do Uruguai e 7% do PIB italiano, país que integra o G8.
O problema é a ramificação do sistema mafioso, que adquire mão-de-obra e apoio popular nos bolsões de desemprego e pobreza do sul da Itália. A máfia dá trabalho, paga salários, e as famílias daqueles que trabalham para a máfia e estão presos recebem um subsídio. É um Estado dentro do Estado que compete com o poder político, exrecendo uma soberania limitada.
PETRÓLEO BRANCO
O mercado da droga, a principal fonte de renda para as máfias, está se expandindo. O Plano Colômbia, apesar do financiamento da Casa Branca, não evitou o aumento da produção da cocaína, o "petróleo branco". Isso causa um impacto geopolítico. Na África Ocidental o assassinato do presidente João Bernardo Vieira, da Guiné Bissau, esteve vinculado ao negócio da cocaína. A máfia nigeriana controla o mercado na Libéria, Serra Leoa, Guiné Bissau, Togo e Benin. A camorra teve a "gentileza" de ceder aos nigerianos uma cidade próxima de Nápoles, onde atuam com impunidade.
Se a principal porta de entrada da cocaína na Europa é a Espanha, a zona mais crítica é o Afeganistão. Ali, apesar da presença da OTAN, a produção de heroína não foi reduzida, aumentou. Os talibãs, depois de sua derrota militar, impuseram um imposto de 10% ao mercado do ópio, financiando assim sua luta contra as forças da OTAN. "Estamos diante de um fracasso da política ocidental em níveis impressionantes, numa área estrategicamente crucial", conclui Saviano; e nisto coincide com a opinião de Ahmed Rashid, jornalista paquistanês convencido de que foi um erro invadir o Iraque, em vez de estabilizar Afeganistão[i]. "A emergência do terrorismo –diz Saviano– nos distraiu do narcotráfico, quando na realidade as duas atividades se cruzam com freqüência". As máfias turcas compram a cocaína na Espanha ou na Itália e pagam-na com armas. Os atentados terroristas de 2004 que sacudiram Madri, na realidade, foram financiados com a venda de haxixe na França e Itália. Os terroristas compreenderam que a polícia espanhola era muito severa com o mercado interno, porém mais tolerante com o mercado em trânsito.
NORMAS RIGOROSAS
Para os dois autores o problema é complexo e "é bem mais complicado lutar contra a cocaína que contra a heroína. Com a primeira você trabalha, atua, conduz… é o doping da produtividade" explica Saviano. Ambos concordam que a chave é, por um lado, discutir o problema. Não é fácil, basta ver o que aconteceu com Saviano, literalmente proscrito pela camorra. A outra chave é a legislação: a existência da União Européia permitiu limitar a expansão dos negócios controlados pelas máfias, principalmente sua ramificação comercial, produzindo regras globais que impeçam os paraísos fiscais, que na realidade são paraísos fiscais para negócios ilegais.
Não convém baixar a guarda na luta contra este câncer que corrói o tecido social, econômico e político.
Fonte: Mirada Global: http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_canal=42&cod_noticia=13004
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