O 12º Encontro Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) aconteceu entre os dias 21 e 25 de julho, em Porto Velho, RO, e teve como tema “CEBs – Ecologia e Missão” e o lema é “Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia”. Depois do Fórum Social Mundial (FSM), do III Fórum Mundial de Teologia e Libertação, que aconteceram ambos em Belém, no começo deste ano, agora foi a vez do Encontro das CEBs acontecer na região amazônica.
Este encontro teve algumas novidades, que não podem passar desapercebidas. A primeira, é justamente o tema do Encontro: a ecologia. Para tratar desse assunto, nada mais apropriado do que mergulhar na região amazônica. É a primeira vez que a questão ecológica emerge como tema principal dos Encontros. Vê-se nisso uma sensibilidade e uma abertura das comunidades eclesiais para uma questão que é relativamente nova, mas que granjeou, em pouco tempo, a atenção de todos. A escolha desse tema significa uma mudança em relação aos temas anteriormente tratados, como lembra o teólogo José Oscar Beozzo: “Neste Intereclesial na Amazônia, a ênfase deslocou-se para os diferentes desafios no campo ecológico e o empenho dos integrantes das CEBs nos movimentos ecológicos, seja nos que respondem aos cinco clamores da Amazônia (grito dos povos indígenas, ribeirinhos, imigrantes; o grito da terra; o grito das águas e o grito das florestas), seja nos que vêm das outras grandes regiões do país”, disse na entrevista especial à IHU On-Line.
Referindo-se à questão do tema do Encontro, Luiz Ceppi, um dos organizadores, destacou a pertinência e a amplitude do mesmo: “Temos que refletir sobre qual é o nosso jeito de trabalhar para não entrarmos, como a maioria entra, no sistema de consumo, ferindo a mãe terra só para possuir um pouco mais. Se, pelo menos, as pessoas que participarem voltarem às suas regiões dizendo que a terra é uma mãe que precisa ser cuidada, o resultado já será ótimo”.
A consciência sobre a questão ecológica foi se criando e fortalecendo dentro da Igreja ao longo dos últimos anos. As Semanas Sociais Brasileiras – especialmente a partir da segunda, que aconteceu em julho de 1995 – vão testemunhando essa emergência. Já em 1992, o Setor Pastoral Social da CNBB publica o livretinho “A Igreja e a questão ecológica” que recolhe as reflexões realizadas no Seminário sobre “Ecologia e Desenvolvimento”, realizado pela CNBB naquele mesmo ano. Mas, antes disso, a Campanha da Fraternidade de 1979, com o lema “Preserve o que é de todos”, já trata do assunto.
Pode-se dizer que 30 anos depois, o tema, marginal, no começo, foi progressivamente ganhando relevância dentro da Igreja à medida que também foi se transformando em um assunto vetorial da nossa sociedade, num contexto de crise civilizacional, em que os modos de produção e de consumo, assentados sobre uma visão de crescimento econômico ilimitado e infinito, estão dando sinais de esgotamento.
“Na pauta das discussões está o equívoco de uma civilização que contrapõe desenvolvimento e natureza, gerando um desequilíbrio que prioriza o primeiro à custa da degradação da segunda. Num dos pratos dessa falsa balança, estão as empresas e corporações que mercantilizam e esgotam a terra, e também estão os governos federal, estaduais e municipais, com obras gigantescas que privilegiam os grandes e sacrificam os pequenos. Vista como uma zona de sintropia – para usar uma expressão dos especialistas – a Amazônia assiste à depredação da riqueza e da beleza de suas águas, biodiversidade e energia (os três maiores alvos do sistema capitalista que vigora como pensamento único em muitos gabinetes)”, reflete Jelson Oliveira, professor de Filosofia da PUCPR, agente da CPT-PR e assessor do 12º Encontro Intereclesial das CEBs.
Uma segunda novidade está no fato de o Encontro ter proporcionado uma imersão na realidade local. A programação contemplou um dia de visitas para que as mais de três mil pessoas pudessem mergulhar no mundo amazônico. “As pessoas partiram para se encontrar com comunidades ribeirinhas, com comunidades extrativistas, da periferia da cidade, com comunidades afro-descendentes e indígenas, com ocupações urbanas e assentamentos rurais. Foram também aos hospitais, às prisões, a casas de recuperação de pessoas com dependência química ou com deficiência, para visitar gente que sofre. Os participantes puderam tomar o pulso diretamente da realidade amazônica”, lembra o José Beozzo.
A iniciativa foi louvada pelo padre Beozzo. “Nunca aconteceu nos outros intereclesiais de se dedicar um dia inteiro para as pessoas tomarem contato com as realidades locais. Ninguém voltará com um discurso abstrato, mas, sim, com uma experiência muito concreta de algumas dessas realidades da região amazônica. Oferecer essa oportunidade aos delegados e à própria população local foi extremamente importante e rico”, destacou.
O enorme desconhecimento que recobre a região amazônica justifica essa ação, assim como a colocação em prática do método das CEBs, o ver-julgar-agir. Como disse dom Moacir Grechi, arcebispo de Porto Velho, “a Amazônia só é conhecida folcloricamente ou por interesses econômicos. O povo, em geral, não conhece a região, do bispo até o coroinha. Está sendo muito importante receber essas pessoas, principalmente a gente do povo, participando de diálogos, de visitas a grupos indígenas, a comunidades rurais, de periferia, prisões, hospitais”.
Ou, como destacou outra vez o padre Beozzo, “os organizadores souberam introduzir todos os delegados no coração da experiência dessa região, começando pela celebração de abertura, que foi no início da estrada de ferro Madeira-Mamoré, em cuja construção no coração da floresta amazônica, milhares de pessoas morreram. Ela marcou o auge do ciclo da borracha na região amazônica que arrastou para a região meio milhão de migrantes nordestinos, em especial cearenses tangidos pelas grandes secas e fome que se abateram sobre a região”.
Ver a realidade dos povos amazônicos e ver como está sendo tratada a natureza. Sob este aspecto torna-se extremamente interessante a leitura de alguns dos relatos que foram feitos por quem esteve por lá e viu. Fazemos menção ao relato feito por Antonio Cechin e Jacques Alfonsin, respectivamente irmão marista e advogado, quando de sua visita ao Rio Madeira, na altura das obras da hidrelétrica Santo Antonio.
A imersão teve o sentido de não apenas fazer ver a realidade, mas também ouvir os gritos que do interior desta realidade sobem. E, como explica dom Moacir Grechi, são “muitos” os gritos que vêm da Amazônia. “Aqui os gritos são muitos: é o grito das populações indígenas dizimadas e das suas terras exploradas – a madeira de lei das terras indígenas é roubada vergonhosamente sem que ninguém seja punido, pelo contrário; depois temos a problemática dos rios contaminados pelo mercúrio; temos o problema da criação extensiva de gado, e com isso é a floresta que cai; tem a soja, câncer da nossa região, que está subindo, e a mata cai e o ambiente se vai. Não se pode dizer que a Amazônia está urbanizada quando a metade da população não tem água tratada, não tem esgoto, não tem nem sanitário, às vezes. Esses são os gritos da Amazônia. Mas há também um grito de reação, de esperança, nada de desgraça definitiva.”
O ver e o ouvir a realidade, implicam na denúncia das violações, destruições e sofrimentos perpetrados contra todos os seres vivos e que ameaçam o equilíbrio da Terra, nossa “Casa comum”. “Vimos nossa Casa ameaçada pelo desmatamento, com o avanço da pecuária, das plantações de soja, cana, eucalipto e outras monoculturas, sobre áreas de florestas; pela ação predatória de madeireiras, pelas queimadas, poluição e envenenamento das águas, peixes e humanos pelo mercúrio dos garimpos, pelos rejeitos das mineradoras e pelo lixo nas cidades. Encontra-se ameaçada também pelo crescente tráfico de drogas, de mulheres e crianças e pelo extermínio de jovens provocado pela violência urbana”, destaca a Carta às Irmãs e aos Irmãos das CEBs e a todo o Povo de Deus.
Esses gritos foram sistematizados em cinco gritos no decorrer do Encontro, como mostra o Jelson Oliveira: o grito dos povos, o grito da terra, o grito das águas, o grito das florestas e o grito da cidade. Cada um desses gritos foi ouvido, acolhido, refletido, e objeto de compromissos, pelo que se pode depreender da Carta do Encontro.
Um terceiro elemento a ser destacado deste Encontro é a presença marcante dos grupos indígenas. Estiveram presentes 38 nações indígenas. A sua presença é importante na medida em que representam um contraponto à nossa cultura ocidental. Aprender com a sua cultura implica em relativizar aspectos da nossa e encontrar caminhos comuns de cuidado, que abrangem a vida em sua totalidade.
A Amazônia está se convertendo na última fronteira de exploração de recursos naturais. Por isso, de acordo com o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, os problemas de outras partes do Brasil estão sendo “empurrados” para a Amazônia. Ele explica: “Agora mesmo, para tirar o Brasil de um déficit energético e aumentar exportações, o governo abre a Amazônia para as hidrelétricas, fecha os olhos ao desmatamento, faz de conta que os povos indígenas nem existem, libera as mineradoras, enfim, faz tudo por um punhado de dólares”.
Neste contexto, continua Pedro Ribeiro, “os movimentos sociais que proclamam ‘um outro mundo possível’ nos interpelam a sermos mais firmes na busca de mudanças socioeconômicas estruturais capazes de romper com a lógica do lucro que rege a economia capitalista. Olhando para nossos vizinhos, vemos que temos muito a aprender com eles”.
As CEBs têm um papel importante e indispensável, qual seja, a de avançar “na construção de uma nova forma de consciência, forma que podemos chamar de planetária por ser intimamente relacionada com a vida da Terra. Na medida em que as CEBs formulam e difundem essa consciência de sermos todos parte da grande comunidade de vida, elas criam um novo patamar de onde se pode ver a crise atual sob nova perspectiva. Em lugar de múltiplas crises, perceber uma única crise: a crise do sistema produtivista-consumista regido pela lógica do mercado capitalista”, lembra Pedro Ribeiro.
A Carta dos participantes do Encontro destacam também as ações que estão sendo desenvolvidas, muitas delas com a participação de pessoas ligadas às CEBs, com vistas a fazer frente aos desafios ecológicos: “Constatamos, com alegria, a multiplicação de iniciativas em favor do meio ambiente, como a de humildes catadores de material reciclável, no meio urbano, tornando-se profetas da ecologia e as de economia solidária, agricultura orgânica e ecológica”, faz notar a Carta.
Entretanto, não se pode esquecer de alguns contrasensos presentes na prática do dia-a-dia, conforme nos faz lembrar o padre José Beozzo: “Assistimos, porém, no final da celebração de abertura, um contrasenso em relação à preocupação ecológica do encontro. Foram distribuídos em sinal de fraterna partilha, bombons de cupuaçu e castanha do Pará. Logo depois havia um mar de papeizinhos de bombom atirados no chão, sujando todo aquele espaço da celebração. Então, os cuidados começam por não sujar a natureza, não jogar lixo no chão. É preciso reduzir o lixo e reciclá-lo da melhor forma possível. Há questões pequenas e concretas, ao lado de grandes lutas, como o desmatamento e a preservação das águas e matas”.
E concluímos esta parte da análise com as frases de dom Moacir Grechi. “Deus não planta árvores, Ele planta sementes. Assim também as Comunidades Eclesiais de Base são tão escondidas e pequenas, que nós nem damos valor a elas, humanamente falando. Mas tem um provérbio africano, que fala justamente sobre a ação das comunidades de base urbanas e das florestas, que são formadas de gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não importantes, mas conseguindo mudanças extraordinárias. Elas são formiguinhas que, pouco a pouco, com seu testemunho pessoal e de comunidade, conseguem grandes feitos, como mudar a mentalidade dentro da Igreja”.
Um grito irrompeu para dentro das CEBs para que pudessem se abrir e acolher os gritos que vem da Amazônia, da questão ecológica, grito esse que quer ecoar em todos os cantos deste país e em todas as dimensões.
O encontro das sensibilidades em torno da questão ecológica por parte das CEBs e da ex-Ministra Marina Silva, que já tem o seio eclesial como fator comum anterior, permitem uma sinergia muito grande. Por essa razão, caso realmente a sua candidatura se confirmar, são grandes as chances de ela ter muitos votos cebsianos.
(Ecodebate, 14/08/2009) publicado pelo IHU On-line, 12/08/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Este encontro teve algumas novidades, que não podem passar desapercebidas. A primeira, é justamente o tema do Encontro: a ecologia. Para tratar desse assunto, nada mais apropriado do que mergulhar na região amazônica. É a primeira vez que a questão ecológica emerge como tema principal dos Encontros. Vê-se nisso uma sensibilidade e uma abertura das comunidades eclesiais para uma questão que é relativamente nova, mas que granjeou, em pouco tempo, a atenção de todos. A escolha desse tema significa uma mudança em relação aos temas anteriormente tratados, como lembra o teólogo José Oscar Beozzo: “Neste Intereclesial na Amazônia, a ênfase deslocou-se para os diferentes desafios no campo ecológico e o empenho dos integrantes das CEBs nos movimentos ecológicos, seja nos que respondem aos cinco clamores da Amazônia (grito dos povos indígenas, ribeirinhos, imigrantes; o grito da terra; o grito das águas e o grito das florestas), seja nos que vêm das outras grandes regiões do país”, disse na entrevista especial à IHU On-Line.
Referindo-se à questão do tema do Encontro, Luiz Ceppi, um dos organizadores, destacou a pertinência e a amplitude do mesmo: “Temos que refletir sobre qual é o nosso jeito de trabalhar para não entrarmos, como a maioria entra, no sistema de consumo, ferindo a mãe terra só para possuir um pouco mais. Se, pelo menos, as pessoas que participarem voltarem às suas regiões dizendo que a terra é uma mãe que precisa ser cuidada, o resultado já será ótimo”.
A consciência sobre a questão ecológica foi se criando e fortalecendo dentro da Igreja ao longo dos últimos anos. As Semanas Sociais Brasileiras – especialmente a partir da segunda, que aconteceu em julho de 1995 – vão testemunhando essa emergência. Já em 1992, o Setor Pastoral Social da CNBB publica o livretinho “A Igreja e a questão ecológica” que recolhe as reflexões realizadas no Seminário sobre “Ecologia e Desenvolvimento”, realizado pela CNBB naquele mesmo ano. Mas, antes disso, a Campanha da Fraternidade de 1979, com o lema “Preserve o que é de todos”, já trata do assunto.
Pode-se dizer que 30 anos depois, o tema, marginal, no começo, foi progressivamente ganhando relevância dentro da Igreja à medida que também foi se transformando em um assunto vetorial da nossa sociedade, num contexto de crise civilizacional, em que os modos de produção e de consumo, assentados sobre uma visão de crescimento econômico ilimitado e infinito, estão dando sinais de esgotamento.
“Na pauta das discussões está o equívoco de uma civilização que contrapõe desenvolvimento e natureza, gerando um desequilíbrio que prioriza o primeiro à custa da degradação da segunda. Num dos pratos dessa falsa balança, estão as empresas e corporações que mercantilizam e esgotam a terra, e também estão os governos federal, estaduais e municipais, com obras gigantescas que privilegiam os grandes e sacrificam os pequenos. Vista como uma zona de sintropia – para usar uma expressão dos especialistas – a Amazônia assiste à depredação da riqueza e da beleza de suas águas, biodiversidade e energia (os três maiores alvos do sistema capitalista que vigora como pensamento único em muitos gabinetes)”, reflete Jelson Oliveira, professor de Filosofia da PUCPR, agente da CPT-PR e assessor do 12º Encontro Intereclesial das CEBs.
Uma segunda novidade está no fato de o Encontro ter proporcionado uma imersão na realidade local. A programação contemplou um dia de visitas para que as mais de três mil pessoas pudessem mergulhar no mundo amazônico. “As pessoas partiram para se encontrar com comunidades ribeirinhas, com comunidades extrativistas, da periferia da cidade, com comunidades afro-descendentes e indígenas, com ocupações urbanas e assentamentos rurais. Foram também aos hospitais, às prisões, a casas de recuperação de pessoas com dependência química ou com deficiência, para visitar gente que sofre. Os participantes puderam tomar o pulso diretamente da realidade amazônica”, lembra o José Beozzo.
A iniciativa foi louvada pelo padre Beozzo. “Nunca aconteceu nos outros intereclesiais de se dedicar um dia inteiro para as pessoas tomarem contato com as realidades locais. Ninguém voltará com um discurso abstrato, mas, sim, com uma experiência muito concreta de algumas dessas realidades da região amazônica. Oferecer essa oportunidade aos delegados e à própria população local foi extremamente importante e rico”, destacou.
O enorme desconhecimento que recobre a região amazônica justifica essa ação, assim como a colocação em prática do método das CEBs, o ver-julgar-agir. Como disse dom Moacir Grechi, arcebispo de Porto Velho, “a Amazônia só é conhecida folcloricamente ou por interesses econômicos. O povo, em geral, não conhece a região, do bispo até o coroinha. Está sendo muito importante receber essas pessoas, principalmente a gente do povo, participando de diálogos, de visitas a grupos indígenas, a comunidades rurais, de periferia, prisões, hospitais”.
Ou, como destacou outra vez o padre Beozzo, “os organizadores souberam introduzir todos os delegados no coração da experiência dessa região, começando pela celebração de abertura, que foi no início da estrada de ferro Madeira-Mamoré, em cuja construção no coração da floresta amazônica, milhares de pessoas morreram. Ela marcou o auge do ciclo da borracha na região amazônica que arrastou para a região meio milhão de migrantes nordestinos, em especial cearenses tangidos pelas grandes secas e fome que se abateram sobre a região”.
Ver a realidade dos povos amazônicos e ver como está sendo tratada a natureza. Sob este aspecto torna-se extremamente interessante a leitura de alguns dos relatos que foram feitos por quem esteve por lá e viu. Fazemos menção ao relato feito por Antonio Cechin e Jacques Alfonsin, respectivamente irmão marista e advogado, quando de sua visita ao Rio Madeira, na altura das obras da hidrelétrica Santo Antonio.
A imersão teve o sentido de não apenas fazer ver a realidade, mas também ouvir os gritos que do interior desta realidade sobem. E, como explica dom Moacir Grechi, são “muitos” os gritos que vêm da Amazônia. “Aqui os gritos são muitos: é o grito das populações indígenas dizimadas e das suas terras exploradas – a madeira de lei das terras indígenas é roubada vergonhosamente sem que ninguém seja punido, pelo contrário; depois temos a problemática dos rios contaminados pelo mercúrio; temos o problema da criação extensiva de gado, e com isso é a floresta que cai; tem a soja, câncer da nossa região, que está subindo, e a mata cai e o ambiente se vai. Não se pode dizer que a Amazônia está urbanizada quando a metade da população não tem água tratada, não tem esgoto, não tem nem sanitário, às vezes. Esses são os gritos da Amazônia. Mas há também um grito de reação, de esperança, nada de desgraça definitiva.”
O ver e o ouvir a realidade, implicam na denúncia das violações, destruições e sofrimentos perpetrados contra todos os seres vivos e que ameaçam o equilíbrio da Terra, nossa “Casa comum”. “Vimos nossa Casa ameaçada pelo desmatamento, com o avanço da pecuária, das plantações de soja, cana, eucalipto e outras monoculturas, sobre áreas de florestas; pela ação predatória de madeireiras, pelas queimadas, poluição e envenenamento das águas, peixes e humanos pelo mercúrio dos garimpos, pelos rejeitos das mineradoras e pelo lixo nas cidades. Encontra-se ameaçada também pelo crescente tráfico de drogas, de mulheres e crianças e pelo extermínio de jovens provocado pela violência urbana”, destaca a Carta às Irmãs e aos Irmãos das CEBs e a todo o Povo de Deus.
Esses gritos foram sistematizados em cinco gritos no decorrer do Encontro, como mostra o Jelson Oliveira: o grito dos povos, o grito da terra, o grito das águas, o grito das florestas e o grito da cidade. Cada um desses gritos foi ouvido, acolhido, refletido, e objeto de compromissos, pelo que se pode depreender da Carta do Encontro.
Um terceiro elemento a ser destacado deste Encontro é a presença marcante dos grupos indígenas. Estiveram presentes 38 nações indígenas. A sua presença é importante na medida em que representam um contraponto à nossa cultura ocidental. Aprender com a sua cultura implica em relativizar aspectos da nossa e encontrar caminhos comuns de cuidado, que abrangem a vida em sua totalidade.
A Amazônia está se convertendo na última fronteira de exploração de recursos naturais. Por isso, de acordo com o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, os problemas de outras partes do Brasil estão sendo “empurrados” para a Amazônia. Ele explica: “Agora mesmo, para tirar o Brasil de um déficit energético e aumentar exportações, o governo abre a Amazônia para as hidrelétricas, fecha os olhos ao desmatamento, faz de conta que os povos indígenas nem existem, libera as mineradoras, enfim, faz tudo por um punhado de dólares”.
Neste contexto, continua Pedro Ribeiro, “os movimentos sociais que proclamam ‘um outro mundo possível’ nos interpelam a sermos mais firmes na busca de mudanças socioeconômicas estruturais capazes de romper com a lógica do lucro que rege a economia capitalista. Olhando para nossos vizinhos, vemos que temos muito a aprender com eles”.
As CEBs têm um papel importante e indispensável, qual seja, a de avançar “na construção de uma nova forma de consciência, forma que podemos chamar de planetária por ser intimamente relacionada com a vida da Terra. Na medida em que as CEBs formulam e difundem essa consciência de sermos todos parte da grande comunidade de vida, elas criam um novo patamar de onde se pode ver a crise atual sob nova perspectiva. Em lugar de múltiplas crises, perceber uma única crise: a crise do sistema produtivista-consumista regido pela lógica do mercado capitalista”, lembra Pedro Ribeiro.
A Carta dos participantes do Encontro destacam também as ações que estão sendo desenvolvidas, muitas delas com a participação de pessoas ligadas às CEBs, com vistas a fazer frente aos desafios ecológicos: “Constatamos, com alegria, a multiplicação de iniciativas em favor do meio ambiente, como a de humildes catadores de material reciclável, no meio urbano, tornando-se profetas da ecologia e as de economia solidária, agricultura orgânica e ecológica”, faz notar a Carta.
Entretanto, não se pode esquecer de alguns contrasensos presentes na prática do dia-a-dia, conforme nos faz lembrar o padre José Beozzo: “Assistimos, porém, no final da celebração de abertura, um contrasenso em relação à preocupação ecológica do encontro. Foram distribuídos em sinal de fraterna partilha, bombons de cupuaçu e castanha do Pará. Logo depois havia um mar de papeizinhos de bombom atirados no chão, sujando todo aquele espaço da celebração. Então, os cuidados começam por não sujar a natureza, não jogar lixo no chão. É preciso reduzir o lixo e reciclá-lo da melhor forma possível. Há questões pequenas e concretas, ao lado de grandes lutas, como o desmatamento e a preservação das águas e matas”.
E concluímos esta parte da análise com as frases de dom Moacir Grechi. “Deus não planta árvores, Ele planta sementes. Assim também as Comunidades Eclesiais de Base são tão escondidas e pequenas, que nós nem damos valor a elas, humanamente falando. Mas tem um provérbio africano, que fala justamente sobre a ação das comunidades de base urbanas e das florestas, que são formadas de gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares não importantes, mas conseguindo mudanças extraordinárias. Elas são formiguinhas que, pouco a pouco, com seu testemunho pessoal e de comunidade, conseguem grandes feitos, como mudar a mentalidade dentro da Igreja”.
Um grito irrompeu para dentro das CEBs para que pudessem se abrir e acolher os gritos que vem da Amazônia, da questão ecológica, grito esse que quer ecoar em todos os cantos deste país e em todas as dimensões.
O encontro das sensibilidades em torno da questão ecológica por parte das CEBs e da ex-Ministra Marina Silva, que já tem o seio eclesial como fator comum anterior, permitem uma sinergia muito grande. Por essa razão, caso realmente a sua candidatura se confirmar, são grandes as chances de ela ter muitos votos cebsianos.
(Ecodebate, 14/08/2009) publicado pelo IHU On-line, 12/08/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Nenhum comentário:
Postar um comentário