sábado, 22 de maio de 2010

Campos de extermínio de miseráveis


Selvino Heck

Adital - A notícia da semana: seis rapazes com idades entre 25 e 35 anos, cinco deles moradores de rua, foram assassinados a tiros, de noite, debaixo de um viaduto no bairro de Jaçanã, zona norte de São Paulo. Os disparos foram feitos a uma distância inferior a cinco metros.

Os assassinatos estão crescendo na zona norte da capital paulista desde 2008. Em 2009 a média mensal aumentou 2,53% na região em comparação com o ano anterior. No primeiro trimestre deste ano foram registrados 60 (sim, 60) homicídios na região, o que fez a média mensal de assassinatos crescer assustadores 18,2% em relação a 2009. (E não estamos em guerra civil.).

Segundo o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo, a cidade criou campos de extermínio de miseráveis. "O que aconteceu foi uma execução. Na delegacia, vendo o material recolhido, as fotos, tudo indica que alguns foram mortos dormindo. Eles estavam completamente indefesos. Como em 2004 (quando houve a chamada chacina da Sé, com a execução de sete pessoas), foi por vingança ou ódio."

O que explica tanta sede de vingança e tanto ódio? Tanta intolerância?

Uma das razões sem dúvida é a impunidade. No caso da chacina da Sé, em 2004, nenhum dos policiais militares acusados pelo crime foi julgado até hoje. Mata-se com a certeza de que nada vai acontecer. Se for necessário, como aconteceu neste caso, a única testemunha de uma das mortes também foi assassinada com três tiros, um mês após o massacre. No processo consta que morreu porque teria roubado o celular de um policial.

Segundo especialistas, a abordagem e as alternativas oferecidas à população que vive nas ruas de São Paulo precisam ser urgentemente revistas. Rosana Baesso Brunetti, Coordenadora da Associação Minha Rua, Minha Casa, diz: "Essas pessoas são acordadas com jatos d’água pela Prefeitura de São Paulo, levam bombas no Glicério. Soma-se a isso a falta de infra-estrutura na saúde e na moradia. Essa chacina é o reflexo disso tudo".

Num censo realizado em 2000, chegou-se a 8 mil moradores em situação de rua em São Paulo, capital. O censo foi refeito em 2010, mas os detalhes não foram divulgados. Entidades estimam que a população de rua já passe dos 15 mil. Cabe a pergunta. O que explica e justifica um aumento tão grande de moradores em situação de rua, quando as manchetes dos grandes jornais estamparam nas últimas semanas: "Construtoras já temem apagão de mão de obra; pacote de incentivos para reter profissionais; mulheres começam a ganhar espaço nos canteiros; contratações na indústria aceleram em março - aumento de 2,4% em relação ao mesmo mês de 2009 - foi a maior expansão mensal desde agosto de 2008 -; folha de pagamento cresceu 5,6% no período.

Ou seja, as ocupações e vagas para trabalhar estão aumentando, assim como a renda e o salário. É verdade que a população em situação de rua muitas vezes, por variadas razões, ou não sabe trabalhar, ou não tem qualificação ou perdeu seus referenciais familiares e sociais e encontra extrema dificuldade para se integrar na ‘vida em sociedade’ como a conhecemos. Mesmo assim, um aumento de mais de 100% no número dos que estão em situação de rua na cidade mais rica e cosmopolita do país deixa no ar inúmeras perguntas sem resposta.

Para Alderon Costa, que colabora com projetos da Associação Rede Rua e edita o jornal o Trecheiro, o primeiro passo é criar um programa de prevenção capaz de evitar que as pessoas resolvam viver nas ruas. "A ação deve envolver algumas secretaria-chave, como saúde, habitação e trabalho. O poder público precisa criar empregos condizentes com o grau de instrução da população de rua". Depois, é preciso construir e oferecer políticas de acolhimento e qualificação profissional.

Mas com certeza tudo passa, em primeiro lugar, pelo reconhecimento de que qualquer pessoa é um ser humano e um sujeito de direitos, morador em situação de rua ou não. O apelo à violência jamais é solução, muito menos o assassinato, como parece tornar-se regra em São Paulo.

O Brasil está em tempos de dar vez e voz aos historicamente humilhados e ofendidos. Infelizmente, ainda permanecem alguns bolsões onde a impunidade, o desrespeito aos direitos básicos, a intolerância, sob o olhar beneplácito das autoridades locais, seguem hegemônicos e vitoriosos. A sociedade, os homens e mulheres de bem precisam reagir, protestar e exigir o fim dos campos de extermínio de miseráveis.

 
Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.

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