Marcelo Barros
Cada vez que a Copa do Mundo se realiza em um país, a imprensa nos faz conhecer melhor aquela nação e o seu povo. Isso será ainda mais proveitoso desta vez, já que se trata de um país do continente africano. Nós, brasileiros estamos muito ligados à África por uma história comum. É pena vivermos longe tanto pela distância geográfica, como pelo fato de que os meios de comunicação nos ligam muito mais à Europa e América do Norte do que ao nosso próprio continente e à África.
Apesar disso, desde que começaram a preparações para esta Copa, as relações de amizade e comércio entre Brasil e África do Sul têm se intensificado. Em 2009, a corrente de comércio entre o Brasil e a África do Sul fechou o ano em US$ 1, 7 bilhão. Agora se intensifica a busca de uma moeda única para o comércio entre Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul (Cf. Brasil Econômico, 15/ 04/ 2010, p. 5). Os sul-africanos têm manifestado interesse em aumentar as compras de carne brasileira e os brasileiros comprarão mais vinho da África do Sul. Entretanto, é claro que não basta uma relação comercial entre nossos países, se não houver aproximação amiga e solidária entre os povos.
Dentro de duas semanas, no dia 11 de junho, se dará o primeiro chute da Copa do Mundo em Johanesburgo. Até poucos dias, o país ainda parecia um imenso canteiro de obras. As televisões nos mostram novos estádios, construídos especialmente para os jogos da copa, hotéis de luxo nos quais os jogadores ficarão e o entusiasmo da torcida.
Dificilmente dirão que, naquele país, as pessoas de raça branca representam apenas 12% da população, mas ainda detêm 73% dos postos de trabalho e ocupam quase todos os cargos mais altos nas empresas. Ao povo de raça negra que soma 74% da população ativa, cabe ocupar somente 14% dos postos. Desde que Mandela ocupou a presidência, o governo é presidido por homens negros, mas ainda muitas vezes, a serviço dos brancos. O regime de segregação (apartheid), oficialmente, acabou. No entanto, não adiantou a lei proibir a discriminação social e política, se continua um forte apartheid econômico e cultural. 42% da população vive embaixo da linha da pobreza. O desemprego atinge 23% da população negra em idade de trabalhar. Quanto aos que conseguem emprego, o movimento sindical fala em péssimas condições de trabalho e grande exploração da mão de obra. O governo tem reprimido muitas manifestações de trabalhadores.
Na África do Sul, em uma população de 49 milhões de pessoas, seis milhões são estrangeiros, migrantes irregulares, vindos de outros países. A corrupção no país e no governo é generalizada. O próprio presidente Zuma é acusado e responde a vários processos por corrupção econômica. Ainda são raros os casais mistos e os brancos se reúnem em cidades só de brancos para “preservar sua cultura e seus valores raciais”.
Como nas nossas cidades, multiplicam-se no país os tais “security village”, condomínios fechados e com muita segurança. Um dos motivos é o aumento da violência urbana. Quem for para os jogos da copa serão avisados de não sair à noite pelas ruas e não andar a pé em certas praças. Entre as violências mais comuns, a mais comum e quase geral é o estupro. As denúncias falam em que chega a haver um estupro a cada minuto. Isso só se refere a casos denunciados e oficializados. Existem até estupros chamados “corretivos”, aplicados com aceitação do povão, quando as vítimas são homossexuais ou lésbicas que se deixam apanhar.
Neste panorama, chama a atenção o fato de que o país é um dos cantos do mundo nos quais o pluralismo cultural e religioso é mais aceito. Ali convivem Igrejas cristãs, grupos muçulmanos, crenças hindus, budistas, além de muitos cultos ancestrais africanos. Nas escolas, o ensino religioso ecumênico não é para levar os alunos a praticar alguma religião, mas para conhecer culturalmente a história e os valores de cada religião e, assim, aproveitar esta tradição para viver em um país leigo e não religioso.
A Copa do mundo será como uma liturgia coletiva e ecumênica. Poderá ser antecipação de um mundo mais irmanado e no qual as relações entre os povos e entre as pessoas sejam mais justas e igualitárias. Para isso, além da competição esportiva, precisamos desenvolver uma cultura de interesse e cuidado uns pelos outros. A ONU consagra o 25 de maio como “dia de memória da libertação da África e de solidariedade aos povos africanos. Que as comunidades de cada fé e todas as pessoas de boa vontade vivam não para si mesmas, mas para servir à paz, a justiça e a uma comunhão mais amorosa e respeitosa com o universo.
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