Texto escrito em 2005.
No dia do depoimento do ex-ministro da casa civil José Dirceu à Comissão de Ética da Câmara fui dormir certo de que o discurso da esquerda petista ainda fazia algum sentido para mim. Afinal, aquele ser calmo, equilibrado e generoso, disposto a colocar sua honra acima de tudo, não poderia ser o malicioso Rasputin do governo Lula. Ele que havia começado seu depoimento dizendo que não usaria do estratagema eleitoral de renunciar ao seu mandato de deputado federal para salvar sua elegibilidade futura, pois, se o assim fizesse, não conseguiria mais olhar fundo nos olhos da militância petista e dos membros das famílias de seus companheiros e companheiras que caíram combatendo a ditadura militar. Há coisa mais bela e digna do que o auto-sacríficio?
Diante de nós, nas telas de televisão, estava um homem corajoso, disposto a enfrentar as feras e lutar até o fim. Aos meus olhos, Dirceu parecia naquele momento a própria encarnação do herói revolucionário, disposto a morrer por uma causa nobre nas trincheiras da luta social. O seu discurso de defesa foi pontuado por referências heróicas, por exemplo, de que enfrentaria a luta política sozinho, e referências autobiográficas. Lembrou o seu passado de exilado em Cuba, de clandestino em Cruzeiro do Oeste, tudo para, aparentemente, mostrar que durante todo o período em que lutou com seus companheiros contra a ditadura militar, em momento algum teria infringido a ordem pública comum (sic). Como clandestino na cidade de Cruzeiro do Oeste nunca foi acusado de nenhum crime, não fez nenhum inimigo na pacata cidade do interior do Paraná. Como dirigente partidário, jamais aceitou cargo público sem concurso, ao contrário, prestou concurso de datilografia para ser funcionário público de São Paulo. Dá para não se comover diante desse discurso? Todo esse preâmbulo autobiográfico imolante servia para sustentar a tese de que ele, enquanto foi ministro do governo Lula, nada sabia do que se passava no seu partido. Não havia sido informado nem pelo tesoureiro de seu partido, nem pelo presidente de seu partido, seja da armação dos empréstimos do Banco Rural e BMG ao PT, seja da armação do financiamento da campanha dos partidos da base aliada (PP, PL, PTB, PMDB).
Uma vez afirmada sua inocência, restava fundamentar a tese de que os dirigentes do partido tomavam decisões sem lhe consultar. Como fazer isso? Mostrando quanto era diminuta sua importância dentro do partido e no governo. Como ministro do Estado, estava afastado das decisões partidárias e, como ministro da casa civil, limitava-se a cumprir as funções de sua pasta, sem nunca ferir hierarquias ou extrapolar suas obrigações.
No dia seguinte...
Acordei no dia seguinte sem mais pensar na crise política. Seguia minhas tarefas cotidianas quando, de repente, sem que menos esperasse por isso um pensamento apoderou-se de mim e a ficha caiu.
Espera lá... Na verdade me comovi com o depoimento do José Dirceu porque ele manipulou meus sentimentos com sua retórica conciliadora e apaziguadora dos ânimos. Uma vez tendo reconhecido isso, fui analisar mais uma vez sua fala e cheguei à conclusão de que ele, na verdade, fez uso do mais sórdido artifício jurídico de defesa. Como o advogado de um assassino tenta convencer seu júri de que o criminoso não é o autor do crime? Mostrando que o acusado era um cidadão pacato, querido pelas velhinhas da vizinhança porque sempre lhes ajudava a carregar as sacolas de compra, que, além disso, estava sempre em dia com suas contas, não contraia dívidas, não bebia, não fumava (apesar de ser pessoalmente um fumante) etc. Como, pergunta o advogado de defesa aos membros do júri, um ser tão inocente e puro poderia ser o autor de um crime tão bárbaro? Essa foi a estratégia de defesa do ex-ministro José Dirceu para convencer a militância petista e os telespectadores de que era inocente e não sabia de nada do que foi tramado pelos dirigentes de seu partido – tese dificílima de se acreditar dado seu perfil psicológico; sujeito centralizador e arrogante, segundo os que conviveram com ele enquanto estava no poder –, fez uso sórdido da sua biografia limpa e honesta como servidor da causa da esquerda brasileira. Para convencer os militantes de que a luta não havia sido em vão, que os erros eram do partido e não do governo, foi subliminarmente construindo a tese de que a esquerda é fundamentalmente boa, e o resto, inclusive Jefferson e Cia., não prestam, mas que a governabilidade na República dependia, infelizmente, da aliança com aqueles sujeitos sórdidos, como Jefferson, que nunca lutaram contra a ditadura.
Para mim, ficou claro a partir desse dia que o PT é um partido fundamentalista e moralista, cujos dirigentes acreditam serem os únicos a defender a causa social, os únicos a terem lutado contra a ditadura, a terem seus membros mortos na luta armada etc., e que, por isso, para eles a velha máxima de que os fins justificam os meios é a única verdade a ser obedecida.
A estrela do PT está sumindo do céu do meu horizonte político. O que colocarei no seu lugar? Ainda não sei. Talvez o SOL comece a despontar no horizonte...
Diante de nós, nas telas de televisão, estava um homem corajoso, disposto a enfrentar as feras e lutar até o fim. Aos meus olhos, Dirceu parecia naquele momento a própria encarnação do herói revolucionário, disposto a morrer por uma causa nobre nas trincheiras da luta social. O seu discurso de defesa foi pontuado por referências heróicas, por exemplo, de que enfrentaria a luta política sozinho, e referências autobiográficas. Lembrou o seu passado de exilado em Cuba, de clandestino em Cruzeiro do Oeste, tudo para, aparentemente, mostrar que durante todo o período em que lutou com seus companheiros contra a ditadura militar, em momento algum teria infringido a ordem pública comum (sic). Como clandestino na cidade de Cruzeiro do Oeste nunca foi acusado de nenhum crime, não fez nenhum inimigo na pacata cidade do interior do Paraná. Como dirigente partidário, jamais aceitou cargo público sem concurso, ao contrário, prestou concurso de datilografia para ser funcionário público de São Paulo. Dá para não se comover diante desse discurso? Todo esse preâmbulo autobiográfico imolante servia para sustentar a tese de que ele, enquanto foi ministro do governo Lula, nada sabia do que se passava no seu partido. Não havia sido informado nem pelo tesoureiro de seu partido, nem pelo presidente de seu partido, seja da armação dos empréstimos do Banco Rural e BMG ao PT, seja da armação do financiamento da campanha dos partidos da base aliada (PP, PL, PTB, PMDB).
Uma vez afirmada sua inocência, restava fundamentar a tese de que os dirigentes do partido tomavam decisões sem lhe consultar. Como fazer isso? Mostrando quanto era diminuta sua importância dentro do partido e no governo. Como ministro do Estado, estava afastado das decisões partidárias e, como ministro da casa civil, limitava-se a cumprir as funções de sua pasta, sem nunca ferir hierarquias ou extrapolar suas obrigações.
No dia seguinte...
Acordei no dia seguinte sem mais pensar na crise política. Seguia minhas tarefas cotidianas quando, de repente, sem que menos esperasse por isso um pensamento apoderou-se de mim e a ficha caiu.
Espera lá... Na verdade me comovi com o depoimento do José Dirceu porque ele manipulou meus sentimentos com sua retórica conciliadora e apaziguadora dos ânimos. Uma vez tendo reconhecido isso, fui analisar mais uma vez sua fala e cheguei à conclusão de que ele, na verdade, fez uso do mais sórdido artifício jurídico de defesa. Como o advogado de um assassino tenta convencer seu júri de que o criminoso não é o autor do crime? Mostrando que o acusado era um cidadão pacato, querido pelas velhinhas da vizinhança porque sempre lhes ajudava a carregar as sacolas de compra, que, além disso, estava sempre em dia com suas contas, não contraia dívidas, não bebia, não fumava (apesar de ser pessoalmente um fumante) etc. Como, pergunta o advogado de defesa aos membros do júri, um ser tão inocente e puro poderia ser o autor de um crime tão bárbaro? Essa foi a estratégia de defesa do ex-ministro José Dirceu para convencer a militância petista e os telespectadores de que era inocente e não sabia de nada do que foi tramado pelos dirigentes de seu partido – tese dificílima de se acreditar dado seu perfil psicológico; sujeito centralizador e arrogante, segundo os que conviveram com ele enquanto estava no poder –, fez uso sórdido da sua biografia limpa e honesta como servidor da causa da esquerda brasileira. Para convencer os militantes de que a luta não havia sido em vão, que os erros eram do partido e não do governo, foi subliminarmente construindo a tese de que a esquerda é fundamentalmente boa, e o resto, inclusive Jefferson e Cia., não prestam, mas que a governabilidade na República dependia, infelizmente, da aliança com aqueles sujeitos sórdidos, como Jefferson, que nunca lutaram contra a ditadura.
Para mim, ficou claro a partir desse dia que o PT é um partido fundamentalista e moralista, cujos dirigentes acreditam serem os únicos a defender a causa social, os únicos a terem lutado contra a ditadura, a terem seus membros mortos na luta armada etc., e que, por isso, para eles a velha máxima de que os fins justificam os meios é a única verdade a ser obedecida.
A estrela do PT está sumindo do céu do meu horizonte político. O que colocarei no seu lugar? Ainda não sei. Talvez o SOL comece a despontar no horizonte...
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