sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Na solução do caso Raposa Serra do Sol se estabelecem restrições aos direitos de todos os povos indígenas



O Supremo Tribunal Federal adiou, pela segunda vez, a decisão acerca da legitimidade do decreto presidencial que homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Com oito votos favoráveis esta decisão era óbvia, inevitável e justa, mas a sessão foi suspensa e prorrogando-se sua data para o próximo ano e portanto, protelando o veredicto de uma ação que já passou por minuciosas argüições, vistas e discussões. Isso nos leva a pensar que, neste momento, o poder judiciário é palco de lutas no qual se encenam diferentes intenções, algumas amparadas no direito constitucional indígena, outras em interesses econômicos e políticos sobre as terras que deveriam ser resguardadas para usufruto exclusivo dos povos indígenas.

O ministro Menezes Direito, em seu voto-vista, pronunciou-se favorável a manutenção do decreto homologatório, mas, ao mesmo tempo, inseriu no corpo de sua argumentação 18 condições a partir das quais as demarcações das próximas áreas indígenas deverão estar pautadas. Algumas delas já estão contempladas no texto constitucional e outras visam enfatizar a restrição ao usufruto das terras e de seus bens pelos povos indígenas, bem como, estabelecer plena liberdade a União para que esta, de acordo com seus interesses, explore terras e recursos dela advindos, sem prévia consulta às comunidades.

Na argumentação apresentada, o ministro Menezes Direito pretende estabelecer uma definitiva divisão entre propriedade das terras indígenas, que é da União, e a posse, esta dos povos indígenas. No entanto, o magistrado submete os indígenas, através de suas condicionantes, a uma condição passiva, a mercê da vontade e dos interesses da União e de suas instituições, tais como das Forças Armadas, Polícia Federal, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade entre outras, que poderão administrar, intervir, construir, ocupar, usufruir de partes das áreas indígenas.

Outro aspecto destacado no voto-vista do ministro é a possibilidade de realização de grandes empreendimentos nas terras indígenas sem que os povos sejam consultados ou que venham a obter benefícios pelos impactos que estes empreendimentos causarão ao meio ambiente e à vida social e cultural de tais comunidades. E, se porventura os povos indígenas necessitem explorar algum recurso das terras, como é o caso do garimpo, devem obter autorização do Congresso Nacional. O ministro estabelece condições para o usufruto das terras por parte dos indígenas e, ao mesmo tempo, libera a União de qualquer obrigação com relação aos danos que esta venha a causar em função de empreendimentos, tais como malhas viárias, de geração de energia, de exploração mineral e para a instalação de unidades, pelotões e guarnições militares entre outros.

Se, por um lado as 18 condições para demarcar as terras podem ser vistas por seu caráter pedagógico, com o objetivo de desfazer equívocos nas argumentações da Ação Popular, conforme afirmaram alguns dos ministros, por outro lado, a maioria das condições restringem perigosamente os direitos dos povos indígenas.

Entre estas condições, nos parece extremamente problemática a seguinte: "o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade". Na administração destas unidades "a participação das comunidades indígenas terá caráter apenas opinativo". Se a Constituição Federal estabelece a nulidade de qualquer título que incide sobre terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, não parece fazer sentido manter a incidência de Unidades de Conservação sobre estas mesmas terras, o que, nestes termos, seria ilegal. Além disso, diferentes estudos têm demonstrado que as áreas que apresentam maior conservação ambiental são precisamente as indígenas, o que tornaria desnecessária a interferência de instituições que muito precariamente conseguem manter sob vigilância as demais áreas do país reservadas para a proteção ambiental.

Causa extrema preocupação o disposto na 17° condição estabelecida pelo ministro Menezes Direito, na qual se afirma que "é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada". Tal condição impediria a revisão de limites de áreas demarcadas com reduções significativas e que hoje funcionam mais como áreas de confinamento da população indígena do que como espaços que lhes assegure o direito à vida. Vale ressaltar que os estudos realizados durante os procedimentos demarcatórios de tais áreas apontavam, em maioria, para a tradicionalidade da posse de terras bem maiores, mas que foram reduzidas e demarcadas parcialmente em função de dificuldades contextuais e das sistemáticas pressões de segmentos importantes do latifúndio, empresários, políticos entre outros. Como, então, se poderiam penalizar os índios pelos equívocos cometidos pelo Estado na definição de suas terras?

Em entrevista coletiva à imprensa, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, afirmou que as 18 condições apresentadas no voto-vista foram subscritas por todos os ministros, mas é importante ressaltar que em seu pronunciamento a ministra Carmem Lúcia colocou ressalvas aos dois aspectos acima referidos, e o ministro Joaquim Barbosa seguiu o voto do relator Ayres Brito, discordando da restrição quanto à possibilidade de a União proceder à revisão de terras já demarcadas. Gilmar Mendes também afirmou, em suas entrevistas, que outras sugestões poderão ser acrescidas àquelas já apresentadas e antecipou que uma diz respeito a criação de comissões para realizarem os procedimentos de demarcações e que nestas comissões estariam representantes os governos estaduais, o que se configurará em mais um obstáculo para as demarcações de terras futuras.

Quanto à legitimidade do procedimento de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a ministra Ellen Gracie afirmou que não foram encontrados elementos que demonstrassem eiva e que, portanto, não haveria qualquer motivo para se colocar em dúvida a legitimidade desse procedimento. Se não há impedimentos jurídicos que sustentem a Ação Popular que motivou esta discussão no STF e se nada pode ser questionado quanto ao procedimento administrativo de demarcação, por que adiar a decisão mais uma vez, permitindo que os arrozeiros invasores continuem a invadir e explorar a terra indígena? O pedido de vistas do ministro Marco Aurélio impediu também que se confirmasse a tendência de caçar a liminar que suspendeu as ações de retirada dos invasores da terra indígena. Adiando-se para o próximo ano esta decisão, concede-se aos invasores um prolongamento da permanência e aposta-se em possíveis mudanças na avaliação dos membros do STF.

Embora para muitos a temática indígena pareça dizer respeito a uma pequena parcela da população brasileira, o que está em questão, neste processo, interessa a cada um de nós: está em pauta a confiabilidade de nossas instituições legislativas, executivas e judiciárias. Se os direitos indígenas podem ser relativisados em função de interesses econômicos, políticos, administrativos, isso também poderá ocorrer com os direitos que tanto prezamos, e que regulam diversos âmbitos de nossa vida cotidiana. Também não parece sensato utilizar o julgamento desta ação como pretexto para estabelecer restrições aos direitos indígenas, em especial o direito de pleitear a ampliação de áreas já demarcadas e, desse modo, inviabilizar a garantia dos direitos territoriais de outros povos, confinados em pequenas áreas e que já foram de muitas maneiras desrespeitados.

Porto Alegre (RS), 14 de dezembro de 2008.

Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Uma vitória significativa. Entrevista especial com Paulo Maldos

Na última quarta-feira, dia 10-12-2008, o
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, com oito votos favoráveis, que a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, deve ser contínua e que os arrozeiros que ocupam a região terão de deixá-la. Para Paulo Maldos, assessor político do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a sessão de votação do Supremo Tribunal Federal foi uma vitória bastante significativa para os povos indígenas de Raposa Serra do Sol. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, ele destaca que é importante deixar claro que os índios não possuem propriedade da terra. “Eles têm usufruto exclusivo. Os oito votos a favor dos índios deram a eles uma vitória arrasadora, no sentido de manter e não abrir brecha nenhuma para a questão da revisão de terras que já chegaram ao ponto máximo de registro como terra da União”. Na avaliação de Maldos, o pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello “foi uma atitude que impediu que a vitória se consumasse”. Com relação aos arrozeiros, continua Maldos, “a sessão de ontem significa o fim da impunidade aos crimes de invasão ao território indígena. É o reconhecimento de que são invasores, de que devem se retirar de lá. O resultado (da votação) os coloca no seu devido lugar: na condição de marginais, que devem procurar se reeducar para viver em sociedade”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor avalia a sessão ocorrida ontem (quarta-feira), sobre a demarcação de Raposa Serra do Sol?
Paulo Maldos – A avaliação é muito positiva. Foi uma vitória bastante significativa para os povos indígenas de Raposa Serra do Sol. Pretendia-se, do ponto de vista dos interesses do agronegócio e dos invasores, promover uma homologação e uma demarcação já feitas, num processo já paradigmático da questão indígena no país. Afinal, são mais de 34 anos de luta daqueles povos, que conseguiram que a terra fosse declarada indígena, identificada, demarcada, homologada, registrada no cartório, como patrimônio da União. É importante deixar claro que os índios não possuem propriedade da terra. Eles têm usufruto exclusivo. Os oito votos a favor dos índios deram a eles uma vitória arrasadora, no sentido de manter e não abrir brecha nenhuma para a questão da revisão de terras que já chegaram ao ponto máximo de registro como terra da União. É bom os outros setores perceberem que, com esse mesmo processo, os fazendeiros podem atacar as áreas de preservação ambiental, porque é a dinâmica do mercado que quer tudo. Eles não se importam com o aquecimento global. Querem o lucro de amanhã e de hoje à noite.
IHU On-Line - Em sua opinião, por que o ministro
Marco Aurélio Mello pediu vista do processo?
Paulo Maldos – Essa foi uma atitude que impediu que a vitória se consumasse. Na verdade, o ministro tentou impedir que o processo avançasse ontem. Ele foi o nono a dar o voto, mas já pediu vista logo depois do segundo voto, que foi do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Não tinha razão em pedi-lo naquele momento. Ele queria “melar” o processo, porque estava, ali, fazendo o papel do agronegócio. Queria preservar os interesses dos invasores, como porta-voz dos setores mais retrógrados. Só que os ministros já estavam com o voto preparado desde a seção anterior, em agosto, e não queriam abrir do seu posicionamento só porque o nono da fila pediu vista. Mas a intenção de Marco Aurélio era impedir e, quando chegou na sua vez, pediu vista. Então, além dos oito que votaram a favor da demarcação, sobraram três: ele próprio e os ministros
Celso de Mello e Gilmar Mendes. Em função disso, o relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, pediu que se retomasse a operação de retirada dos arrozeiros, e que fosse caçada a liminar que suspendia essa operação, afinal, já estava formada a maioria ali, com oito votos. Foi quando o ministro Marco Aurélio Mello novamente pediu vista, também para essa decisão em torno da liminar, que ele também queria estudar esse aspecto. Ele bloqueou a possibilidade de retirada dos arrozeiros. Os sete demais disseram: “Mas nós estamos votando e somos maioria aqui e temos direito de caçar essa liminar”. Pois o Marco Aurélio falou que não aceitava, e o ministro Gilmar Mendes que, pelo visto, também faz parte do jogo, disse que era preciso considerar o pedido de vista do colega. Na verdade, é um jogo para manter os fazendeiros lá dentro até o máximo limite possível.
IHU On-Line - Como o senhor acha que os arrozeiros agirão em decorrência deste resultado?
Paulo Maldos – Eles irão provocar os índios e tentar criar fatos para comprometê-los. Ontem (quarta-feira) à noite, soltaram três bombas incendiárias na Vila Surumu, que é exatamente onde fica a fazenda-depósito do
Paulo César Quartiero. São as mesmas bombas que a Polícia Federal apreendeu em maio deste ano na fazendo do Quartiero. Além de provocar, vão querer dizer que os índios são agressivos. Assim, vão querer armar situações, como a que o Paulo César recentemente tentou. Ele entrou pessoalmente numa escola indígena nessa mesma vila, como prefeito de Pacaraima, e quebrou cadeiras, mesas e a placa de identificação da Funai. As pessoas acharam que ele tinha enlouquecido e respeitaram seu acesso de “loucura”. Depois, percebeu-se que havia duas equipes de vídeo filmando a distância. Ele queria ver se algum índio tentasse segurá-lo ou tivesse alguma outra reação. Daí, ele colocaria as imagens no Jornal Nacional, na Bandeirantes, na Record e divulgaria no mundo inteiro que os índios agrediram o prefeito. E é esse tipo de coisa que eles vão armar daqui para a frente. E não acontece nada com eles.
IHU On-Line - O que o senhor achou da declaração de Quartiero, que afirma que o governo usa a questão indígena como desculpa ou pretexto para sua política entreguista de terras?
Paulo Maldos – Ele usa da retórica! Que crédito podemos dar a um homem que disse ter colocado minas nas estradas que dão acesso a uma vila onde moram crianças, idosos, indígenas, não-indígenas, a vila em que ele mesmo é prefeito? Ele afirmou, para a revista Playboy, que a estrada tal estava totalmente minada e orientou os jornalistas por onde passar. Minas! Ou seja, a pessoa passa, pisa em cima e explode, morre. Que crédito podemos dar ao que esse criminoso fala? Um dos colegas invasores dele chama-se Lawrence Manly Harte, norte-americano, com cidadania norte-americana. O nome dele está inclusive no processo, como uma das partes que questiona a posse indígena da terra. A família dele possui terras do outro lado da fronteira. Isso sim é ameaça à soberania nacional. E os índios? Dionito Silva, Jaci de Souza, todos com nomes brasileiros, batizados, cuja família, na história brasileira, defendeu esse território dos ingleses. Esses são ameaça? E Lawrence Manly Harte é o quê? Trata-se de puro racismo. Esses arrozeiros e seus cúmplices, inclusive militares, têm como corte ideológico o racismo e o fascismo.
IHU On-Line - O que esse resultado, com a votação esmagadora em favor da demarcação das terras, representa para os povos indígenas e para os arrozeiros?
Paulo Maldos – Para os indígenas, representa reconhecimento, mais uma vez, pelo Supremo Tribunal Federal, dos seus direitos inscritos na Constituição. Apesar dessa nota discrepante de um dos seus membros, a ampla maioria do Supremo está se mostrando fiel guardiã dos direitos indígenas e dos direitos dos cidadãos brasileiros expressos na Constituição. Com relação aos arrozeiros, a sessão de ontem significa o fim da impunidade aos crimes de invasão ao território indígena. É o reconhecimento de que são invasores, de que devem se retirar de lá e procurar uma convivência civilizada, não só com os índios, mas com o restante da sociedade brasileira, porque eles não demonstram isso. São absolutamente selvagens, a reedição completa do bandeirantismo: não respeitam nem leis, nem instituições, nem estruturas do Estado, ou seja, não respeitam nada. Só estão vinculados a sua própria ganância. O resultado de ontem (quarta-feira) os coloca no seu devido lugar: na condição de marginais, que devem procurar se reeducar para viver em sociedade.
IHU On-Line - Qual foi o seu sentimento durante a sessão?
Paulo Maldos – Havia uma expectativa enorme com relação ao voto do ministro Carlos Menezes Direito, porque, pelo acúmulo de tempo, todos queriam saber o que ele iria dizer. Quando ele terminou seu voto, foi um alívio imenso, porque foi o segundo favorável, bem fundamentado, rebatendo todas as críticas de que índio ameaça a soberania. Quando vieram os outros, o alívio foi aumentando cada vez mais e se transformando em segurança. Quando chegou no sexto voto, foi muito gratificante ver que os índios tinham vencido.
IHU On-Line - Como o senhor percebe as 18 condições impostas pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito?
Paulo Maldos – Sinto-me um pouco preocupado em relação a essas recomendações. Porém, são recomendações colocadas ao plenário para serem discutidas. Há problemas e ressalvas e foi de uma pessoa entre 11 ministros. Inclusive com o voto do Marco Aurélio, dá tempo de mais dois ou três meses para se discutir bem essas recomendações, para que elas realmente ajudem a aprimorar a política indigenista brasileira. Algumas delas causaram um mal-estar, mas nada sério, porque tudo será debatido.
IHU On-Line - Como os índios estão nesse momento? Qual a expectativa deles após a sessão de ontem, no STF? Qual a situação de Raposa Serra do Sol neste momento?
Paulo Maldos – Os índios que estavam aqui estão muito felizes e confiantes. Eles dizem: “Se a gente estava contente com um voto, imagina com oito!”. Deu maior segurança e confiança nas instituições e no próprio Supremo Tribunal Federal. Com relação à situação lá em Raposa Serra do Sol, ficamos muito preocupados com essa franja onde estão os arrozeiros. Aliás, nenhum deles mora lá, mas em Boa Vista. Vão para lá de helicóptero ou com seus carrões. Essa área é perigosa, porque lá existem fazendas com pistoleiros que recebem as orientações dos arrozeiros por celular. Ficamos preocupados porque sabemos quem são esses pistoleiros marginais. Ao longo deste ano, já incendiaram casas de lideranças, perseguiram e tentaram matar a direção do CIR (Conselho Indígena de Roraima) na estrada. O mesmo carro onde eu estava sofreu um atentado, pois eles tentaram jogar o carro para fora da estrada. Eles andam em matilha, de moto, encapuzados. O que mais serão capazes de fazer? Paulo César Quartiero afirmou, há pouco tempo, que ele tem oito mil estacas para aumentar a sua invasão e que nem se importa com o que o Supremo irá decidir. Ele falou que não admite ser roubado pelo STF. Mas o homem não possui um documento sequer. O único “documento” que ele tem é colocar as tais estacas, com arame farpado, e contratar mais pistoleiros. Ele não é perigoso apenas para os índios, mas para toda a sociedade brasileira. É um elemento pernicioso, criminoso, que já colocou a vida de muita gente em risco.
IHU On-Line - Como o senhor acha que ficará a entrada de pesquisadores e não-índios nas terras? A entrada deve ser permitida ou não?
Paulo Maldos – Não há problema em relação à entrada de pesquisadores da fauna e da flora. Mas eles devem ser reconhecidos pelas suas universidades, ser credenciados na Funai e explicar suas pesquisas, com isso prestando contas do seu trabalho, pois é em benefício da sociedade. O que não pode acontecer é o que vemos no Brasil, por exemplo, em relação à empresa Natura, que vai num quilombo e promove uma gincana entre os quilombolas para arrecadar receitas de cremes para a pele e para o cabelo em troca de R$ 500,00 para quem trouxer o maio número de receitas. Entregam uma fortuna de conhecimento tradicional para a Natura e ela vai embora pagando R$ 500,00 por uma infinidade de conhecimento da botânica e da medicina para comercializar. Isso não pode.
IHU On-Line - Qual é a sua expectativa em relação ao futuro de Raposa Serra do Sol?
Paulo Maldos – Conheço bem a realidade local e posso dizer que, quando os cinco povos indígenas forem plenamente livres para viver em paz no seu território, teremos um futuro exemplar para todo o povo brasileiro. Nessas condições adversas, com violência permanente e insegurança com relação a seu território, eles têm uma rede maravilhosa de escolas, uma rede extremamente competente de atendimento à saúde pública nas comunidades, além de possuírem o maior número de cabeças de gado do Estado (35 mil) e uma criação de cavalos selvagens, herança dos portugueses. Os povos indígenas vivem da agricultura familiar, com uma extrema diversidade de cultivos e produtos. Agora, em paz, acho que vão crescer muito no sentido econômico, cultural, e terão mais liberdade para sua produção. Sem falar que eles são os primeiros a defender a questão ambiental e poderão recuperar os rios poluídos pelos arrozeiros.

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