terça-feira, 10 de novembro de 2009

Ética e Política. Discussões sobre um golpe


José M. Tojeira, SJ+

Com a chegada do presidente Zelaya a Honduras após fazer escala em El Salvador, levantou-se uma polêmica que mostra que as profundas raízes autoritárias e exageradamente nacionalistas continuam firmes, especialmente nas mentes das pessoas apegadas ao poder econômico. Diz-se, entre outras coisas, que Zelaya foi destituído legalmente, que apoiar sua passagem por El Salvador é ilegal, que o Brasil está criando problemas internacionais ao aceitá-lo em sua Embaixada e que a comunidade internacional está ofuscada e equivocada por não aceitar a Micheletti como governante legítimo.

Afirmar que Zelaya foi destituído legalmente é absurdo. Trata-se de um presidente tomado de assalto ilegalmente em sua casa, sem ordem de detenção, levado à força ao aeroporto e posto para fora do país contra o que a Constituição hondurenha ordena. Informa-se publicamente que Zelaya apresentou carta de renúncia e somente quando este negou essa versão é que foi acusado de violar a Constituição e de ter sido deposto como presidente. Não houve processo jurídico contra sua pessoa, não houve possibilidade de defesa. Tudo aconteceu após sua expulsão ilegal do país. A ilegalidade e a improcedência de sua expulsão viciam qualquer processo posterior e isso é o que move à comunidade internacional a não reconhecer a Micheletti.

A passagem de Zelaya por El Salvador é totalmente legal. É um cidadão centroamericano e pode entrar simplesmente usando sua carteira de identidade. El Salvador, além disso, continua reconhecendo-o como presidente constitucional de Honduras, da mesma forma que toda a América Latina o considera. Inclusive, favorecer seu retorno a Honduras não é mais do que favorecer uma posição de direito internacional que não somente é salvadorenha, mas da grande maioria da comunidade internacional. A esquerda nem sequer deveria recordar à direita o apoio de um setor desta última ao delinqüente Posada Carriles. Não se pode comparar um com o outro. Zelaya não é um delinquente, com ordem de captura internacional admitida por outros Estados, mas um presidente constitucional reconhecido pela comunidade internacional.

O Brasil não cria problemas a Honduras tendo Zelaya em sua embaixada. Simplesmente cumpre com o direito internacional de asilo. Ameaçar o Brasil com medidas de força, como tem feito Micheletti nesses últimos dias, exigindo em um prazo de dez dias a entrega de Zelaya, não é mais do que a continuação de ações ilegais e que desconhecem a legislação tanto hondurenha quanto internacional. Quando Zelaya quis regressar a Honduras através da fronteira com a Nicarágua, foi impedido militarmente. Romper relações diplomáticas com o Brasil é uma barbaridade a mais do regime de Micheletti.

Dizer que a comunidade internacional está equivocada simplesmente é motivo de riso. Pode-se dizer em El Salvador porque o debate interno em nosso país é de baixa qualidade intelectual; porém, fora de nossas fronteiras, seria simplesmente expor-se ao ridículo. O fechamento de emissoras e a suspensão de garantias constitucionais expressa bastante sobre quem é Micheletti mais do que as turbias defesas feitas em El Salvador.

Mais do que debater esses pontos, o que devemos fazer em El Salvador é pressionar com nossa opinião e através de nossas ações diplomáticas em favor de que haja diálogo, especialmente em torno á proposta do presidente Arias, de Costa Rica, para chegar a uma solução que evite a crispação crescente que já está começando a acontecer em Honduras. Nosso país tem razões de sobra para saber que a via da violência não soluciona os problemas nacionais. E, certamente, Zelaya foi expulso de forma violenta de seu país. Nem Zelaya deve chamar à violência, nem Micheletti deve obstinar-se a manter a violência golpista, com a qual iniciou este descalabro. Os mais pobres de Honduras são os que, no final das contas, ficam com a pior parte e carregam com a maior dor, caso as elites sejam incapazes de chegar a uma solução de diálogo. Impulsionar e exigir diálogo entre as partes é o único caminho ético.
Tradução: ADITAL
Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia.aspboletim=1&lang=PT&cod=41651

+ Reitor da Universidade Centroamericana (UCA).

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