segunda-feira, 26 de abril de 2010

O discurso do mercado e o mercado dos discursos

Imagine que você é um(a) jovem de dezoito anos, da periferia, que acabou o Ensino Médio em uma escola pública. Faça uma pergunta para ele: e aí, o que você quer fazer da vida?

Podemos pensar em duas respostas: a primeira é aquela que a gente ouve todos os dias, que está em todos os canais de tv, rádio, internet, no papo dos pais e dos amigos. Em suma, ela diz que se você "quer ser alguém na vida", se você quer "crescer profissionalmente", que você precisa se "qualificar para o mercado de trabalho".

Se você concorda com essa visão e não quiser se chatear, pode parar de ler aqui... Esse é um discurso já muito difundido, que alimenta e gera renda para uma infinidade de profissionais de RH, de escritores, consultores, analistas, artistas, empresários, isto é, um mundaréu de oportunistas do mundo corporativo, que nunca são capazes de enxergar o Mundo do Trabalho de um modo menos economicista e mais humano.

A segunda resposta é a que pode estar sendo construída por uma segunda via, por grupos de terceiro setor, por raros empresários com "responsabilidade social" genuína, por educadores e movimentos sociais que se cansaram de ouvir a mesma ladainha.

Essa resposta diz ao jovem mais ou menos como falam os Racionais: "Falo pro mano que não morra, e também não mate", ou seja, o jovem precisa sim se preparar, valorizar os estudos como forma de ascender economicamente, ter humildade para aprender nos primeiros empregos, etc. Mas o jovem não precisa virar mercadoria (que é, afinal, o que se vende mo mercado), e não precisa eternamente se reduzir a um mero mamulengo de seu patrão, só porque todos enfiam em sua cabeça que o importante é "trabalhar". Completemos a frase: “O importante é trabalhar e refletir sobre os passos que damos em nossa vida profissional".

O jovem deve ter a capacidade de elaborar sua própria estratégia de formação profissional. Por que um jovem que quer se dedicar, por exemplo, à Eletrônica, precisa ter mil certificados, falar não sei quantas línguas, ler tantos manuais de "como se comportar em uma entrevista"? Ele precisa, antes de tudo, de uma formação técnica adequada ao seu desejo, e principalmente ter ferramentas pra saber aonde e como pode vivenciar essa formação. Enfim, precisa de informação e de orientação para se encontrar.

Por que uma menina que quer ser nutricionista precisa se matar várias horas por dia como atendente de telemarketing e dar conta de várias "metas"? A única resposta que tenho é: porque as empresas ganham explorando a necessidade dessa fatia da população, e se aproveitam da pressão que os jovens sofrem para ajudar na renda da casa, o que muitas vezes os força a abrir mão dos estudos.

Escolarização e trabalho, aliás, que são dois ingredientes desse mesmo bolo, mas que são sempre separados nesse discurso homogeneizado. Os filhos da classe média podem e tem tempo de estudar até certa idade sem se preocupar com as contas caseiras. Mas a juventude pobre mal tem acesso à uma escola defasada e é bombardeada por um monte de exigências do tal "Mercado", dentre elas a obsessão pelo diploma, oferecido aos cântaros em uma verdadeira feira árabe de certificados. A escolaridade está diretamente ligada à chance de obter emprego, mas cada vez menos garante à juventude uma formação decente para que possa seguir um caminho profissional autônomo, com um mínimo de estabilidade para executar seu projeto de vida.

Não é a toa que problemas como evasão e desinteresse pelos estudos, antes registrados no Ensino Médio, vem se repetindo no Ensino Superior. Há faculdades aos cântaros, mas a maioria delas não tem qualidade ou não demonstram condições para que o jovem aproveite minimamente o curso.

Mas tudo bem: os agenciadores de empregos e Cia. simplesmente ignoram essa realidade, e a cada ano surge um novo requisito que inclui/exclui uma massa de pessoas da felicidade do registro em carteira e de participar do processo de “desenvolvimento do país”. Quem manda sabe que o exército de reserva está sempre à vossa disposição.

Esses e outros discursos podem ser adquiridos “mais fácil que pão”, mas temos a chance de comprar ou contestar o valor de tais produtos. A entidade Mercado não é algo abstrato, incontrolável, que está acima de nós, mas é construída por nossas crenças, pelas fichas que apostamos ou não em cada receituário que nos é empurrado nessa feira maquiavélica.

Aí, patroa, vai um discursinho aí?

Raimundo Justino da Silva - Instituto Paulista de Juventude

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