segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Ecopedagogia: educar para a sustentabilidade


Texto publicado na Agência de Notícias Adital em 2007.

A consciência ecológica levanta-nos um problema profundo e de uma vastidão extraordinária. Temos que defrontar com o problema da vida -bios- no planeta terra, o problema dessa sociedade pós-moderna -neoliberal ainda- e com o problema do destino do ser humano. Isto nos obriga a pensar a questão da própria orientação da chamada civilização ocidental. Nesta primeira década do século XXI somos chamados e chamadas a compreender que revolucionar, desenvolver, inventar, sobreviver, viver e morrer, encontra-se inseparavelmente ligado como já afirma Edgar Morin.Da minha aldeia vejo que a terra pode ver o Universo. Por isso, a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer. Segundo o poeta Fernando Pessoa nós, seres humanos, somos do tamanho daquilo que vemos e não do tamanho da nossa altura.
Neste sentido, gostaria de apresentar algumas reflexões que são resultados de debates organizados pelo Instituto Paulo Freire (IPF) sobre os novos paradigmas da educação. O objetivo é compreender melhor o papel da educação na construção de um desenvolvimento com justiça social, centrado nas necessidades humanas e que não agrida ao meio ambiente, daí a necessidade de uma "ecopedagogia" que nos ensina a viver de forma sustentável. O educador Francisco Gutiérrez, diretor do IPF da Costa Rica, foi o primeiro a criar a concepção de ecopedagogia em 1992 por ocasião da ECO-92 realizada na cidade do Rio de Janeiro.
Para se entender o que seja ecopedagogia, precisamos compreender o que vem a ser pedagogia e o vem a ser sustentabilidade. Francisco Gutiérrez e Daniel Prieto definem pedagogia como o trabalho de promoção da aprendizagem através dos recursos necessários ao processo educativo no cotidiano das pessoas. O cotidiano e a história fundem-se num todo. A cidadania ambiental local torna-se cidadania planetária.
Para ambos os autores, parece impossível construir um desenvolvimento sustentável sem uma educação para o desenvolvimento sustentável. Esse desenvolvimento sustentável requer quatro condições básicas para se efetivar no cotidiano das pessoas, a saber: 1) que seja economicamente factível; 2) que seja economicamente apropriado; 3) que seja socialmente justo; 4) e que seja culturalmente eqüitativo, respeitoso e sem discriminação de gênero.
O desenvolvimento sustentável, mais do que um conceito científico, é uma idéia-força e mobilizadora neste século XXI que se avança. As pessoas e a sociedade civil, em parceria com o Estado, precisam dar sua parcela de contribuição para criar cidades e campos saudáveis, sustentáveis, com qualidade de vida. Nesta perspectiva, conclui-se que não pode haver desenvolvimento sustentável sem uma sociedade sustentável, cujas características são:
1) Promoção da vida para desenvolver o sentido da existência. Deve-se partir de uma cosmovisão que vê a terra como único organismo vivo. Na tradição indígena maia, ao invés de agredir a terra para conquistá-la, antes do arado para o cultivo, faz-se uma cerimônia religiosa na qual pedem perdão à Mãe Terra por ter que agredi-la com o arado para dela tirar o seu sustento.
2) Equilíbrio dinâmico para desenvolver a sensibilidade social. Francisco Gutiérrez entende a necessidade do desenvolvimento em preservar os ecossistemas.
3) Congruência harmônica que desenvolve a ternura e o estranhamento, ou seja significa sentir-se como mais um ser - embora privilegiado - do planeta, convivendo com outros seres animados e inanimados.
4) Ética integral entendida como conjunto de valores - consciência ecológica - que dá sentido ao equilíbrio dinâmico e à congruência harmônica e capacidade de auto-realização.
5) Racionalidade intuitiva que desenvolva a capacidade de atuar como um ser humano integral. A racionalidade técnica que fundamenta o desenvolvimento desequilibrado e irracional da economia clássica precisa ser substituída por uma racionalidade emancipadora, intuitiva, que conhece os limites da lógica e não ignora a afetividade, a vida, a subjetividade. O paradigma da racionalidade técnica, concebendo o mundo como um universo ordenado e perfeito, admitindo que é preciso apenas conhece-lo e não transforma-lo acaba por naturalizar também as desigualdades sociais.
6) Consciência planetária que desenvolve a solidariedade planetária. Reconhecermos que somos parte da Terra e que podemos viver com ela em harmonia -participando do seu devir- ou podemos perecer com a sua destruição.
A palavra ecologia foi criada em 1866 pelo biólogo alemão Ernest Haeckel, como um ramo da biologia, para designar o estudo das relações existentes entre todos os sistemas vivos e não-vivos entre si e com seu meio ambiente. São quatro as grandes vertentes da ecologia, a saber:
ü A ecologia ambiental - que se preocupa com o meio ambiente;ü A ecologia social - que insere o ser humano e a sociedade dentro da natureza e propugna por um desenvolvimento sustentável;ü A ecologia mental - que estuda o tipo de mentalidade que vigora hoje e que remonta a vida psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e arquetípica;ü A ecologia integral - que parte de uma nova visão da terra surgida desde os anos 60 do século XX quando pôde ser vista de fora.
A ecopedagogia pode ser vista tanto como um movimento pedagógico e também como uma abordagem curricular. A ecopedagogia como movimento pedagógico pode ser entendido como um movimento social e político a partir da ecologia, pois surge no interior da sociedade civil e nas organizações populares por meio de educadores/as e de ecologistas, trabalhadores/as e empresários/as que se preocupam com o meio ambiente. Nestes tempos recentes, as ONGs é que estão se movimentando na busca por uma pedagogia do desenvolvimento sustentável, pois entendem que sem uma ação pedagógica efetiva, de nada adiantará os grandes projetos de despoluição da natureza e de preservação do meio ambiente.
A ecopedagogia como abordagem curricular implica numa reorientação dos currículos escolares para que incorporem certos princípios defendidos pelo movimento pedagógico. Os conteúdos curriculares têm que ser significativos para o aluno/a e somente será significativo para ele se tais conteúdos forem significativos para a saúde do planeta. Neste sentido, a ecopedagogia também serve para influenciar a estrutura e o funcionamento dos sistemas de ensino. Ela propõe uma nova forma de governabilidade diante da ingovernabilidade do gigantismo dos atuais sistemas de ensino.
Defende-se a idéia de que a ecopedagogia é uma pedagogia de educação multicultural. Porque ela não se dirige apenas aos educadores/as, mas aos habitantes da terra. Hoje, as crianças escolarizadas é que levam para os adultos em casa a preocupação com o meio ambiente. Assim, pode-se afirmar que a ecopedagogia está ligada a um projeto de desenvolvimento sustentável onde se pretende mudar as relações humanas, sociais e ambientais que existem hoje. É uma nova pedagogia dos direitos que associa os direitos humanos aos direitos da terra.
Para se entender este movimento pedagógico é preciso relembrar momentos deste debate onde se pretende passar das questões de educação ambiental à ecopedagogia. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 03 a 14 de junho de 1992, foi um evento paralelo ao Fórum Global 92. Neste fórum foi aprovada a Declaração do Rio, também chamada de Carta da Terra. Esta Carta constitui-se numa Declaração de Princípios globais para orientar a questão do meio ambiente e do desenvolvimento. Este evento ficou conhecido como ECO - 92.
A Rio+5 foi um novo fórum de organizações governamentais e não-governamentais realizado em março de 1997. Nessa conferência se discutiu muito a educação ambiental e se percebeu a importância de uma pedagogia do desenvolvimento sustentável ou de uma ecopedagogia. A ecopedagogia precisa trilhar ainda um longo caminho, não somente de debates acadêmicos, teóricos, mas precisa ser experimentado na prática.
Nosso futuro comum depende de nossa capacidade de entender hoje a situação dramática na qual se encontra o planeta terra devido a deteriorização do meio ambiente. Isto requer a formação de uma nova consciência planetária. Como diz Gutiérrez, existem duas pedagogias opostas, que são: a pedagogia da proclamação que não dá ênfase aos interlocutores enquanto protagonistas do processo. Por outro lado, a pedagogia da demanda, porque parte dos protagonistas e busca em primeira instância a satisfação das necessidades não-satisfeitas desencadeando um processo imprevisível, gestor de iniciativas, propostas e soluções. Os valores que devem sustentar a ecopedagogia são: sacralidade, diversidade e interdependência com a vida; preocupação comum da humanidade de viver com todos os seres do planeta; respeito aos direitos humanos; desenvolvimento sustentável; justiça, eqüidade e comunidade; prevenção dos danos causados. Neste sentido, todo homem e toda mulher é um educador e educadora, pois todos são protagonistas em cuidar do planeta Terra.
Portanto, qualquer pedagogia pensada fora da globalização e do movimento ecológico tem hoje sérios problemas de contextualização. O Estado pode e deve fazer muito mais para a educação ambiental. Todavia, sem a participação da sociedade civil e de uma formação comunitária para a cidadania ambiental, a ação do Estado será limitada. A ecopedagogia não quer oferecer apenas uma nova visão da realidade social do ecossistema, mas dar um novo sentido reeducativo no olhar e na leitura dessa realidade.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Camponeses assassinados na Bolívia


MASSACRE DE CAMPONESES NA BOLÍVIA

Mais de 30 Camponeses e militantes pró-Morales são assassinados na Bolívia

A crise na Bolívia tem ocupado bastante espaço na mídia nacional, sobretudo pela possibilidade de corte do fornecimento de gás natural ao Brasil. Mas a situação é muito mais grave do que tem aparecido. Houve massacre de camponeses na Província de Pando, fronteira com Brasil e Peru, como muito bem relata a nota emitida pela Secretaria de Direitos Humanos da Diocese Anglicana de Brasília (leia abaixo). O massacre, porém, é citado pela imprensa como confronto entre governistas e oposicionistas. Mais grave ainda é que governadores de Beni, Tarija e Santa Cruz, também estados de oposição a Morales, querem imputar o massacre às tropas do Exército a serviço de Morales, como noticiou a Folha de São Paulo de sábado, 13 de setembro.
Após o assassinato de cerca de 30 camponeses na noite da última quinta-feira, 11 de setembro, por ordem de Leopoldo Fernández, governador de Pando, o governo de Evo Morales decretou estado de sítio no Estado. Entretanto, Fernández aceitou o decreto somente ontem, 14 de setembro, permitindo, a entrada do exército boliviano no Estado. De acordo com depoimentos de moradores da região e de sobreviventes do ataque, o governador de Pando contratou mercenários e narcotraficantes do Peru e do Brasil para atuar no confronto. Fernández nega a acusação, mas admite que grupos armados participaram do massacre dos camponeses.
O governo boliviano prometeu na noite deste domingo, condenar Leopoldo Fernández a 30 anos de prisão por crimes de lesa humanidade. O vice-ministro da Coordenação com os Movimentos Sociais da Bolívia, Sacha Llorenti, declarou que esse crime não ficará impune, “Quero deixar absolutamente claro que este caso não vai cair na impunidade, porque vamos mostrar que as instituições do Estado boliviano funcionam e que Leopoldo Fernández terá uma sentença de 30 anos sem direito a indulto pelos crimes que cometeu”.
Llorenti afirmou, ainda, que o crime foi premeditado e planejado já que os principais alvos dos pistoleiros eram os dirigentes dos camponeses, e quase todos os mortos receberam os tiros na cabeça e no coração.
Leopoldo Fernández é político de extrema direita, membro do Podemos, principal partido de oposição ao governo Morales, e integrou o segundo governo do general Hugo Banzer Suárez (1997-2001).

Leia abaixo:
Nota da Secretaria de Direitos Humanos da Diocese Anglicana de Brasília:
MATANÇA DE CAMPONESES EM PORVENIR, BOLÍVIA

Porvenir é um povoado situado a 30 km da cidade de Cobija, capital do Departamento de Pando na Bolívia, um dos cinco estados que se rebelaram contra o Governo Central daquela república. Ali ocorreu, no dia 11 de setembro, o que tem sido considerado o pior massacre da Bolívia em seu período democrático. Trinta camponeses mortos já foram contados, e se calcula que tenham ocorrido pelo menos mais 20 mortos, além de dezenas de feridos. Homens, mulheres e crianças, inclusive mulheres grávidas e idosos.
Segundo uma série de entrevistas ao vivo com sobreviventes, realizadas pela rede de rádio comunitárias boliviana “Red Erbol” (http://www.erbol.com.bo/index.php), na noite do dia 11, cinco veículos com camponeses se dirigiram, desarmados, a um “ampliado” governamental convocados pela federação de camponeses para a localidade de Filadelfia, por uma estrada no meio da mata. Às 8h30 do dia 12, eles foram retidos, ainda na estrada, por um destacamento da polícia estadual de Pando. Os policiais detiveram-nos ali, despistando-os por cerca de três horas; pouco depois das 11 horas, surgiram subitamente veículos contendo de 30 a 50 paramilitares armados de fuzis, revólveres, escopetas e metralhadoras, e foram logo atirando nos camponeses surpreendidos. A polícia se retirou, e os camponeses que não tombaram tentaram fugir pela mata, perseguidos pelos paramilitares. Quando estes os alcançavam, derrubavam-nos e matavam-nos a sangue frio. Alguns, mesmo feridos, conseguiram chegar a um rio próximo e jogaram-se nas águas. Mesmo assim, os assassinos os metralharam, e muitos morreram nestas circunstâncias.
Os paramilitares, ligados ao prefeito (governador) do Estado de Pando Sr. Leopoldo Fernandez e ao “Comitê Cívico” estadual mataram indiscriminadamente mulheres grávidas, idosos e crianças, segundo relatos feitos na rádio educativa captados aqui em Brasília via internet. Os veículos dos camponeses foram queimados e seus pertences roubados. Não houve nenhuma resistência por parte dos camponeses, que foram surpreendidos na operação. A polícia estadual a tudo assistiu sem tomar providências, e a matança prosseguiu até cinco horas da tarde.
Muitos corpos estão ainda no meio do mato e no rio; e as autoridades estaduais rebeladas contra o governo central não estão permitindo a entrada de socorro na área. Organismos de diferentes instituições têm tentado chegar ao local, mas as autoridades estaduais vedam o aceso à área do conflito e impedem que entrem na cidade. Muitos feridos têm se dirigido aos hospitais, e outros não tiveram coragem de procurar ajuda por medo de serem mortos, pois não existe nenhuma segurança na cidade, que vive uma situação de caos, sem policiamento, onde mesmo os feridos continuam sendo ameaçados impunemente, e a população se recolhe as suas casas temendo os saques que ocorrem com freqüência.
A Secretaria de Direitos Humanos da Diocese Anglicana de Brasília solidariza-se com as famílias dos falecidos; pede paz, justiça, solidariedade e diálogo na Bolívia; conclama a todos e todas para protestarem contra esse ato de barbárie perpetrado pelas autoridades do Departamento de Pando e seus grupos paramilitares protegidos; e exige que as autoridades brasileiras detenham o Sr. Leopoldo Fernandez e outras pessoas responsáveis por esse crime caso entrem em território nacional, para que possam ser processados e julgados por crime contra a humanidade.

Brasília, 14 de setembro de 2008
Paulo Couto Teixeira
Assessoria de Comunicação
Comissão Pastoral da Terra
Secretaria Nacional - Goiânia, Goiás.
Fone: 62 4008-6406/6412/6400

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A política dos EUA na Bolívia


Os movimentos de um embaixador especialista em conflitos separatistas

Deputados bolivianos divulgam documento denunciando as articulações promovidas pelo embaixador dos Estados Unidos na Bolívia, Philip Goldberg, contra o governo de Evo Morales. Considerado um especialista em conflitos separatistas, Goldberg foi enviado a La Paz depois de chefiar a missão dos EUA no Kosovo, onde trabalhou para consolidar a separação e a independência dessa região, depois da Guerra dos Balcãs.

Por Marco Aurélio Weissheimer
Quatro deputados do Movimento ao Socialismo, partido do presidente da Bolívia, Evo Morales, divulgaram um comunicado denunciando ações do governo dos Estados Unidos, por meio de seu embaixador em La Paz, Philip Goldberg, para derrubar o governo eleito do país. César Navarro, Gustavo Torrico, Gabriel Herbas e René Martinez relacionam um conjunto de fatos ocorridos nos departamentos da região leste do país que obedeceriam a uma estratégia fixada pela oposição em conjunto com o embaixador Goldberg.
Os fatos apontados pelos parlamentares bolivianos são os seguintes:
No dia 13 de outubro de 2006, os Estados Unidos enviam a Bolívia, como embaixador, Philip Goldberg, um especialista em fomentar conflitos separatistas. Entre 1994 e 1996, foi chefe da secretaria do Departamento de Estado para assuntos da Bósnia (durante a guerra separatista dos Bálcãs). Entre 2004 e 2006, Goldberg foi chefe da missão dos EUA em Pristina (Kosovo), onde trabalhou para consolidar a separação e a independência dessa região, marcada por uma luta que deixou milhares de mortos.
Segundo os deputados, Philip Goldberg foi enviado a Bolívia com a missão de desestabilizar o governo de Evo Morales, principalmente incentivando o separatismo das regiões orientais. Na Bolívia, depois do triunfo de Evo Morales na eleição de 18 de dezembro de 2005, os partidos tradicionais e as elites sofreram um duro golpe, Goldberg se encarregou de reorganizá-los e de construir um caminho conspirativo para desgastar o novo governo.


Plano midiático de desinformação

Goldberg organizou uma grande coordenação com empresários do leste, com donos de meios de comunicação e políticos do movimento. Podemos para colocar em marcha um grande plano de desinformação com respeito à gestão de Evo Morales, tudo isso dentro do marco de uma intensificação das lutas regionais contra o Estado boliviano. Esse plano de desinformação era constituído pelos seguintes passos: a) Mostrar que o narcotráfico estava crescendo na Bolívia; b) Os meios de comunicação precisavam mostrar que Evo estava governando mal e que a inflação, a corrupção e o desgoverno estavam crescendo; c) Os meios de comunicação também deviam imputar ao governo a responsabilidade pela violência no país. Começou a ser difundido aí o conceito de que “Evo dividia a Bolívia”.

Consolidados esses passos, Goldberg reúne-se, na primeira semana de maio, com Jorge Quiroga e acertam a aprovação, no Senado, do referendo revogatório.
Eles estavam convencidos que Evo Morales não conseguiria obter mais de 50% dos votos e, uma vez deslegitimado nas urnas, a oposição e os prefeitos da chamada “Meia Lua” pediriam a renúncia do presidente por “ilegítimo, mau governante e por dividir a Bolívia”. No entanto, os prefeitos dos departamentos (equivalentes a governadores) não foram consultados sobre este plano e acabaram se opondo a ele, por achar que não daria certo. No dia 23 de junho, reúnem-se em Tarija e elaboram um pronunciamento escrito para rechaçar o referendo revogatório. Dias antes, em 17 de junho, Philip Goldberg viajou para os EUA, alegando uma suposta crise diplomática.
O objetivo real de sua viagem, dizem os deputados, foi definir um plano, junto a agências publicitárias, para desenvolver uma guerra suja que pudesse causar a derrota de Evo no referendo. No dia 2 de julho, Goldberg regressou a La Paz e, imediatamente, reuniu-se com cada um dos prefeitos opositores para convencê-los a aceitar o referendo. No dia 5 de julho, os prefeitos opositores anunciam que aceitam disputar o referendo.
Os donos das grandes empresas de comunicação também participaram deste plano, denunciam os parlamentares. Isso explicaria, por exemplo, porque nos principais programas políticos destes meios as pesquisas sempre apontavam Evo Morales com cerca de 49% dos votos. A tentativa de derrubada do governo pelo voto estava em marcha. Além desta campanha nos programas políticos, também foi executada uma outra no terreno da publicidade. A oposição contratou uma agência de publicidade para elaborar os primeiros spots contra Evo Morales. Ao dar-se conta que os roteiros e o dinheiro vinham dos EUA, esta agência decidiu não produzir mais os comerciais.

O Plano B do embaixador

O plano para tirar Evo do governo acabou sendo frustrado pelo resultado do referendo. O presidente se legitimou com mais de 67% dos votos e Goldberg passou então a colocar em marcha um Plano B, que incluem greves, bloqueios e ações violentas que buscariam dois resultados alternativos. 1) O conflito se generaliza e cobre o leste e parte do oeste do país. A população começa a se cansar, as forças da ordem entram em ação, com muitas mortes. Neste caso, Evo teria que convocar eleições ou deixar o governo depois dos conflitos com mortes. A insistente provocação para que as forças policiais e as forças armadas atuem se encaixa neste plano. 2) Caso não ocorra o cenário anterior, a oposição contaria ainda com uma segunda possibilidade: uma vez desalojada a polícia e o Estado Nacional das regiões, em meio à violência, Goldberg oferece aos prefeitos opositores a vinda de mediadores internacionais, inclusive tropas da ONU para concretizar o separatismo dos quatro departamentos rebeldes, como fez no Kosovo.

Seguindo esse plano, Goldberg viajou a Sucre e se reuniu com a prefeita Savina Cuellar, que pediu a renúncia do presidente. No dia 21 de agosto, o embaixador encontrou-se clandestinamente com o prefeito de Santa Cruz, Rubén Costas, e com quatro congressistas norte-americanos. No dia 25 de agosto, mais uma reunião com Rubén Costas. Paralelamente, a oposição rejeitou o chamado de diálogo feito pelo governo e, no dia 24 de agosto, convocou uma greve geral. Seguindo a linha proposta por Goldberg, denunciam ainda os parlamentares do MAS, os prefeitos impuseram um plano de desgaste de médio prazo, incluindo destruição de instituições públicas e provocações à polícia e às forças armadas.
Na mesma linha golpista, em Santa Cruz e em Tarija começou-se a falar de federalismo e até de independência. Como o empresariado cruceño estava mais interessado na Feira de Santa Cruz (que deve iniciar no dia 19 de setembro) que nas greves e bloqueios, o Departamento de Estado convocou Branco Marinkovic para uma conversa nos EUA. No dia 1° de setembro, em um pequeno avião Beechcraft, matrícula C-90A, Marinkovic viajou aos Estados Unidos onde o convenceram de que o plano estava em sua trama final e que era preciso jogar-se todo nele. No dia 9 de setembro, horas depois do regresso de Marinkovic a Santa Cruz, iniciam protestos violentos, com invasão e queima de instituições públicas e novas agressões às forças armadas e à polícia.
Este é o plano golpista que está em marcha com o apoio da embaixada dos EUA, dizem os deputados. Foram essas razões, asseguram, que levaram o governo boliviano a pedir sua saída do país. Eles manifestam confiança que esse plano fracassará porque o governo de Evo Morales segue controlando o conflito, com paciência e dentro da legalidade, mantendo-o em sua dimensão regional. “A violência gerada por grupos impulsionados por este plano golpista é a forma pela qual os setores conservadores mostram sua decisão de acabar com a democracia, já que ela não serve mais aos seus interesses”, concluem.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Imperialismo sangüinário



O que está ocorrendo na Bolívia ocorreu no Brasil, em 1964; no Chile, em 1973; na Argentina, em 1976, e quase ocorreu na Venezuela, em 2002. Tudo começou com a usurpação de 1.300 mil km² do território do México, na guerra movida pelo presidente Polk (1846/1848). E em 1856, o mercenário ianque William Walker se declarou presidente da Nicarágua. Podemos deixar de lado o caso bem conhecido da intervenção em Cuba, desde sua ''independência'' até a Revolução de 1959.


Por Mauro Santayana no Jornal do Brasil, 14/09/2008

No início do século 20, para construir o canal, os norte-americanos promoveram o movimento separatista do Panamá - que pertencia à Colômbia - e obtiveram, da constituição que eles mesmos redigiram, o direito de intervir no país quando necessário.
Entre 1926 e 1933, a Nicarágua viveu a extraordinária gesta de Sandino - em seu tempo, mito maior do que o de Guevara. Ele enfrentou vitoriosamente os marines, foi traído e assassinado por Somoza, em encontro marcado para a conciliação nacional. Como prêmio, o democrata Roosevelt fez do assassino o ditador da Nicarágua, que legou o país a seu filho, até a vitória dos sandinistas em 1979, quando os EUA armaram os contra-revolucionários. Em El Salvador o terrorismo norte-americano matou dezenas de milhares de pessoas, entre elas o bispo dom Oscar Romero, junto ao altar, em 24/03/1980.
Em 1964, os norte-americanos estimularam e orientaram, mediante seus diplomatas e agentes, o golpe contra o governo constituído de Jango. Como hoje na Bolívia, houve a orquestração da imprensa, o incentivo aos baderneiros, a mobilização da extrema direita.
Em 1973 foi a vez do Chile. Repetiu-se o mesmo modelo, com o envolvimento das forças armadas, o uso de vultosos recursos financeiros, a cooptação remunerada dos serviços de informação, os atos de sabotagem, o lock-out dos empresários e o estímulo a agentes provocadores. O golpe contra Allende só foi consumado com a morte do grande presidente. O envolvimento dos Estados Unidos no episódio é registrado em documentos oficiais de Washington.
A Venezuela, mesmo depois de o presidente constitucional Hugo Chávez ter sido seqüestrado, conseguiu impedir o golpe de abril de 2002 – cf. filme em DVD La revolucion non sera televisionada - , patrocinado pelos Estados Unidos, pelas multinacionais, empresários locais e os meios de comunicação. No fim da última semana, era denunciada nova articulação golpista.
Com a experiência que temos do passado, é quase certo que Washington se encontre por detrás da conspiração. Chávez, diante dos fatos na Bolívia, teve a coragem de expulsar o embaixador dos Estados Unidos. Morales também havia decidido declarar persona non grata o embaixador norte-americano em La Paz, e com razões públicas e objetivas: o diplomata estava se reunindo com os governadores da oposição que pregam a independência de suas regiões.
A Bolívia não se encontra nas antípodas. Está ali, ao lado. A nossa posição, no episódio, deve ser orientada pela velha afirmação do princípio de não intervenção.
Fez bem o Brasil em acatar a decisão de Evo Morales de declinar do oferecimento dos vizinhos para buscar a conciliação. Morales preferiu convidar o prefeito de Tarija, a fim de conversar.
O problema maior é o grande latifúndio: 860 proprietários controlam 46% das terras da planície (quatro deles com glebas de mais de 50 mil hectares cada um), enquanto 54 mil empresários médios só possuem 7,3% da área. Os índios foram despojados de suas terras, e o agronegócio (movido por croatas, sírio-libaneses, norte-americanos e brasileiros) está por detrás das agitações. É ainda mais grave saber que a razão invocada pelos baderneiros é a de que Morales vai usar os recursos do gás para socorrer os bolivianos idosos e pobres.
Não é provável uma saída rápida para a crise. Ainda que se chegue a um acordo entre o presidente e os governadores da região oriental, o problema continuará latente. O caso da Bolívia é também uma advertência para a nossa política fundiária na Amazônia. Estamos permitindo a aquisição de glebas na região por estrangeiros e por grandes fundos de investimentos (que são apátridas, como o Opportunity), o que trará grande risco em futuro próximo.
Aos Estados Unidos não interessa a estabilidade de nenhum país do continente. É evidente que tanto na Venezuela, quanto na Bolívia, seus agentes, oficiais e embuçados, incentivam os inimigos de Morales e de Chávez. Diante da situação, os demais países sul-americanos devem unir-se diplomaticamente e impedir o pior.

Fonte: Jornal do Brasil, 14/09/2008.

sábado, 20 de setembro de 2008

Oito milhões de hectares improdutivos, Pode?



Mieceslau Kudlavicz
Agente da CPT/MS e acadêmico do curso de Geografia/UFMS

Impressiona como a classe latifundiária de Mato Grosso do Sul se levanta para protestar agressivamente contra a demarcação das terras indígenas, utilizando-se para isso de argumentos preconceituosos como: “índio não precisa de terra. Índio não produz”. Estes mesmos argumentos poderiam ser usados para perguntar a estes latifundiários: para que querem terra se declararam nos cadastros do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que grande parte de suas terras não produz? Ou seja, os latifúndios de Mato Grosso do Sul declararam junto ao INCRA oito milhões de hectares como improdutivos. O dado mais grave ainda é a existência de 5 milhões de hectares de terras no Estado apossados e cercados indevidamente, segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, professor da USP, que teve acesso aos cadastros do INCRA (OLIVEIRA, 2008). São terras devolutas, isto é, áreas da união e podem, constitucionalmente, ser destinadas aos povos indígenas.
Por outro lado, impressiona também como o governador do Estado de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), usa do seu poder político para defender ostensivamente uma classe que se apossou indevidamente de uma parte significativa do território sul-mato-grossense. Há de se perguntar por que o governador do Estado não toma uma decisão política semelhante para defender a retomada destas áreas que hoje estão cercadas indevidamente e destiná-las para 40 mil indígenas em Mato Grosso do Sul como manda a Constituição Brasileira? Pois, na verdade, como governador, ele deve zelar pelo bem público, logo que é o maior responsável no Estado pelo cumprimento do que manda a Carta Maior.
Outra pergunta que deve ser feita é a seguinte: por que o governador do Estado não vai à imprensa adjetivar os usineiros de “fajutos” quando estes utilizam uma prática que deveria estar abolida no Brasil há mais de cem anos, qual seja a utilização de mão de obra escrava de índios e não-índios? Mas ao invés disso prefere chamar de “trabalhos antropológicos fajutos” (Jornal Rio Brilhante, 10/09/2008) a demarcação de terras indígenas que sequer foi executada.
Cabe lembrar que a demarcação prevista, se este for o resultado do trabalho antropológico de identificação das áreas, é uma área de terras que representa praticamente um quinto do que existe de terra devoluta neste Estado, segundo Carlos Caroso presidente da Associação Brasileira de Antropologia, ou seja, entre 500 e 600 mil hectares (Jornal do Povo, 09/09/2008).
Porém, infelizmente, nada disso nos surpreende quando se trata de defender os interesses da oligarquia rural, sabemos que a classe política dominante representa os interesses dos latifundiários que historicamente se assenhorearam do Estado de Mato Grosso do Sul em benefício próprio, inclusive para grilar as terras indígenas e de camponeses, principalmente a partir de 1850 quando da aprovação da Lei de Terras. Segundo o professor Ariovaldo Oliveira (2008), o Estado possui mais de 1,3 milhões de hectares de terras documentadas além do que a realidade permite, ou seja, tem município com mais terra titulada do que seu tamanho real. Isso é estapafúrdio, indício maior das fraudes praticadas para titulação de terras em favor de particulares senão com a participação direta do poder público, no mínimo por omissão.
Em vista destas suspeitas de fraude que estão na origem da propriedade privada da terra em Mato Grosso do Sul, que autoridade moral tem a classe latifundiária do Estado para questionar a demarcação das terras indígenas? O mesmo questionamento também se aplica ao governador pelo uso político parcial que faz do poder ao qual foi investido pelo voto, contribuindo, senão para impedir, no mínimo para criar um clima de pânico na população não-indígena e, mais, aprofundar as hostilidades em relação aos indígenas. Enfim, sua postura na defesa explícita da classe dos latifundiários objetiva criar obstáculos na aplicação do que manda a Constituição Brasileira em relação à demarcação das terras indígenas e deve ser repudiada pela sociedade.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O mito da tributação elevada no Brasil



MARCIO POCHMANN[1]

(Artigo publicado na FSP, 14/09/2008, Opinião, p. 3)

As especificidades do Brasil dificultam comparações. Cabem duas observações que desconstroem o mito da tributação elevada.


O TEMA relativo ao peso dos impostos, taxas e contribuições no Brasil permanece ainda sendo tratado na superfície. A identificação de que a carga tributária supera 35% do PIB (Produto Interno Bruto) é um simples registro, insuficiente, por si só, para permitir comparações adequadas com outros países. Ou seja, mencionar que o Brasil possui carga tributária de país rico, embora se situe no bloco das nações de renda intermediária, ajuda pouco, quando não confunde o entendimento a respeito das especificidades nacionais. Elas dificultam análises comparativas internacionais e exigem maior investigação.


Por causa disso, cabem, pelo menos, duas observações principais que terminam por desconstruir o mito da tributação elevada no Brasil.


Em primeiro lugar, a observação de que os impostos, taxas e contribuições incidem regressivamente sobre os brasileiros. Como o país mantém uma péssima repartição da renda e riqueza, há segmentos sociais que praticamente não sentem o peso da tributação, ao contrário de outros submetidos ao fardo muito expressivo da arrecadação fiscal. Os ricos brasileiros quase não pagam impostos, taxas e contribuições.


Os 10% mais ricos, que concentram três quartos de toda a riqueza do país, estão praticamente imunizados contra o vírus da tributação, seja pela falta de impostos que incidam direta e especialmente sobre eles -como o tributo sobre grandes fortunas-, seja porque contam com assessorias sofisticadas para encontrar brechas legais para planejar ganhos quase ausentes de impostos, taxas e contribuições.


Já os pobres não têm escapatória, pois estão condenados a compartilhar suas reduzidas rendas com o financiamento do Estado brasileiro. Isso porque a tributação brasileira é pesadamente indireta, ou seja, arrecada a maior parte em impostos sobre produtos e serviços -portanto, pesa mais para quem ganha menos.


Além disso, há uma tributação direta, sobre renda e bens, muito "tímida" em termos de progressividade. O Imposto de Renda, que, nos EUA, tem cinco faixas e alíquotas de até 40% e, na França, 12 faixas com até 57%, no Brasil tem apenas duas, com alíquota máxima de 27,5%. Aqui, impostos sobre patrimônio, como IPTU ou ITR, nem progressividade têm.


As habitações dos mais pobres, por exemplo, pagam, proporcionalmente à renda, mais tributos em geral do que aqueles que residem nas mansões, enquanto os grandes proprietários de terra convivem com impostos reduzidos e decrescentes. Aqueles com renda acima de R$ 3.900 contribuem apenas com 23%. No entanto, quem vive com renda média mensal de R$ 73 transfere um terço para a receita tributária.


Em síntese, a pobreza no Brasil não implica somente a insuficiência de renda para sobreviver, mas também a condição de pagar mais impostos, taxas e contribuições.


Em segundo lugar, a observação de que a carga tributária corresponde à capacidade efetiva de gasto da administração pública brasileiro, conforme comparações internacionais indicam ser. No Brasil, a cada R$ 3 arrecadados pela tributação, somente R$ 1 termina sendo alocado livremente pelos governantes.


Isso porque, uma vez arrecadado, configurando a carga tributária bruta, há a quase imediata devolução a determinados segmentos sociais na forma de subsídios, isenções, transferências sociais e pagamento dos juros do endividamento público. Noutras palavras, R$ 2 de cada R$ 3 arrecadados só passeiam pela esfera pública antes de retornar imediata e diretamente aos ricos (recebimento de juros da dívida), às empresas (subsídios e incentivos) e aos beneficiários de aposentadorias e pensões. Assim, o uso da carga tributária bruta no Brasil se transforma num indicador pouco eficaz para aferir o peso real da tributação.


Talvez o mais adequado possa ser análises sobre a carga tributária líquida, que é aquela que, de fato, indica a magnitude efetiva dos impostos, taxas e contribuições relativamente ao tamanho da renda dos brasileiros, pois é com essa quantia que os governantes conduzem (bem ou mal) o conjunto das políticas públicas.


Nesse sentido, a tributação elevada é um mito no Brasil. A carga tributária líquida permanece estabilizada em 12% do PIB já faz tempo. O que tem aumentado mesmo são impostos, taxas e contribuições que, uma vez arrecadados, são imediatamente devolvidos, o que impede de serem considerados efetivamente como peso da tributação elevada.


[1] Economista, 46 anos, professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy). E-mail: pochmann@eco.unicamp.br

domingo, 14 de setembro de 2008

Ecopedagogia: educar para a sustentabilidade


Texto publicado na Revista ECO 21 e na Revista ECORio, na Revista Digital Ambiente, Educação e Cidadania, na Empresa Municipal de Multimeios e na Agência de Notícias Adital em 2006.


A consciência ecológica levanta-nos um problema profundo e de uma vastidão extraordinária. Temos que defrontar com o problema da vida -bios- no planeta terra, o problema dessa sociedade pós-moderna -neoliberal ainda- e com o problema do destino do ser humano. Isto nos obriga a pensar a questão da própria orientação da chamada civilização ocidental. Nesta primeira década do século XXI somos chamados e chamadas a compreender que revolucionar, desenvolver, inventar, sobreviver, viver e morrer, encontra-se inseparavelmente ligado como já afirma Edgar Morin.Da minha aldeia vejo que a terra pode ver o Universo. Por isso, a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer. Segundo o poeta Fernando Pessoa nós, seres humanos, somos do tamanho daquilo que vemos e não do tamanho da nossa altura.

Neste sentido, gostaria de apresentar algumas reflexões que são resultados de debates organizados pelo Instituto Paulo Freire (IPF) sobre os novos paradigmas da educação. O objetivo é compreender melhor o papel da educação na construção de um desenvolvimento com justiça social, centrado nas necessidades humanas e que não agrida ao meio ambiente, daí a necessidade de uma "ecopedagogia" que nos ensina a viver de forma sustentável. O educador Francisco Gutiérrez, diretor do IPF da Costa Rica, foi o primeiro a criar a concepção de ecopedagogia em 1992 por ocasião da ECO-92 realizada na cidade do Rio de Janeiro.

Para se entender o que seja ecopedagogia, precisamos compreender o que vem a ser pedagogia e o vem a ser sustentabilidade. Francisco Gutiérrez e Daniel Prieto definem pedagogia como o trabalho de promoção da aprendizagem através dos recursos necessários ao processo educativo no cotidiano das pessoas. O cotidiano e a história fundem-se num todo. A cidadania ambiental local torna-se cidadania planetária.

Para ambos os autores, parece impossível construir um desenvolvimento sustentável sem uma educação para o desenvolvimento sustentável. Esse desenvolvimento sustentável requer quatro condições básicas para se efetivar no cotidiano das pessoas, a saber: 1) que seja economicamente factível; 2) que seja economicamente apropriado; 3) que seja socialmente justo; 4) e que seja culturalmente eqüitativo, respeitoso e sem discriminação de gênero.

O desenvolvimento sustentável, mais do que um conceito científico, é uma idéia-força e mobilizadora neste século XXI que se avança. As pessoas e a sociedade civil, em parceria com o Estado, precisam dar sua parcela de contribuição para criar cidades e campos saudáveis, sustentáveis, com qualidade de vida. Nesta perspectiva, conclui-se que não pode haver desenvolvimento sustentável sem uma sociedade sustentável, cujas características são:

1) Promoção da vida para desenvolver o sentido da existência. Deve-se partir de uma cosmovisão que vê a terra como único organismo vivo. Na tradição indígena maia, ao invés de agredir a terra para conquistá-la, antes do arado para o cultivo, faz-se uma cerimônia religiosa na qual pedem perdão à Mãe Terra por ter que agredi-la com o arado para dela tirar o seu sustento.

2) Equilíbrio dinâmico para desenvolver a sensibilidade social. Francisco Gutiérrez entende a necessidade do desenvolvimento em preservar os ecossistemas.

3) Congruência harmônica que desenvolve a ternura e o estranhamento, ou seja significa sentir-se como mais um ser - embora privilegiado - do planeta, convivendo com outros seres animados e inanimados.

4) Ética integral entendida como conjunto de valores - consciência ecológica - que dá sentido ao equilíbrio dinâmico e à congruência harmônica e capacidade de auto-realização.

5) Racionalidade intuitiva que desenvolva a capacidade de atuar como um ser humano integral. A racionalidade técnica que fundamenta o desenvolvimento desequilibrado e irracional da economia clássica precisa ser substituída por uma racionalidade emancipadora, intuitiva, que conhece os limites da lógica e não ignora a afetividade, a vida, a subjetividade. O paradigma da racionalidade técnica, concebendo o mundo como um universo ordenado e perfeito, admitindo que é preciso apenas conhece-lo e não transforma-lo acaba por naturalizar também as desigualdades sociais.

6) Consciência planetária que desenvolve a solidariedade planetária. Reconhecermos que somos parte da Terra e que podemos viver com ela em harmonia -participando do seu devir- ou podemos perecer com a sua destruição.

A palavra ecologia foi criada em 1866 pelo biólogo alemão Ernest Haeckel, como um ramo da biologia, para designar o estudo das relações existentes entre todos os sistemas vivos e não-vivos entre si e com seu meio ambiente. São quatro as grandes vertentes da ecologia, a saber: a) A ecologia ambiental - que se preocupa com o meio ambiente; b) A ecologia social - que insere o ser humano e a sociedade dentro da natureza e propugna por um desenvolvimento sustentável; c) A ecologia mental - que estuda o tipo de mentalidade que vigora hoje e que remonta a vida psíquica humana consciente e inconsciente, pessoal e arquetípica; d) A ecologia integral - que parte de uma nova visão da terra surgida desde os anos 60 do século XX quando pôde ser vista de fora.

A ecopedagogia pode ser vista tanto como um movimento pedagógico e também como uma abordagem curricular. A ecopedagogia como movimento pedagógico pode ser entendido como um movimento social e político a partir da ecologia, pois surge no interior da sociedade civil e nas organizações populares por meio de educadores/as e de ecologistas, trabalhadores/as e empresários/as que se preocupam com o meio ambiente. Nestes tempos recentes, as ONGs é que estão se movimentando na busca por uma pedagogia do desenvolvimento sustentável, pois entendem que sem uma ação pedagógica efetiva, de nada adiantará os grandes projetos de despoluição da natureza e de preservação do meio ambiente.

A ecopedagogia como abordagem curricular implica numa reorientação dos currículos escolares para que incorporem certos princípios defendidos pelo movimento pedagógico. Os conteúdos curriculares têm que ser significativos para o aluno/a e somente será significativo para ele se tais conteúdos forem significativos para a saúde do planeta. Neste sentido, a ecopedagogia também serve para influenciar a estrutura e o funcionamento dos sistemas de ensino. Ela propõe uma nova forma de governabilidade diante da ingovernabilidade do gigantismo dos atuais sistemas de ensino.

Defende-se a idéia de que a ecopedagogia é uma pedagogia de educação multicultural. Porque ela não se dirige apenas aos educadores/as, mas aos habitantes da terra. Hoje, as crianças escolarizadas é que levam para os adultos em casa a preocupação com o meio ambiente. Assim, pode-se afirmar que a ecopedagogia está ligada a um projeto de desenvolvimento sustentável onde se pretende mudar as relações humanas, sociais e ambientais que existem hoje. É uma nova pedagogia dos direitos que associa os direitos humanos aos direitos da terra.

Para se entender este movimento pedagógico é preciso relembrar momentos deste debate onde se pretende passar das questões de educação ambiental à ecopedagogia. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 03 a 14 de junho de 1992, foi um evento paralelo ao Fórum Global 92. Neste fórum foi aprovada a Declaração do Rio, também chamada de Carta da Terra. Esta Carta constitui-se numa Declaração de Princípios globais para orientar a questão do meio ambiente e do desenvolvimento. Este evento ficou conhecido como ECO - 92.

A Rio+5 foi um novo fórum de organizações governamentais e não-governamentais realizado em março de 1997. Nessa conferência se discutiu muito a educação ambiental e se percebeu a importância de uma pedagogia do desenvolvimento sustentável ou de uma ecopedagogia. A ecopedagogia precisa trilhar ainda um longo caminho, não somente de debates acadêmicos, teóricos, mas precisa ser experimentado na prática.

Nosso futuro comum depende de nossa capacidade de entender hoje a situação dramática na qual se encontra o planeta terra devido a deteriorização do meio ambiente. Isto requer a formação de uma nova consciência planetária. Como diz Gutiérrez, existem duas pedagogias opostas, que são: a pedagogia da proclamação que não dá ênfase aos interlocutores enquanto protagonistas do processo. Por outro lado, a pedagogia da demanda, porque parte dos protagonistas e busca em primeira instância a satisfação das necessidades não-satisfeitas desencadeando um processo imprevisível, gestor de iniciativas, propostas e soluções. Os valores que devem sustentar a ecopedagogia são: sacralidade, diversidade e interdependência com a vida; preocupação comum da humanidade de viver com todos os seres do planeta; respeito aos direitos humanos; desenvolvimento sustentável; justiça, eqüidade e comunidade; prevenção dos danos causados. Neste sentido, todo homem e toda mulher é um educador e educadora, pois todos são protagonistas em cuidar do planeta Terra.

Portanto, qualquer pedagogia pensada fora da globalização e do movimento ecológico tem hoje sérios problemas de contextualização. O Estado pode e deve fazer muito mais para a educação ambiental. Todavia, sem a participação da sociedade civil e de uma formação comunitária para a cidadania ambiental, a ação do Estado será limitada. A ecopedagogia não quer oferecer apenas uma nova visão da realidade social do ecossistema, mas dar um novo sentido reeducativo no olhar e na leitura dessa realidade.

sábado, 13 de setembro de 2008

FUNDEB: esperança de uma educação possível


Texto publicado na Agência de Notícias Adital em 2006.


No dia 06 de dezembro de 2006 foi aprovada no Plenário do Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional - (PEC) nº 536/1997, que cria e legaliza o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Sem dúvida, o FUNDEB é um dos programas do atual governo que mais estava em discussão no país por se tratar de financiamento da educação. Evidentemente, é o início de uma nova fase para a educação brasileira que passa a se preocupar com o ensino público e gratuito de uma forma universal, ou seja, desde a educação infantil até o ensino superior o que garantirá a qualidade da educação.Com o FUNDEB, as discussões teóricas acerca do significado da Educação Básica chega ao fim. A Educação Básica compreende todo o ensino que via da educação infantil até o término do ensino médio. Neste sentido, o MEC nesta semana promoveu o Seminário Diferentes Diferenças onde se discutiram as temáticas acerca do financiamento da coisa pública, em especial, a nova PEC que legaliza o FUNDEB.
É momento de comemorar a educação possível renascida das cinzas por meio do tão criticado Governo Lula. O FUNDEB não é a única expressão dessa educação possível, mas contribui e muito para que municípios e Estados possam investir com mais força na educação básica. Em 2007, já se terá uma nova visão do financiamento público para a educação destinado a atender a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
Para a aprovação da PEC - FUNDEB o MEC promoveu encontros, debates, conferências e um amplo diálogo com a sociedade. Portanto, trata-se uma lei que respeitou os interesses e os desejos de educadores e educadoras, bem como representantes de sindicatos e da sociedade política atreladas às secretarias estaduais e municipais de educação.
Segundo o MEC "um dos objetivos do Fundeb é universalizar o atendimento na educação básica, a partir da redistribuição eqüitativa de recursos entre o estado e seus municípios. Será estabelecido um valor mínimo por aluno, com valores diferenciados por etapa e modalidade de ensino da educação básica de todo o País". Além disso, o Fundeb estará disponibilizando recursos para as populações historicamente prejudicadas pela dominação e colonização, tais como: comunidades quilombolas, povos indígenas e trabalhadores rurais.
O FUNDEB substitui assim o FUNDEF que financiava somente o Ensino Fundamental, portanto, sem investimento na educação infantil e no ensino médio. Segundo dados obtidos no Ministério da Educação "hoje o Fundef é composto por 15% dos principais impostos e transferências dos estados e municípios: Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados proporcional às Exportações (IPIexp) e a desoneração das exportações prevista na Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir)". O FUNDEB pretende continuar mantendo as mesmas fontes de recursos que serão destinados à educação básica com o aumento de 20% da alíquota e ainda acrescentando novas fontes, tais como: "o Imposto de Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto de Transmissão de Causa Mortis e Doações (ITCMD), Cota Parte Municipal do Imposto Territorial Rural (ITR). Os impostos próprios dos municípios, no entanto, continuam fora do fundo (IPTU, ISS e ITBI)".
No que tange a Valorização dos Profissionais da Educação, 60% dos recursos destinados aos municípios e Estados deverão continuar sendo aplicados na remuneração do magistério. Assim, o FUNDEB terá uma implementação gradativa o que possibilitará uma coerência na gestão financeira dos recursos.

No primeiro ano, em 2007, de vigência do FUNDEB, o aporte da União será de R$ 2 bilhões e os recursos de impostos municipais e estaduais aumentam de 15% para 16,66%, no caso dos impostos que fazem parte do Fundef, mais 6,66% dos novos impostos; serão atendidos 100% dos alunos do ensino fundamental e um terço dos alunos excluídos do Fundef (educação infantil, ensino médio e educação de jovens e adultos). Parcela de estados e municípios corresponderá a R$ 41,1 bilhões. Estima-se que o FUNDEB movimentará R$ 43,1 bilhões no primeiro ano.
No segundo ano, em 2008, o aporte da União será de R$ 3 bilhões; os recursos de impostos municipais e estaduais aumentam para 18,33% e 13,33% (novos impostos); serão atendidos 100% dos alunos do ensino fundamental e dois terços dos alunos das outras etapas de ensino. Parcela de estados e municípios corresponderá a R$ 45,9 bilhões. Estima-se que o FUNDEB movimentará R$ 48,9 bilhões no segundo ano.
No terceiro ano, em 2009, o aporte da União será de R$ 4,5 bilhões; os recursos de impostos municipais e estaduais aumentam para 20% (todos os impostos); serão atendidos 100% dos alunos do ensino fundamental e 100% dos alunos das outras etapas. Parcela de estados e municípios corresponderá a R$ 50,7 bilhões. Estima-se que o FUNDEB movimentará R$ 55,2 bilhões no terceiro ano.
A partir do quarto ano, em 2010, o aporte da União será de 10% da contribuição dos estados e municípios (cerca de R$ 5,1 bilhões); os recursos de impostos municipais e estaduais são fixados em 20%; 100% dos alunos da educação básica serão atendidos. Parcela de estados e municípios corresponderá a R$ 50,7 bilhões. Estima-se que o FUNDEB movimentará R$ 55,8 bilhões, a partir do quarto ano de implementação.
Após o quarto ano de vigência, serão beneficiados cerca de 48,1 milhões de estudantes da educação básica: sendo cerca de 860 mil de creches; cerca de 4,1 milhões de pré-escola; cerca de 34,1 milhões do ensino fundamental; cerca de 9 milhões do ensino médio.
Os estados com os piores indicadores educacionais terão recursos novos para a educação básica. Os parâmetros do FUNDEB terão um alcance a partir do Fundo único de âmbito nacional, com implementação progressiva em três anos, cobrindo 100% dos alunos do ensino fundamental mais um terço dos alunos das outras etapas (educação infantil, ensino médio e educação de jovens e adultos) no primeiro ano, dois terços no segundo ano e três terços (100%) a partir do terceiro ano. Sua vigência será de 14 anos, a partir de 2007.
A composição terá 20% dos impostos e transferências estaduais mais 20% das transferências municipais (impostos municipais não entram na composição do fundo) implementados progressivamente:
No primeiro ano, 16,66% dos impostos que compõem o Fundef - Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados proporcional às Exportações (IPIexp) e a desoneração das exportações prevista na Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir); e 6,66% dos novos impostos - Imposto de Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto de Transmissão de Causa Mortis e Doações (ITCMD), Cota Parte Municipal do Imposto Territorial Rural (ITR); No segundo ano, 18,33% dos impostos que compõem o Fundef, 13,33% dos novos impostos; No terceiro ano, 20% de todos os impostos que compõem o Fundeb.
Após o quarto ano de vigência serão contemplados 48,1 milhões, sendo cerca de 860 mil de creches; cerca de 4,1 milhões de pré-escola; cerca de 34,1 milhões do ensino fundamental; cerca de 9 milhões do ensino médio. Cerca de R$ 2 bilhões no primeiro ano, R$ 3 bilhões no segundo ano, R$ 4,5 bilhões no terceiro ano, e 10% do fundo a partir do quarto ano. Nos 14 anos de vigência, a União investirá um montante acumulado de R$ 55,4 bilhões. O total do FUNDEB será de R$ 43,1 bilhões no primeiro ano, R$ 48,9 bilhões no segundo ano, R$ 55,2 bilhões no terceiro ano, R$ 55,8 bilhões a partir do quarto ano (em valores de 2006) tendo como base o número de alunos da educação básica.
Pelo menos 60% do Fundeb deve ser aplicado na remuneração dos profissionais do magistério da educação básica (direção, administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional). E o restante deverá ser utilizado na Manutenção e desenvolvimento da educação: construção, ampliação e reforma de escolas; equipamentos; material didático; transporte escolar; formação de profissionais, entre outras. Não poderá ter gastos com despesas como alimentação, assistência média, odontológica e social.
Diante desse novo quadro podemos nos perguntar: Será a esperança de uma educação possível surgindo neste limiar do século XXI na sociedade brasileira? Com certeza muitos da elite dirão com voz inflamada: Não passa de assistencialismo. Na verdade, a inflamação das vozes que venham ser contrárias ao FUNDEB se dá porque não admitem assistir a criação de políticas afirmativas para a educação e a ampliação do financiamento da educação pública, gratuita e de qualidade. Com o FUNDEB a sociedade brasileira terá mais dignidade e mais esperança em ver uma outra sociedade possível por meio de uma outra educação possível.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Tempo de Espera, Esperança!



Texto escrito em 2005 - Publicado na Agência de Notícias Adital


"E a Palavra se fez homem e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho único do Pai, cheio de amor e fidelidade" (Jo 1, 14).
Mais um Tempo surge neste maravilhoso pôr-do-sol que nos deixa perplexos com as maravilhas da criação. Desponta para todos e todas nós uma nova espera na esperança. Com o advento somos convidados e convidadas a refletir nossa caminhada, nossas vidas, nosso mundo. É tempo de rever os passos dados, de refletir acerca do que fizemos e do que fomos. É tempo novo que urge, mais uma vez, em nossa bela tradição cristã.

Mas, o que esperar de mais um ano que se passa, de mais um tempo litúrgico que desponta em nossas vidas? Somos chamados e chamadas a esperar na esperança. A esperança que espera o tempo certo para se fazer aparecer. A esperança que espera o momento certo para nos reencantar novamente. Neste sentido, somos interpelados pelo entoar de nossas comunidades que em coro celebram ao Deus da Vida cantando enfaticamente: "Vem, Senhor Jesus!" Pois, iniciamos a espera na esperança do Emmanuel, aquele que se faz gente como a gente, que vem fazer morada nas taperas, nas favelas, nas ruas, nas malocas, nas matas, na dor e na alegria. É o Deus Conosco! A esta tradição cristã das primeiras comunidades é que dedicamos mais uma espera na esperança.

Esperar o Verbo que se encarna entre nós significa entender que somos chamados e chamadas a participar desse discipulado do Reino promovido pelo Deus da Vida. Deus da Vida que nos deu neste ano de 2005 muitas razões para continuar acreditando que é possível sonharmos juntos uma sociedade possível, um mundo possível. Por isso, continuamos tendo a certeza de que a espera na esperança é válida e necessária, mesmo estando na aflição de um mundo que se destrói a cada dia que passa. Por isso:

Esperar na esperança, pois vimos a Páscoa do V Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre. Mais uma vez, militantes dos movimentos sociais e populares do mundo inteiro se encontraram para trocar experiências, promover a paz, refletir mundos possíveis e alternativos frente ao avanço da economia de mercado, do neoliberalismo excludente e da globalização voraz. Juntamente, com o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, não podemos esquecer a espera na esperança com a realização do Fórum Mundial de Teologia da Libertação realizado também em Porto Alegre e que mostrou uma fonte de riquezas e vivacidade na luta pelas causas do Reino que continuam a ser tantas, pois o lugar teológico continua o mesmo, a partir da nossa opção preferencial pelos pobres.

Esperar na esperança com o Deus da Vida que ressurge, vencendo a morte, com a doação da vida de nossa querida e estimada Irmã Dorothy, mártir da causa do Reino, causa de todos e todas nós, cristãos e cristãs, que querem ver o projeto de Reforma Agrária sendo efetivado na prática por meio de políticas públicas realmente libertadoras. O sangue dessa nossa irmã, estadunidense de nascimento, brasileira e amazônica de coração, mostrou que ainda é possível surgirem profetas que assumem a causa do Reino com todo o despojamento necessário para se dar Vida pelas Vidas.

Esperar na esperança com a realização do nosso XI Intereclesial de CEBs realizado em Ipatinga, nas nossas Minas Gerais do Uai, do Sô e do queijo fresco. Esperar que as CEBs possam continuar sua caminhada enquanto um novo jeito de ser Igreja, assumida pelo episcopado em Medellín, Puebla e Santo Domingo, bem como, pela própria CNBB. A espiritualidade do seguimento é importante para todos e todas nós, que acreditamos viver uma Igreja de Jesus, participativa, ministerial, laical e diaconal, que acredita na transformação da sociedade e que deseja que ela se torne Kairós do Reino, fraterna e terna, justa e solidária, nossa e de todos (as). Agora, até chegarmos a Porto Velho para a próxima Páscoa Intereclesial, um longo caminho se faz necessário, na espera de que a esperança faça ressurgir em tempos neo-pentecostais a força necessária para fazer da CEBs uma alternativa possível para nossas comunidades, pois apresenta uma bela e sólida espiritualidade.

Esperar na esperança de ver uma nova política para a sociedade brasileira. Eticamente sustentável e moralmente justa. A população brasileira tinha um grau de confiança no PT e no projeto Lula Presidente, por levantar a bandeira da ética e da honestidade na política. E o que vimos foram alguns escândalos que fizeram até mesmo os coronéis do Brasil se levantarem contra o nosso tão sonhado projeto alternativo e popular. Não podemos esmorecer. Enquanto cristãos e cristãs somos co-responsáveis pela construção do Brasil.

Esperar na esperança do sonho ecumênico vivido pela Jornada Ecumênica realizada na cidade de Mendes, Rio de Janeiro e promovido pela nossa entidade ecumênica Koinonia. Sonho e espera no ecumenismo, onde irmãos e irmãs possam deixar as diferenças de lado e sentar na mesma mesa da partilha para celebrar juntos a Palavra e a Eucaristia. Foram momentos de vida, de partilha e de expressão de que o ecumenismo não está tão distante assim. A beleza no ecumenismo se refletia nas falas, nas danças, nas festas e na liturgia. Todos juntos, cristãos e cristãs, anglicanos, católicos, presbiterianos, luteranos, metodistas, assembleianos, batistas, o nosso querido candomblé com seu jeito especial de louvar ao Deus da Vida. Todos e todas numa só causa, com um só sentimento, a verdadeira Diversidade na Unidade.

Esperar na esperança na atitude de Dom Frei Luis Cappio, nosso irmão e nosso frade do Nordeste. A greve de fome pela vida e pela revitalização do Rio São Francisco fez com que setores da Igreja e que políticos ligados ao latifúndio se manifestassem contra esse irmão menor, que se tornou um grande Profeta do Reino. Por isso, há quem diga que quando estamos quase perdendo a esperança surge um profeta que nos fortalece na luta e nos anima na caminhada. Esse é o nosso Luis Cappio, bispo, pastor e profeta. Há muito estávamos sentindo a falta de um profeta dessa nova geração de bispos e eis que o Espírito nos deu Luis, nosso fradezinho menor, bispo de Barra na Bahia.

Esperar na esperança com a decisão de se realizar no Brasil em 2007 a V Conferência Episcopal da América Latina, no Santuário Mariano de Aparecida. Que esta Conferência siga os mesmos passos de Medellín, Puebla e Santo Domingo, com as opções necessárias de uma Igreja que se encarna na história e na vida de nosso Povo. E, ainda mais, agora com um novo Bispo em Roma, nosso Símbolo de Unidade Universal, Papa Bento XVI para que possa seguir com fidelidade o Evangelho e as decisões tomadas pelo Concílio Vaticano II.

Esperar na esperança a partir da realização da Assembléia Popular realizada em Brasília, onde movimentos sociais e populares deram sinais de vida, esperança e força na caminhada. Dos sem terras aos povos indígenas, de militantes políticos a agentes de pastoral, de estudantes a entidades de classe e ONGs. Todos e todas numa mesma estrada. A estrada que está por ser construída. A estrada de um projeto de desenvolvimento político popular e sustentável para o Brasil.

Enfim, esperar na esperança de que possamos continuar a caminhada, a busca pela vida e vida para todos e todas em plenitude (Jo 10,10). Os desafios são muitos. Chegou a hora de refletir os passos dados neste ano e iniciar uma nova caminhada, com mais desafios a serem superados. Esperar na esperança de que a Páscoa vence a Cruz, de que a Vida vence a Morte. Para isso, somos interpelados pelo Evangelho a fazer opções novamente e reencontrar o caminho perdido ou paralisado. Muitos e muitas dependem de nossa caminhada e de nossa luz. Então, saíamos debaixo do candeeiro e deixemos com que nossas atitudes brilhem ao mundo, anunciando que uma nova sociedade é possível e necessária, sem perder o sentido de tudo, principalmente, de que precisamos ESPERAR NA ESPERANÇA.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Carta aberta aos Bispos



Goiânia, GO, 18 de julho de 2008.

Queridos Irmãos no episcopado, do Regional Centro-Oeste,
A paz do Senhor esteja com vocês!

Peço-lhes licença para colocar aqui umas reflexões que venho tendo com outros colegas, inclusive dando a forma de carta. Trata-se da concepção de igreja e, de modo especial, de igreja catedral. Fui motivado sobretudo pelo fato da catedral de Goiânia ter de se mudar para uma obra que ficará próxima do atual Paço municipal, em terreno doado por Lourival Lousa, dono do Flamboyant, porém do outro lado da rodovia 153, em local de acesso difícil e distante do povão. Será então uma catedral tipo monumento moderno, atualizado, tudo bem planejado, de concepção semelhante à de Brasília, a mesma que vai se reproduzir futuramente também em Palmas. Enquanto isso, por exemplo, as chamadas catedrais da Igreja Universal do Reino de Deus, que não deixam de ser também portentosas construções, ficam bem perto do povo e se enchem de gente. O que pensar, então, a respeito de nossas igrejas? Isso também faz parte da nossa responsabilidade pastoral.

1. O sacramento do Templo na Bíblia

O Senhor nos deu um ensinamento bem preciso e nos evangelizou sobre o templo. Enquanto as nações vizinhas do Povo de Israel tinham todas seu templo, os profetas do Senhor diziam que Deus não quer templo. Deus quer acampar com seu povo nômade. Construir um templo seria traição desse caminhar de Deus com seu povo. Até mesmo quando o rei Davi quis levantar um templo, o Senhor mandou o profeta Natan lhe dizer: “Desde que Deus tirou o seu povo do Egito, sempre morou em tenda e nunca pediu templo”. (2 Sm 7,7).
Segundo Isaías (Is 66,1), Deus é aquele que o universo inteiro não pode conter. Tem o céu por seu trono e a terra como escabelo de seus pés. Como pode morar em uma casa edificada pelo homem? O problema é que, de fato, desde o começo, até hoje, o templo tem servido de legitimação do poder dos reis e dos donos do poder. Não é, pois, de graça que o rei e os poderosos dão todo apoio econômico à sua construção suntuosa e em lugar privilegiado. Por isso, os profetas sempre criticaram o templo e pediram que a fé se libertasse e fosse para além do templo.
Alguns profetas, como Isaias e Jeremias, tiveram que assumir o templo como um fato consumado, mas tiraram partido dele como lugar do ensino da Palavra, não como lugar de sacrifício. E Jesus retomou esta tradição profética. Na hora da sua prisão declarou aos seus algozes: “Todos os dias eu ensinava no templo e não me prendestes”. (Mc 14,49). O templo, com efeito, não era tradicionalmente lugar de ensino, mas sim de sacrifício. Fazer daquele lugar um lugar de profecia foi um ato crítico e subversivo.
Depois do exílio da Babilônia, os judeus fiéis se reuniam em sinagogas (casas da comunidade). Começou, então, uma tensão entre o judaísmo da sinagoga (baseado na Palavra) e o judaísmo do templo (baseado nos sacrifícios e no culto). O Cristianismo surgiu no meio do judaísmo das sinagogas e não no do templo. As reuniões dos primeiros cristãos, que marcaram a liturgia até hoje, seguiram o esquema da sinagoga, não do templo. Das sinagogas para as casas. E, de casa em casa, o Evangelho foi irradiando.
Na cena da limpeza do templo o zelo vigoroso demonstrado por Jesus não foi em defesa daquela obra feita pela mão do homem. “Ele se referia ao templo do seu corpo” (Jo 2,21) e também à morada de Deus, isto é “àquele que o ama e cumpre sua palavra” (Jo 14,23) e sobretudo ao faminto, ao sedento, ao migrante, ao nu, ao doente, ao preso, às vítimas da opressão e da exploração. (Cf. Mt 23). Jesus se proclama maior do que o templo (Mt 12,6). Ele veio construir um templo não feito por mão humana (Mc 14,58). Ao celebrar sua oblação perfeita ao Pai Ele optou por fazê-la fora do templo e fora da cidade. O templo novo é o seu corpo ressuscitado (Jo 2,20). No Apocalipse, quando é anunciada a nova Jerusalém, o autor insiste que ela não tem mais templo porque o próprio Deus é o seu templo (Ap 21,22).

2. Templos e catedrais na história da Igreja

Há um paradoxo e uma contradição no fato dos judeus, para os quais o templo se tinha tornado o sacramento da presença divina, não terem querido reconstruir o templo depois de sua destruição no ano 70, enquanto os cristãos, que receberam tantas advertências de Jesus, multiplicaram os lugares de culto.
À medida que a Igreja se incorporou ao Império e se tornou uma Igreja Cristandade, ocupou os antigos templos pagãos e os transformou em templos da nova religião oficial que era a Igreja cristã. Da Idade Média até os nossos dias, as catedrais, construídas nas praças centrais e ao lado do poder político se tornaram símbolos de uma Igreja que o Concílio Vaticano II procurou superar. Segundo a Lúmen Gentium, “Assim como o Cristo consumou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir o mesmo caminho. Cristo foi enviado pelo Pai para ‘evangelizar os pobres, sanar os contritos de coração’ (Lc 4,18), semelhantemente a Igreja cerca de amor todos os afligidos pela fraqueza humana, reconhece mesmo nos pobres e sofredores a imagem do seu Fundador pobre e sofredor” (LG nº 8). Dom Hélder Câmara, por exemplo, fiel a este novo espírito, foi na direção da periferia. Escolheu “a igreja das fronteiras” e fez das comunidades de periferia o lugar da cátedra do pastor. Dom Paulo Evaristo Arns, em 1973, vendeu o palácio episcopal e com o dinheiro construiu inúmeros centros comunitários na periferia de São Paulo, onde as Comunidades Eclesiais de Base passaram a se reunir para círculos bíblicos, celebrações da Palavra e da vida e lutar pelos direitos humanos. Mesmo em plena Cristandade, pastores como João Crisóstomo, Basílio e, no Ocidente, Ambrósio e Agostinho insistem que o verdadeiro templo de Deus e a glória da Igreja são os pobres. E João Crisóstomo fazia os pobres sentarem em sua cátedra na Igreja de Constantinopla.
A celebração dos sacramentos polarizada pelo altar, assim como a devoção e o culto dos santos polarizados pelo santuário, tornaram-se, durante séculos, a marca característica das igrejas católicas, infelizmente esvaziadas da Palavra. Inversamente, as igrejas da Reforma protestante deram um lugar primordial ao púlpito e à Bíblia, lida e assumida, com muito empenho, por todos os membros da comunidade. Foi o Concílio Vaticano II que, através das Constituições Dei Verbum e Sacrosanctum Concilium, restabeleceu o equilíbrio original entre o altar e o púlpito, valorizando a Palavra, que passou a integrar as celebrações dos sacramentos e readquiriu o lugar que ela tinha na vida da primitiva Igreja dos Apóstolos e dos mártires. Na construção das novas igrejas começaram até a aparecer soluções arquitetônicas criativas preocupadas em garantir a boa acústica, que favoreça a audição clara, para todos os participantes, de tudo o que é proclamado na liturgia.
As comunidades precisam sim de lugares para se reunirem e terem seu culto. Elas gostam que estes lugares sejam belos, dignos e venerados. Entretanto, é importante esclarecer que o templo é símbolo e sacramento da comunidade viva e deve ser o lugar da comunidade e não o instrumento do poder clerical ou episcopal, construído nos mesmos critérios dos templos que antigamente legitimavam o domínio dos poderosos do mundo.
“Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro (Mamon)”, disse Jesus. (Mt 6,24). O termo “servir” refere-se ao culto e o nome “Dinheiro” é sinônimo de “Mamon”, o ídolo. O povo de Deus, povo sacerdotal, ao mesmo tempo que no templo ou fora do templo, isto é, na vida prática, cultua o Senhor, deve ser uma clara denúncia da monstruosa idolatria que domina no mundo. Em l989, para preparar a conferência do Conselho Mundial de Igrejas sobre “Justiça, Paz e Defesa da Criação”, Ulrich Ducrow escrevia: “Quando vemos os mecanismos de um sistema econômico que, ano após ano, cria milhões de vítimas da fome e milhões de desempregados, quando vemos as florestas morrerem para permitir o lucro das empresas e vemos as superpotências continuarem a louca corrida armamentista, devemos admitir que estamos diante de um monstro demoníaco. De fato, os capítulos 13 a 18 do Apocalipse, com a sua descrição da Fera que sobe do abismo, são ainda a melhor descrição do atual sistema econômico, político e de seus meios de comunicação”. Pois bem, esta terrível idolatria tem seus “Templos”. Os bancos centrais superam em visibilidade arquitetônica qualquer catedral de qualquer parte do mundo. Eles são Templos. Têm seus sacerdotes, seu santo dos santos, seus sacrários de segurança máxima, acessíveis a poucos e onde guardam seu deus. Vamos nos contrapor a isso usando os mesmos critérios de grandiosidade e de poder ou seguiremos os caminhos da pequenez e do não-poder apontados por Jesus como força imbatível na construção do Reino de Deus?
Eram estas reflexões, Irmãos, que queria lhes comunicar, com simplicidade, na certeza de que podem surtir algum efeito prático. Do meu lado fico à disposição de vocês para qualquer reação a isto que não deixa de ser uma fraterna provocação.

Saúdo-os com fraterna amizade no Senhor Jesus, nosso Templo vivo.

Dom Tomás Balduino
Bispo emérito de Goiás
dombalduino@cptnacional.org.br

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