sábado, 20 de setembro de 2008

Oito milhões de hectares improdutivos, Pode?



Mieceslau Kudlavicz
Agente da CPT/MS e acadêmico do curso de Geografia/UFMS

Impressiona como a classe latifundiária de Mato Grosso do Sul se levanta para protestar agressivamente contra a demarcação das terras indígenas, utilizando-se para isso de argumentos preconceituosos como: “índio não precisa de terra. Índio não produz”. Estes mesmos argumentos poderiam ser usados para perguntar a estes latifundiários: para que querem terra se declararam nos cadastros do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que grande parte de suas terras não produz? Ou seja, os latifúndios de Mato Grosso do Sul declararam junto ao INCRA oito milhões de hectares como improdutivos. O dado mais grave ainda é a existência de 5 milhões de hectares de terras no Estado apossados e cercados indevidamente, segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, professor da USP, que teve acesso aos cadastros do INCRA (OLIVEIRA, 2008). São terras devolutas, isto é, áreas da união e podem, constitucionalmente, ser destinadas aos povos indígenas.
Por outro lado, impressiona também como o governador do Estado de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), usa do seu poder político para defender ostensivamente uma classe que se apossou indevidamente de uma parte significativa do território sul-mato-grossense. Há de se perguntar por que o governador do Estado não toma uma decisão política semelhante para defender a retomada destas áreas que hoje estão cercadas indevidamente e destiná-las para 40 mil indígenas em Mato Grosso do Sul como manda a Constituição Brasileira? Pois, na verdade, como governador, ele deve zelar pelo bem público, logo que é o maior responsável no Estado pelo cumprimento do que manda a Carta Maior.
Outra pergunta que deve ser feita é a seguinte: por que o governador do Estado não vai à imprensa adjetivar os usineiros de “fajutos” quando estes utilizam uma prática que deveria estar abolida no Brasil há mais de cem anos, qual seja a utilização de mão de obra escrava de índios e não-índios? Mas ao invés disso prefere chamar de “trabalhos antropológicos fajutos” (Jornal Rio Brilhante, 10/09/2008) a demarcação de terras indígenas que sequer foi executada.
Cabe lembrar que a demarcação prevista, se este for o resultado do trabalho antropológico de identificação das áreas, é uma área de terras que representa praticamente um quinto do que existe de terra devoluta neste Estado, segundo Carlos Caroso presidente da Associação Brasileira de Antropologia, ou seja, entre 500 e 600 mil hectares (Jornal do Povo, 09/09/2008).
Porém, infelizmente, nada disso nos surpreende quando se trata de defender os interesses da oligarquia rural, sabemos que a classe política dominante representa os interesses dos latifundiários que historicamente se assenhorearam do Estado de Mato Grosso do Sul em benefício próprio, inclusive para grilar as terras indígenas e de camponeses, principalmente a partir de 1850 quando da aprovação da Lei de Terras. Segundo o professor Ariovaldo Oliveira (2008), o Estado possui mais de 1,3 milhões de hectares de terras documentadas além do que a realidade permite, ou seja, tem município com mais terra titulada do que seu tamanho real. Isso é estapafúrdio, indício maior das fraudes praticadas para titulação de terras em favor de particulares senão com a participação direta do poder público, no mínimo por omissão.
Em vista destas suspeitas de fraude que estão na origem da propriedade privada da terra em Mato Grosso do Sul, que autoridade moral tem a classe latifundiária do Estado para questionar a demarcação das terras indígenas? O mesmo questionamento também se aplica ao governador pelo uso político parcial que faz do poder ao qual foi investido pelo voto, contribuindo, senão para impedir, no mínimo para criar um clima de pânico na população não-indígena e, mais, aprofundar as hostilidades em relação aos indígenas. Enfim, sua postura na defesa explícita da classe dos latifundiários objetiva criar obstáculos na aplicação do que manda a Constituição Brasileira em relação à demarcação das terras indígenas e deve ser repudiada pela sociedade.

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