sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Fé, política e opção pelos pobres




Tarcísio Bráulio Gonçalves

Adital - Tratar de fé e política nem sempre é fácil. O mais comum é encontrar pessoas cuja visão da política e da própria participação sócio-transformadora é bastante negativa. A religião, nessa perspectiva, não poderia envolver-se em assuntos considerados profanos, sob pena de degenerar em subversão. É necessário insistir e investir, no meio cristão, em uma introdução ao relacionamento entre fé e política que parta de um princípio capaz de conjugar essas duas instâncias, harmonizando-as em nome do bem comum. A opção preferencial pelos pobres pode desempenhar esse papel, mostrando-nos como o engajamento político é uma exigência da adesão ao projeto de Jesus.

Como a fé cristã vê os pobres? Não falamos aqui da virtude evangélica da pobreza, mas da situação de exclusão da maior parte da população mundial. Primeiramente, existe a ação desses pobres, expressa especialmente nas bem-aventuranças (ver Mt 5, 3 e Lc 6, 20), prova contundente de que os excluídos devem ser protagonistas de sua libertação. Afinal, como dizia Paulo Freire, "ninguém liberta ninguém: nós nos libertamos em comunhão". Mas há também a ação em favor dos pobres: "Vós sempre tendes convosco os pobres e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem" (Mc 14, 7). Fazer o bem aos necessitados integra visceralmente o projeto de Jesus, conforme constatamos no famoso texto bíblico do juízo final, em Mt 25, 31-46. Para Paulo, a fé deve agir pela caridade (ver Gl 2, 10 e 5, 6). Nossa atenção cristã precisa estar voltada para os antigos e novos rostos de pobres, incluindo os ricos macerados pelas mais variadas opressões existenciais. Há também os pobres amparados por instituições e estruturas beneficentes, e há os "pobres-pobres", sem ninguém por eles, dos quais, sobretudo, devemos nos ocupar. Na ótica cristã, o pobre é o necessitado de cuidado e amor. Sem dúvida, a marca social da miséria e da marginalização reclama uma preferência maior para aqueles que são excluídos e praticamente anulados no sistema econômico e político dominante.

O que significa opção preferencial? O Catecismo da Igreja Católica, nos seus números 2443-2449, e o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, no número 182, ajudam-nos a entender "opção" como sinônimo de "amor". Fala-se de "amor preferencial pelos pobres", uma expressão muito bela e significativa, pois traz implícita a idéia de que qualquer opção cristã deve ser guiada pela caridade. Quanto ao qualificativo "preferencial", temos de ter cuidado para explicá-lo. Alguns o rejeitam por acharem que é redundante ou pouco radical; outros, porque indicaria uma parcialidade ou favoritismo na práxis religiosa. Na verdade, dizer que a opção pelos pobres é preferencial não significa afirmar que seja exclusiva ou excludente. Deus não tem um amor maior por uns do que por outros. Amor preferencial é um amor que dá prioridade. Pensemos em uma mãe e seus dois filhos. A mãe não ama um filho mais do que ao outro, mas sabe dar prioridade quando um deles está sofrendo. Esse é o jeito de mãe, o jeito do Pai do filho pródigo, o jeito de todo amor verdadeiro. O pe. Kolvenbach, ex-prepósito geral dos jesuítas, expressou tal dinâmica com uma frase emblemática: "Os pobres não são os únicos, mas são os primeiros". É assim no Reino de Deus, chamado a começar aqui na terra.

Por tudo isso, a ação em favor dos pobres, manifesta como opção preferencial, "está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza" (Bento XVI, no Discurso Inaugural da Conferência de Aparecida). Os documentos do episcopado latino-americano, de Medellín a Aparecida, lembram a vinculação entre seguimento de Cristo e promoção humana. É uma exigência perene para a Igreja o engajamento em todos os espaços da vida social, sempre segundo o ponto de vista dos oprimidos. E se a libertação dos pobres é um critério essencial da fé cristã, podemos dizer que, na opção preferencial por eles, fé e política se abraçam. De fato, a assistência voltada à doação imediata do necessário à sobrevivência não esgota a opção pelos pobres. Também deve haver uma palavra evangélica dirigida aos construtores da sociedade e à transformação das estruturas assentadas na lógica do acúmulo excludente. Isso se faz através da política, tanto na esfera partidária como no campo mais amplo da atuação dos sindicatos, das associações, das igrejas e de todos os grupos chamados a valorizar os mecanismos de participação e controle social do regime democrático.

Assim, a fé cristã exige a opção preferencial pelos pobres e, por tal opção, abre-se à atuação política. Política é a arte de buscar, em comunhão, o bem comum. Sem reduzir-se à política partidária, mas envolvendo toda ação orientada a promover uma sociedade mais justa e igualitária, ela é necessária para uma ordenação social condizente com a nossa humanidade. A aversão do povo à politicagem ou à perversão da política não pode ser desculpa para se deixar de lado o compromisso sócio-transformador. Um documento da CNBB, intitulado "Exigências Éticas da Ordem Democrática", assevera: "A existência de milhões de empobrecidos é a negação radical da ordem democrática. A situação em que vivem os pobres é critério para medir a bondade, a justiça e a moralidade, enfim, a efetivação da ordem democrática. Os pobres são os juízes da vida democrática de um país". A vida dos pobres, critério de nossa fé, seja também o critério da política, levando-nos a participar, nos diversos níveis e instituições políticas, da construção de um mundo melhor. Será o caminho da autenticidade de nossa fé e a nossa contribuição para o amadurecimento da democracia em nosso país.




Bacharel em teologia pela Universidade Católica de Goiás e especialista em filosofia e existência pela Universidade Católica de Brasília

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