quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

MST, Mídia e Vandalismo


Texto publicado na Agência de Notícias Adital e no Fórum Social Mineiro em março de 2006.

A questão de fundo que pretendo destacar nesta reflexão associa-se ao conceito atualmente em foco no cenário sócio-político brasileiro denominado de vandalismo. Tal terminologia vem sendo utilizada pela Mídia com a finalidade associar as ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como ações vandalistas.

Numa visão pautada no senso comum da discussão em questão, pode-se dizer que o MST é um movimento social que vem perdendo os limites do bom senso e que suas práticas estão tornando-se vandalistas. Evidentemente, essa é a visão de uma Mídia que sempre utilizou argumentos em defesa dos que sentem a ameaça da construção história de uma classe dominada e que sente o forte desejo de se libertar da situação de explorados pelo sistema que lhes é imposto como natural. Mas, antes de entrar na discussão propriamente dita acerca do que realmente é vandalismo e a quem serve o discurso ideológico do vandalismo, faz-se necessário refletir algumas questões acerca desse movimento social chamado MST que, em 22 anos de história, tornou-se semente de esperança de muitas famílias que conseguiram ou estão na luta pela terra e por um projeto político de desenvolvimento sustentável para os trabalhadores (as) rurais do Brasil. Não se quer aqui entrar no jogo demagógico das elites já representadas muito bem pela Mídia. Neste sentido, comungo com a reflexão da cientista política Maria da Glória Gohn que afirma ser a Mídia o 4º Poder nesta sociedade de pensamento único, neoliberal e globalizado.

O MST é o maior movimento social da América Latina há mais de dez anos. Desde seu surgimento em 1984, o MST levantou a bandeira da Reforma Agrária e da construção de um novo projeto político para o Brasil, realmente democrático e sustentável. Com erros e acertos, o MST ganhou a confiança de setores estratégicos da sociedade como a Igreja Católica e, também, os intelectuais das universidades, nunca deixando de produzir seus próprios quadros, seus próprios intelectuais orgânicos que assumiram a causa da terra enquanto bem comum da humanidade. Afirmo a condição de erros, pois todo e qualquer grupo humano erra e é passível a errar. O erro é uma forma de aprendizagem, pois é no erro que conseguimos acertar, por isso, o MST também erra e com os erros, aprende, para que aprendendo, acerte. Então, nesta visão, o erro é um ato pedagógico que constrói novos referenciais e novos caminhos.

Desde seu surgimento, o MST encarnou a luta de muitos e muitas que, no passado, também lutaram pela dignidade e por um mundo mais justo e solidário. Por isso, é comum ouvirmos dos militantes do MST que o movimento é uma continuidade da luta de Sepé Tiaraju, Zumbi dos Palmares, Antônio Conselheiro e todo o movimento dos pobres de Canudos, das Ligas Camponesas, da Revolta de Trombas e Formoso etc. O MST é o movimento social do campo que assimilou todos os gritos e clamores de um povo que há 500 anos vem sendo explorado e oprimido.

A grande ação do MST não são as ocupações e suas indignações legítimas, mas, a de ensinar para a sociedade brasileira de que o campo e o mundo camponês estão vivo, estão em movimento. Não se pode simplesmente ignorar sua existência. Ele existe e traz um novo modo de ver as relações, sempre ensinando a todos nós, por meio das frases, dos fatos, das músicas, dos gestos, das linguagens, das marchas, dos símbolos e da esperança. O MST é o movimento esperança da sociedade brasileira. Questiona as estruturas sociais e a cultura política que as legitima. Está sempre questionando a sociedade afirmando sua vocação filosófica de formar novos sujeitos coletivos e históricos que venham realmente construir um Brasil para Todos e Todas.

No entanto, o MST como movimento social do campo, do povo da roça, de trabalhadores (as) rurais e de agricultores (as) camponeses (as) familiares pobres e expulsos pelo latifúndio sempre foi visto pela sociedade a partir do olhar de uma Mídia que se encontra a serviço dos aparelhos ideológicos do Estado e das Elites que dominam realmente o modo de pensar e agir na sociedade. Caso alguém ou um grupo social fuja dos padrões de comportamento estipulados pelos dominantes nasce o paradoxo e o conflito de classes. O MST foge dos padrões impostos pela sociedade dominante e desde seu surgimento a população brasileira vê o movimento com certa desconfiança. A Mídia, principalmente, as Organizações Globo de Televisão e Imprensa defendem a idéia de que o MST é um movimento de vândalos, baderneiros e de vagabundos que "invadem" a propriedade privada de pessoas boas, sérias e que nunca fizeram mal a ninguém. A Mídia é tão déspota e insensata que não consegue fazer a diferenciação sociológica entre o ato de invasão e o ato de ocupação.

Os programas televisivos utilizam-se de uma outra estratégia que faz o choque, causa impressão no receptor que assiste ao programa jornalístico, trata-se da simbologia da imagem. A imagem fala sem reflexão. O jornalista fica por detrás das câmaras e atrás do jornalista, por meio da computação gráfica, surge a primeira imagem que choca.

Exemplo: Fala do jornalista: MST invade Aracruz Celulose e causa vandalismo. Imagem de fundo: Uma cerca que se encontra cortada indicando a invasão de uma propriedade e do lado uma enxada e uma foice indicando que os símbolos comunistas se fazem presente nesta ação. Depois disso, mostra-se as imagens do acontecimento real com objetos quebrados, depredações e a fala de pessoas ligadas ao grupo econômico ou a de cientistas que discordam das ações do MST. Raras as vezes que um integrante do movimento fala ou tem o direito de falar. Isso tudo forma a consciência política do povo brasileiro em relação às ações estratégicas do MST. Assim, em sua grande maioria, o povo brasileiro conhece o MST somente pelo que diz o Jornal Nacional e alguns outros veículos da Mídia. Este mesmo povo brasileiro é receptor de notícias distorcidas que cria a imagem e a consciência de que o MST é tudo aquilo que apresentou o determinado programa jornalístico.

Indago: A quem interessa realmente que o MST se torne um movimento sem credibilidade para a sociedade brasileira? Qual é o conceito de vandalismo utilizado pela Mídia para caracterizar as ações do MST nestes últimos tempos? É evidente que os grupos dominantes, as elites, os fazendeiros, os mesmos que conseguiram derrubar o relatório popular da CPMI da Terra e apresentar um substitutivo aprovado que diz ser todo ato de ocupação e ações do MST e outros movimentos sociais do campo caracterizados como crimes hediondos. São os mesmos que se utilizam da Mídia para inculcar na consciência do povo brasileiro um conceito ou pré-conceito em relação às ações do MST. Esqueceram-se somente de dizer que a grilagem e a morte de trabalhadores (as) rurais também é crime hediondo e que mais hediondo ainda é o próprio latifúndio.

Mas o que é vandalismo? Segundo Aurélio Buarque de Holanda, vandalismo é a ação própria de um vândalo. E o que é vândalo? Vândalo é, em primeiro lugar, o membro de um povo germânico de bárbaros que devastou o Sul da Europa e o Norte da África; em segunda lugar, assimila-se a vândalo todo aquele que é destruidor de monumentos. Reflitamos os fatos. O MST nestes últimos dias vem realizando ocupações de terras improdutivas (estratégia para pressionar o Incra a desapropriar determinadas áreas para a Reforma Agrária), de espaços públicos como o INCRA nos Estados da Federação e fazendas ligadas a grupos econômicos que privilegiam o Agro-Negócio e o Hidro-Negócio com o objetivo de realizar pesquisas com transgênicos. A ocupação desses espaços, ou seja, terras improdutivas, Incra e de fazendas ligadas a grupos econômicos como a Monsanto geraram toda a ofensiva realizada pela Mídia que caracterizou novamente as ocupações como invasões e como ato de vandalismo.

Em primeiro lugar, o MST tentou realizar o diálogo com o Governo e com todas as esferas da sociedade e depois da aprovação da CPMI da Terra, ou a chamada CPMI que legitima as ações dos latifundiários e especuladores da terra, o MST não vem conseguindo espaços democráticos para o debate e a reflexão em torno da problemática da terra. Em segunda lugar, resta-nos refletir acerca do vandalismo. As ações do MST não são vândalas porque os trabalhadores (as) rurais não são bárbaros, não devastaram nada e, por fim, não destruíram nenhum monumento. Mas, a Mídia continua a insistir em associar a terminologia vandalismo a partir de um senso comum que chega a ponto de uma profunda alienação social.

Com isso, pode-se questionar que vandalismo é esse que tem um peso e uma medida somente para o MST e que a Mídia e suas inverdades que defendem e legitimam o pensamento e a ideologia dominante em nada são atingidos. Parece que vandalismo é o peso e a medida de ocupar terras improdutivas e latifúndios ociosos, o Incra enquanto espaço público de todos e todas e as fazendas que trabalham em pesquisas com transgênicos voltados para atender os interesses de grupos econômicos que querem a todo custo realizar a especulação com a terra e com a água.

De quem é o vandalismo? Do MST? Ao que parece, é a Mídia que veicula imagens e apresenta meias verdades, devastando como os bárbaros a consciência da população brasileira e o MST enquanto monumento da luta pela terra, da luta por um projeto político sustentável, justo e solidário que vem sendo destruído pelas inverdades, pelo descaso e pela falta de respeito dos grupos dominantes para com os que estão querendo ser realmente cidadãos e cidadãs. É evidente que o projeto de uma sociedade baseada no Pão e no Circo é o modelo de uma cultura política incentivada por estes que vêem o MST como perigo, pois está claro que a cultura política do movimento é o de formar pessoas capazes de lutar pela cidadania negada historicamente pelos mesmos que hoje se encontram na difamação dos camponeses (as).

De fato, condena-se toda e qualquer forma de violência. Mas, vandalismo não é isso que vem sendo apresentado pela Mídia, aliás, ela mesma se esqueceu de dizer que ao apresentar suas interpretações acerca do MST e da luta pela terra estimula o vandalismo na consciência do povo brasileiro. O mais engraçado disso tudo é que a Mídia não vê vandalismo no assassinato de líderes sindicais, de trabalhadores (as) rurais e de agentes de pastorais, no próprio latifúndio, no trabalho escravo, no trabalho infantil, na prostituição infantil ou não, na fome e na miséria de um povo que quer viver e ser gente. Essas mazelas sociais não são vandalismo, são normais e naturais numa sociedade capitalista. Passa a ser vandalismo quando estes se indignam e promovem ações conjuntas em prol da liberdade e da dignidade humana.

Dessa forma, podemos dizer que o ato de explorar continua sendo tratado como algo natural e até necessário e quando os explorados (as) se revoltam e buscam conduzir a realização de sua própria história passam a ser vândalos sociais, perigosos e subversivos. Resta saber se a crucificação dos pobres camponeses (as) pela Mídia será efetivada, pois o tempo é propício e nos lembra histórias do passado. Apenas não se pode esquecer de que a Cruz da Morte (difamação - ser vandalismo) sofre a derrota da ressurreição da vida e da Páscoa.

Nenhum comentário: