sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

"Violência e Direitos Humanos – violações cotidianas, invisíveis e institucionalizadas"


A QUEM SERVE A EXCLUSÃO?
Urgências para superação dos modelos de segregação
Prof. Virgílio Cunha Mattos
[1]

“(...) cada um sentindo-se observado pelos outros e observando-os, o ser humano hoje sendo um ser humano exposto à observação, observado que é pelo Estado por meio de métodos cada vez mais refinados, tentando com desespero crescente escapar desse ser observado, o Estado sendo cada vez mais suspeito aos olhos do homem e o homem sendo cada vez mais suspeito aos olhos do Estado
[2].”

Boa noite a todos nós. Nós os singelos que dizemos não. Esses singelos combatentes dessa guerra em todas as frentes.
A pergunta me fez mergulhar fundo e ficar com a apavorante “cara de cerco” que assusta tanto aos alunos. Fez-me lembrar um conto de Friedrich Dürrenmatt, um suíço pouco conhecido entre nós, denominado A PANE
[3], nele, ao passar por uma cidadezinha e ter o carro enguiçado, o protagonista tem a mais inesperada das surpresas, mas não quero fazer-lhes perder o contato com a boa literatura, leiam o livro. Basta que trabalhemos com duas pequenas passagens.

A primeira, a fala do promotor:
“- Temos que investigar – conteve-se o promotor finalmente – o que não existe, não existe
[4].”

A segunda, a fala do advogado de defesa:
“(...) – Então o senhor insiste em não deixar sua tática equivocada e continuar fazendo papel de inocente? Não entendeu ainda? É preciso confessar, querendo-se ou não, e sempre se tem algo a confessar, aos poucos isso tem de lhe ficar claro!
[5]

À pergunta, “a quem serve a exclusão?”, a resposta é rápida e simples: ao Governo do Estado de Minas Gerais, seus executores, áulicos, servidores “intere$$ado$”, apoiadores idem, empreiteiros em geral e em pouquíssimas palavras a todos aqueles que não dizem NÃO.
Aos que lucram com a desgraça alheia. Essa pode ser uma resposta sintética.
Entretanto, a resposta é mais complexa. Vivemos desde o início da chamada era Reagan (1980/1988) uma guinada à direita na questão prisional que o fez e faz avançar para trás.

Para dizermos com WACQUANT ao fazer sua contundente análise sobre a matriz do sistema de encarceramento em massa:
“Hoje, os Estados Unidos estão gastando mais de 200 bilhões de dólares por ano na indústria de controle do crime, e a ‘face’ do Estado mais familiar para os jovens residentes no gueto é aquela do policial, do encarregado de liberdade condicional e do guarda da prisão
[6]”.
O Estado só aparece entre nós via 190 ou 197. Quando o Estado aparece menos mal na fotografia é quando você disca 193. Pobre só aciona o Estado pelo telefone, discando um desses três números.
Ao miserável, menos do que o antigo pobre, o underclass, o que faz parte do subproletariado, a este o Estado Penal, que lhe construirá cárceres em lugar de casas e ali lhe dará ensino primário e formação para atividades que não exigem qualificação ou têm qualquer repercussão fora do cárcere, como costurar bolas, por exemplo.
A desregulamentação do século XXI com jornadas de trabalho do século XIX e salários do século XVIII. Sem garantias trabalhistas, sem direitos. Sem rede de proteção por baixo da corda bamba.
Já saíram da promessa e estão investindo pesado na contenção do subproletariado e lucrando com isso. Mas há uma dificuldade grande quando temos que pensar o método. Nos meios de imprensa tradicional é impossível o espaço. Se conquistamos o espaço não veiculamos a mensagem. Se damos a sorte de conquistar o espaço e levar a mensagem eles repetem a idéia hegemônica, made in USA, de que é preciso encarcerar mais e por mais tempo. Mais do mesmo é a novidade que alardeiam de forma massiva em todas as mídias. Diuturnamente. Escancaradamente. É preciso contornar a rede paga de informações com nossa rede solidária de informações. Cada um de nós um multiplicador. Operar onde as idéias circulem e as cem flores rivalizem, como dizia o velho Mao. Talvez a maior violência institucionalizada nem seja a da censura dos meios de comunicação, mas a questão prisional.
Recebemos, aqui mesmo neste auditório do CRP – Conselho Regional de Psicologia -, onde nos reunimos semanalmente há um ano, com o Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, reiteradas notícias de torturas em todas as unidades prisionais da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os encaminhamentos são os mais variados, mas não resultam em efetividade.
São quase 50 mortos queimados e sufocados. Os índices de suicídios, tentados e consumados, sobe vertiginosamente.
É o consumo de gente mesmo dentro do cárcere. A “máquina de gastar gente”, como dizia Darcy Ribeiro.
No que diz respeito ao encarceramento feminino na capital “67% delas é de presas primárias, sem contato anterior com o sistema penal, logo, não são “vagabundas” ou mesmo com “personalidade voltada para o crime”, como alguns membros do Judiciário ainda têm o desplante de dizer. 82% têm filhos, dois deles é a faixa prevalente (32%), ficam jogados quando não têm a possibilidade de serem criados com a avó. 23% do total de filhos nasceram dentro da prisão, o que é espantoso. Um número tremendamente espantoso. A perda de liberdade significa também a perda de todo e qualquer contato com o mundo exterior para 11% delas, que não recebe qualquer tipo de visitas. São as “caídas”.
Mas se anuncia ainda mais do pior com a privatização. As estratégias são bastante conhecidas por nós, mas incompreensível para as massas. Primeiro trabalham na expansão vertical, com a hiperinflação carcerária. Na origem estadunidense, campeão mundial em aprisionamento, há mais de 55 milhões de “fichados”, 2 milhões de presos e uma taxa de 740 presos por 100 mil habitantes.
[7] Segundo, é preciso trabalhar a expansão horizontal e o resultado é que 6,5 milhões de estadunidenses estão sob supervisão do direito penal, seja em suspensão condicional da pena ou do processo, seja por monitoramento eletrônico. Terceiro, o advento do grande governo penal, com redução de investimentos no que possa representar bem-estar social e massivo privilégio no que diz respeito ao encarceramento. Por fim, mas talvez o mais importante, o desenvolvimento frenético de uma indústria carcerária privada. Fazer com que o subproletariado pague por isso.

É preciso dizer não ao modelo de Estado Penal neoliberal.
É preciso dizer não ao modelo de privataria da tucanalha, até mesmo dos presídios.
É preciso dizer não, mil vezes não, à intolerância, para podermos dizer sim à vida e construirmos um mundo melhor e solidário para os nossos filhos e netos.
Mas há um grande empecilho travando o curso da História: A “cruzada fascista” que se espalha e se espraia em nossas praias de Minas. Até os mais insuspeitos freis carmelitas estão sendo alvo de campanha difamatória. O “quase santificado” – se é que existe essa figura no Direito Canônico – Frei Cláudio e seu fiel escudeiro Frei Gilvander.
Quando o assunto é o governo ou o governador de Minas não pode haver um acorde dissonante, um registro diferente. Até as pichações que contém o nome do governador pedindo que ele deixe o povo trabalhar e abra um concurso na CEMIG são apagadas. Não se pode citar o nome do Füher. O Duce só gosta de elogios e paparicações. Não se pode sequer dizer que ele tem o nariz grande. Todos os movimentos populares são acusados de “ligações com o crime organizado”. Associação criminosa é o Governo do Estado, que quer modificar até mesmo a ciência matemática e fazer o povo crer que R$600,00 – que é quanto custa um preso no sistema APAC – é mais caro do que R$1.740,00 – que é quanto eles dizem ser o custo do preso no sistema atual – que é mais caro do que R$ 2.200,00 – que é o que eles dizem que irá custar o preso no sistema de “palhaçada público-privada” – para usarmos a feliz expressão cunhada por Rodrigo Torres de Oliveira para se referir ao sistema das nefastas PPPs.
Nem originais conseguem ser: a mesma acusação, de ligação com organizações criminosas, vem sendo feita pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul em relação ao MST já lá se vão quase dez anos.
São obtusos. São pouco criativos. São patéticos esses poderosos estaduais. Teremos deles, em abundância, no campo municipal também. É bom aguardarmos, a composição da Câmara nunca foi tão ruim, politicamente falando. As derrotas dos campos populares e um adesismo incontrolável por parte de todos os outros partidos nos prometem dias intranqüilos, para dizer elegantemente.
Depois dizem que burros não fazem insights, mas observem se isso não é um insight... Lembrei-me de DÜRRENMATT
[8] de novo, talvez o encontro com o antigo orientador amanhã no seminário em homenagem a Niklas Luhmann, que gosta tanto de Dürrenmatt, explique essa implicação em meu inconsciente. A imagem agora é de um outro belo conto Däs Tunnel, instantes antes do momento do impacto, a bordo de um trem descontrolado, a mais de 210 km/h, quando ele se precipita no vazio, o chefe de trem pergunta:

“- O que devemos fazer?”
“- O que devemos fazer?” Berra novamente.
“- Nada”, responde com fantástica serenidade o outro personagem.

Que não desempenhemos nenhum dos dois papéis, nem o que não sabe o que deve ser feito e nem o de pensar que nada pode ser feito é o que desejo a todos nós.

{2009 tá aí mesmo, gente, um ano novinho, cheio de lutas e vitórias!}

ANISTIA, TODO PRESO AINDA É PRESO POLÍTICO!
PELO FIM DOS MANICÔMIOS E DAS PRISÕES!
Prof. Virgílio Matos: e-mail:
virgiliodematos@terra.com.br

[1] - Doutor em Direito pela Università Degli Studi de Lecce (IT). Especialista em Ciências Penais e Mestre em Direito pela UFMG. Coordenador do Grupo de Pesquisas Violência, Criminalidade e Direitos Humanos. Professor de Criminologia nos Cursos de Pós-Graduação da SENASP/RENAESP do Ministério de Justiça. Membro da Comissão Jurídica do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. Editor da Revista Veredas do Direito. E-mail: virgiliodematos@terra.com.br
[2] - Dürrenmatt, Friedrich. A TAREFA ou Da observação do observador dos observadores. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo : Cia das Letras, 1992, pp. 18-19.
[3] - São Paulo : Códex, 2003.
[4] - p. 31.
[5] - p. 43.
[6] - Wacquant, Loïc. As duas faces do gueto. São Paulo : Boitempo, 2008, p. 59.
[7] - idem, p. 123-124.
[8] - Dürrenmatt, Friedrich. O túnel. Escrito em 1952 e revisto em 1978. Há uma edição em português.

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