Por Joviano Mayer[1] e frei Gilvander Moreira[2]
Sábado, 14 de fevereiro de 2009. Enquanto as crianças cortavam as bandeirolas coloridas, os adultos varriam, capinavam, proseavam... Estava quase tudo pronto. Na casa do Chuchu se preparavam os salgadinhos. Jocélia, Dayse e outras companheiras se encarregavam do caldo de feijão, da pipoca... Na Praça se formavam grupos de homens e mulheres à espera da Assembléia Geral da comunidade, que marcaria o início das comemorações de 01 ano da Comunidade Camilo Torres. Lacerda ficou responsável pela montagem dos equipamentos que transmitiriam os vídeos que compõem a memória viva de 1 ano de luta e resistência. Terminado o trabalho, como ocorrem todos os sábados, deu-se início a mais uma Assembléia. Mas, dessa vez não se discutiu problema de saneamento, a necessidade de mutirão para conter o barranco dos fundos, a próxima manifestação, nem nada que não significasse o resgate da luta das 140 famílias que resistem bravamente na Ocupação em dois terrenos laterais, um privado e outro público.
Na Assembléia, vários depoimentos e manifestações de solidariedade. O mais comovente foi a música entoada pela moradora Adriana, que cantava a dureza e a justeza da luta pela moradia. Muitos não seguraram as lágrimas. Passado o choro, vieram as palavras de ordem. Em seguida, reunidos diante da tela improvisada com lençóis de cama, os moradores assistiram atentos às imagens de suas vidas durante o último ano de luta. Primeiro uma sucessão de fotografias, depois um vídeo com reportagem que mostrava um helicóptero da Polícia Militar pousado sobre o mato alto. Teve ainda uma matéria sobre a ocupação da parte pública - terreno que era da prefeitura de Belo Horizonte - realizada em 05 de outubro, dia de eleições municipais e, por fim, as imagens uma manifestação, em Brasília, no Ministério das Cidades junto com o movimento dos sem-teto de outros estados do país. A noite virou madrugada e o forró levantou a poeira...
Domingo, 15 de fevereiro de 2009. Nessa data recordamos o martírio do Padre do "amor eficaz": Camilo Torres. Guerrilheiro da palavra que não soube manusear o fuzil e tombou em seu primeiro combate. Padre Camilo Torres, seu exemplo agora inspira a luta das famílias que vivem na Comunidade que leva seu nome!
Enquanto chegam os primeiros convidados, algumas lideranças encaminham as tarefas finais. Falta pregar as faixas nos muros, ligar o aparelho de som, limpar a sujeira da noite anterior e preparar o molho do cachorro quente. O tão esperado bolo ainda é uma surpresa.
Hora de celebrar. Frei Gilvander e Dona Ademilde conduzem uma celebração ecumênica em ação de graças pelas conquistas em um ano de luta. O frei carmelita associa os ensinamentos de Jesus Cristo à luta dos pobres de hoje. "A partilha dos pães é feita entre aqueles que ousam se levantar. Vocês se levantaram! Aqui vocês estão fazendo o milagre da multiplicação dos pães, pois, como Jesus de Nazaré, vocês se comoveram com os crucificados pelos aluguéis e pela falta de moradia. Vocês se organizaram, se assentaram nesta terra abandonada, que não estava cumprindo sua função social. Vocês, em mutirão, estão partilhando "cinco pães e dois peixinhos" e assim, com a bênção do Deus da vida, casinhas populares brotaram 'do nada", vida com mais paz e com mais sossego. Vocês recolhem o que sobra, isto é, vocês estão sendo solidários com muitas outras lutas que estão em curso no Brasil. Vocês lutam, inclusive, contra a transposição do rio São Francisco. Olha a glória de Deus brilhando em vocês! Que beleza!".
Dona Ademilde faz uma oração misturada com desabafo e lágrimas. Lembra os momentos difíceis, o sol forte que derretia as lonas, as chuvas que alagavam as ruelas e os barracos. Agradece aos céus a resistência no dia da tentativa de despejo (ilegal) e a vida do Senhor Otílio que saiu enfartado da Comunidade e que agora toca pandeiro como criança.
O professor Fábio Alves, lutador histórico pelos direitos humanos, enaltece a luta do povo encorando-os: "Nossos direitos vêm, nossos direitos vêm. Se não vem nossos direitos, o Brasil perde também (bis). Quem negar nossos direitos será negado também. Já chega de tanta promessa, sem cumprir para ninguém, mas com o povo unido a luta muda de sentido e
nossos direitos vêm..."
A professora Vanessa Portugal felicita os presentes com palavras de encorajamento. "Quem não luta já perdeu. Quem luta pode vencer. Vocês estão vencendo. Parabéns!", recordou ela. Ao longo da celebração, a cantora Rosa Helena e Glaysson Astoni no violão animam todos com músicas latino-americanas, no embalo dos batuques do Núcleo Camilo Torres da vitoriosa Escola de Samba Cidade Jardim. Chegou o bolo de aniversário! Mais de um metro quadrado de bolo. É hora de cantar os parabéns. Antes, porém, um puxão de orelha nas pessoas que ficaram responsáveis pelo preparo do bolo, mas não encaminharam a cobertura. Tudo bem, ainda estava em tempo. Enquanto isso, os grupos de dança formados por jovens e crianças da Comunidade tomaram a cena.
O professor Carlinhos havia ensaiado os grupos durante várias semanas. A Praça da Assembléia se transformou num verdadeiro palco, muita ginga e alegria. Chegou o bolo, agora sim, confeitado. Enquanto os mais honestos corriam para entrar na fila, os mais espertos furavam na frente com medo de não chegar a tempo. No fim, todos saborearam. Uma delícia!
Para fechar o inesquecível domingo, um cinema a céu aberto na Praça da Assembléia. Olhos atentos para o filme que passa na mesma tela improvisada que no dia anterior entreteve a Comunidade com cenas da vida real. Dessa vez, a prometida pipoca saiu.
Segunda, 16 de fevereiro de 2009. Amanheceu o dia mais esperado... Passadas as festividades, era chegado o momento de cobrar uma posição do Poder Público. O medo e a incerteza ainda perduram na vida das 140 famílias, pois ainda não ocorreu o julgamento final das ações que tramitam do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Podiam esperar um pouco mais, mas decidiram marcar esse primeiro aniversário com mais uma luta legítima. Dessa vez o alvo era a Regional Barreiro da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
Ao som dos instrumentos da bateria, com faixas e cartazes nas mãos, chegaram à porta da Regional às 11 horas da manhã. Praticamente todos os moradores estavam presentes. Quem tinha que ir ao trabalho "ficou gripado na noite anterior". Mera coincidência... Sentindo a tensão do momento e pressionado pela própria polícia que não contava com efetivo suficiente para conter uma possível ocupação do prédio público, o recém-nomeado Secretário da Regional, exatamente às 11:15hs, manifestou disposição para receber uma comissão de representantes. Aprovada em assembléia, a comissão subiu para o gabinete do subprefeito. Do lado de fora, palavras de ordem, músicas e, mais uma vez, um delicioso bolo de aniversário - com recheio e cobertura. As pessoas que passavam na rua eram convidadas para come(r)morar com os manifestantes. O Tenente fez cara de agradecido, mas não aceitou o pedaço que lhe ofereceram. Menos mal... Uma hora mais tarde, a comissão volta. Faz o repasse da reunião com o Secretário da Regional se mostrando satisfeita com os encaminhamentos (ata no e-mail, em anexo). Cansadas, as 140 famílias da Comunidade Camilo Torres, retornam para seus lares com a certeza do dever cumprido. Foram três dias de muita alegria. Os aniversariantes agradecem a todos os apoiadores. E, em especial, aos competentes Defensores Públicos Dr. Gustavo, Dra. Evelyn, Dra. Ana Cláudia e Dr. Francisco e os advogados Fábio, Delze, Mariana e Franck. Essa forte rede de defensores das causas populares conseguiu obter conquistas impensáveis nas trincheiras do Judiciário.
De tudo, fica no peito o sentimento compartilhado de que na luta só perde quem a abandona. Vida longa à Ocupação Camilo Torres! Que seu exemplo frutifique nas árvores do bem virá...
Obs: Clic em no link, abaixo, e veja fotos da festa de 1 ano da Comunidade Camilo Torres:
Abaixo, clic no link para ver fotos da manifestação da Comunidade Camilo Torres na Regional da Prefeitura de BH, no Barreiro, dia 16/02/2209:
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