segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A novidade Obama



Eduardo Hoornaert

No dia 5 de novembro pp., assisti emocionado, como milhões de pessoas pelo mundo afora, à vitória de Obama pela TV. A tela mostrava a emoção estampada em tantos rostos, no calor da hora, não só nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro. Fiquei pensando: onde está a novidade de Obama? O que ele revela ao mundo? Porque tanta emoção? Penso que a maior novidade está no rosto mestiço de Obama. Como todos sabemos, Obama é filho de um pai africano negro e de uma mãe americana branca. Ele revela, talvez pela primeira vez na história da humanidade com tanta clareza, o rosto mestiço que é o rosto da grande maioria das pessoas. Mais uma vez se verifica aqui como a realidade física antecede a compreensão mental, pois a mestiçagem não é uma novidade (no Brasil o processo mestiço já tem quinhentos anos), mas o termo ‘mestiço’ ainda não é usado nos meios de comunicação em massa. Nos comentários acerca da ‘cor’ da pele de Obama aparece o termo ‘negro’, ‘preto’ (sem a conotação negativa de ‘nigger’) e, mais recentemente, ‘afro-americano’ (um eufemismo). Mas não li nem vi em nenhum comentário dos grandes meios de comunicação o termo ‘mestiço’, ou ‘moreno’. Isso demonstra, de um lado, que os termos forjados na época do colonialismo (branco – negro; branco – índio; civilizado – selvagem; cristão – pagão; progressista – atrasado; desenvolvido – subdesenvolvido; primeiro mundo – terceiro mundo; educado - ignorante) ainda não desapareceram de nosso vocabulário e, de outro lado, que não se consegue expressar em palavras a novidade que aparece no rosto de Obama.
Mas com sua aparição no centro da cena mundial, é possível que a consciência mundial chegue a analisar melhor o equívoco contido no pseudo-conceito ‘raça’. ‘Raça’ não é um conceito, é um engano, um produto da mentalidade colonial. Pois um conceito, para ter consistência filosófica, tem de ‘prender’ algo real (como se prende um objeto pela mão). Ora, o termo ‘raça’ não prende nada, só expressa um preconceito. Não é um conceito no sentido filosófico do termo.
A realidade consiste na complexa formação do ser humano a partir do encontro sexual entre pessoas que, atualmente, provêm muitas vezes de continentes, culturas, religiões, mentalidades e classes sociais diferentes e divergentes. Somos todos – de certa forma – mestiços, pois o processo vem de longe. A filosofia grega (da qual somos herdeiros) sempre ocultou a mestiçagem. Os gregos eram mestiços, mas a literatura sempre ocultou esse fato (veja o livro ‘Black Athenas’).
O rosto de Obama mostra que ele é mestiço, suas palavras não. Diante desse silêncio (que é o silêncio dos meios de comunicação e da política em geral), não se sabe ao certo como o desocultamento mestiço, operado pela exposição mundial do rosto de Obama, vai repercutir em nível mundial. Com Obama na presidência do país mais poderoso (e mais exposto) do planeta, é de se esperar uma aceleração de consciência acerca de um preconceito que, desde os tempos da colonização européia, vem dividindo a humanidade.
Se isso acontecer, o governo de Obama pode ser um sucesso, inclusive no nível econômico. Pois a economia repousa sobre uma base psicológica. Sem confiança (que é uma disposição psicológica) não funciona a economia, como pudemos verificar nas últimas semanas. A confiança (ou desconfiança) move a economia, como move a política. Não sem razão, Obama declarou, no discurso da vitória: ‘Confiem em mim’. Será que ele conseguirá transmitir confiança e, ao mesmo tempo, ocultar as verdadeiras razões da simpatia de tanta gente por ele? Em última análise, as relações mercadológicas são psicológicas. Com confiança no ‘futuro’, o país vai para frente. O carisma de Roosevelt e de Kennedy consistiu em ativar essa confiança, e vamos ver se Obama conseguirá imprimir confiança nos americanos (ocultando o rosto dos que nele votaram). Pois os votantes em Obama não são os votantes em Roosevelt e Kennedy.
Os norte-americanos ‘brancos’ estão feridos na sua auto-estima e no seu orgulho, por causa dos recentes evoluções do mercado financeiro. Desde os ‘pais fundadores’, eles não duvidam: Deus está com eles. In God we trust.. Com muito acerto, Obama repete termos dos pais fundadores, como ‘change’, ‘we can do it’, ‘we are América’, que são termos de um exacerbado nacionalismo. Vamos ver para onde nos leva esse novo surto de nacionalismo norte-americano em tempos de crise econômica, pois em nenhum momento – no seu discurso inaugural – Obama abordou temas especificamente globalizantes. Ele não se dirigiu ao mundo, mas falou aos norte-americanos.
Por isso penso que não se devem colocar esperanças demasiadas no governo de Obama. Sua novidade consiste antes de tudo no desocultamento de sentimentos e emoções desde muito abafados e silenciados. 92 % das pessoas de origem africana votaram por ele, assim como 74 % dos chamados ‘hispânicos’ (veja ‘Carta Capital’ de 12/11, p. 53). São esses números que expressam a novidade Obama. Resta saber se o cidadão Obama vê as coisas dessa maneira.

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