1. Agradecimentos
Antes de mais nada, quero agradecer a Deus por ter chegado a esta idade. Bem diz o salmo (90,10): "70 anos é a nossa idade e se tivermos saúde, 80". Ele é, como dizem as Escrituras, "o soberano amante da vida" (Sab 11,26). Ele inclui-me em seu amor.
Em seguida quero agradecer aos familiares segundo a carne. Deles não falo para não chorar porque eles estão dentro de mim e sinto muitas saudades deles.
Neste contexto não posso esquecer a família dos Monteiro Miranda com a companheira Márcia e seus 6 filhos com quem comparto a vida e que me enraizaram no chão da realidade no qual todos os humanos nos encontramos. Depois sinto o dever de agradecer a comunidade cristã. Ela me transmitiu a fé, o amor e a esperança de Jesus. Alimento-me de seu sonho de um novo céu e uma nova Terra, de um novo homem e de uma nova mulher junto com a ressurreição de todo o universo, feito corpo de Deus-Trindade.
Agradeço também a outra família espiritual, à família franciscana de quem herdei o legado de S. Francisco, o mais humano de todos os humanos. Dele aprendi que a vida só será verdadeiramente plena se for construída com ternura e vigor e na confraternização com todas as coisas,
Desejo agradecer aos peregrinantibus mecum aos que peregrinaram comigo ao longo destes tantos anos, aqueles, homens e mulheres, com quem compartilhei a vida, as utopias, as lutas, as tribulações e os avanços. São tantos que sequer posso nomear.
Quero manifestar a alegria pela dupla homenagem literária que me foi feita. Primeiramente pelo livro Leituras Críticas sobre Leonardo Boff organizado pelo prof. Juarez Guimarães num trabalho em conjunto do Instituto Perseu Abramo e da Universidade Federal de Belo Horizonte. Honram-me nomes notáveis de nosso país e do estrangeiro.
Em seguida quero expressar também minha satisfação e reconhecimento ao numero especial da revista Estudos Teológicos da Escola Superior de Teologia (EST) da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. É fruto de um debate que durou uma semana com especialistas que estudaram a fundo meus escritos e fizeram-lhe observações e criticas pertinentes das quais muito aprendi. Ressaltaram as convergências e as diferenças entre a sensibilidade dos Reformadores e a sensibilidade romano-franciscano-católica.
Meu agradecimento vai também a todos os que organizaram esta celebração dos 70 anos, universidades, entidades, grupos, pessoas, especialmente o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, do qual sou presidente honorário, o Serviço de Educação e Organização Popular (SEOP) que também ajudei a fundar e não em último lugar o Instituto Bennett da Igreja Metodista que sempre esteve do meu lado. Foi nos seus espaços se celebrou um ato de desagravo por ocasião do "silêncio obsequioso" imposto pelo Vaticano em 1985.
Por fim, quero agradecer a todos os que vieram nesta noite do dia 9 de dezembro aqui no Rio de Janeiro, alguns de longe e que pelo carinho se tornaram próximos.
Não direi muitas palavras. Nem farei um balanço aos 70 como fiz aos 50 e aos 60, pois não é aqui a ocasião. Apenas quero realçar alguns marcos salientes como numa leitura de cego.
2. Marcos salientes
a) Velho
Em primeiro lugar devo dizer e reconhecer que estou velho. Para as condições brasileiras sou oficialmente velho. Não quero, porém, entender o ser velho meramente na ótica da biologia. Mesmo assim há no velho uma perda irrefreável do capital vital e um lento colapso dos sentidos. Mas a velhice é muito mais que sua dimensão biológica. É a última etapa da vida, a chance derradeira que a vida nos oferece para continuar a crescer, chegar a madurar e, por fim, acabar de nascer.
Se bem repararmos, começamos um dia a nascer, mas ainda não acabamos de nascer porque ainda não estamos prontos. Estamos sempre na gênese de nós mesmos, trabalhando, sofrendo, nos alegrando, nos frustrando, estabelecendo relações, amando e criando sentidos para a nossa curta passagem por este pequeno planeta. Vamos nascendo lentamente, em prestações até acabar de nascer.
A velhice é a chance última de dar o toque final à estátua que fomos talhando de nós mesmos.
A velhice tem suas vantagens. Você não precisa usar mais as máscaras que a vida lhe impõe a cada momento. Pois a vida é como um teatro no qual você é chamado a representar vários papéis. Você veste a máscara de homem, de frade, de padre, de teólogo, de escritor, de conferencista, de antigo torcedor do Canto do Rio e depois do América e de não sei o que mais. Agora como velho você tem o direito e o privilégio de ser você mesmo e de livrar-se das máscaras.
Não é um momento fácil porque freqüentemente nos identificamos com as máscaras. Mas quando desaparecem, irrompe você mesmo em sua identidade. Então surgem perguntas amedrontadoras: quem é você, finalmente? Que você realmente faz neste mundo? Quais são seus sonhos fundamentais? Que demônios o atormentam? Qual é o s eu lugar no desígnio do Mistério?
Neste momento, deixamos todos companheiros para trás. Estamos sós com a nossa solidão. E não dá mais para se esconder atrás de máscaras e de papéis. Ego factus sum quaestio magna diz Santo Agostinho: "eu me fiz para mim mesmo, a grande questão".
A vida na velhice impõe esta exigência: que nos confrontemos, com temor e tremor, com as questões derradeiras e inadiáveis. É então que de fato podemos madurar, ganhar gravidade e terminar de nascer. É a chance de virarmos sábios. É ilusão pensar que a sabedoria vem com os muitos anos da velhice. Ela não vem. É o espírito, é a coragem com a qual enfrentamos estas questões incontornáveis que nos pode fazer sábios. Então teremos concluído a tarefa de nossa vida. Saímos do palco. Entramos no silêncio. Morremos. Se não carregados de dias pelo menos, carregados de experiência, quem sabe, de sabedoria.
Pois cheguei a esta derradeira fase da vida. Não chegaram meu pai que morreu com 54 anos, nem minha mãe que faleceu com 64, nem minha queridíssima irmã Cláudia que se transfigurou aos 33 anos. Eu cheguei e isso é graça de Deus.
Por isso, para atender a estas questões, deverei tomar tempo, renunciar a tantas andanças, falar menos, meditar mais e levar avante a viagem mais longa da vida que é rumo ao próprio coração. E então preparar o Grande Encontro. Descer como Cristo até o coração do universo, lá onde o coração da pedra, o coração da flor, o coração de todo vivente, o coração do ser humano e o coração do universo é um só coração. Encontrar-se com Deus, o Coração dos corações, a Fonte originária de todo ser, de toda bondade, de todo amor, de toda ternura e de toda compaixão.
Se ser velho é poder vivenciar esse processo, então bem-vinda a velhice, bendita seja a velhice. Não é castigo, mas graça sobre graça. Ela nos permite experimentar o que nos diz São Paulo: "Na medida em que definha o homem exterior, se rejuvenesce o homem o interior"(2Cor 4,16).
Portanto, sou um velho rumo à Fonte da perene juventude que é Deus.
b) Cristão
Sou um velho e cristão. Que me ensinou, em síntese, o Cristianismo? Muitas coisas, mas quero me ater ao essencial. O Cristianismo me fez ver que, no fundo, há somente dois mistérios: Deus e o mundo. Por que não existe o nada e sim Deus? Ele não conhece o ontem nem o amanhã. Só o agora. É a eternidade, o absoluto limite da razão. E quando me ponho a pensar quase enlouqueço. E o mundo. Por que ao lado de Deus existe o mundo? Que ele significa? Talvez o espelho no qual Deus mesmo quer se ver a si mesmo e permitindo que nós o víssemos também. Mas eles não estão separados por um abismo. Este o equívoco do pensamento grego e nosso: Deus, o transcendente, e o mundo, o imanente. Na verdade, não é assim. Existe o transparente: um dentro do outro, um presente no outro formando um único grande Coração. Imaginem a alegria de sabermos que não estamos apenas na palma da mão de Deus, mas no seu próprio coração. E esse Deus é comunhão e não solidão. Ele é feito de relações eternas entre as três divinas Pessoas. Não é sem razão que o mundo todo, como nos dizem os físicos quânticos e os modernos cosmólogos, também é feito de relações e nada existe fora da relação Porque Mundo e Deus são afins, um é imagem e semelhante do outro. Para que isso fosse realmente verdade, Deus mesmo veio até nós e se fez humano. Então podemos dizer: "nossos ouvidos o ouviram, nossos olhos o viram, nossas mãos o apalparam e nosso coração o sentiu" (cf. 1Jo 1,1). Esse Deus é tão humano que é divino (Fernando Pessoa). Ele quis caminhar, se alegrar, sofrer, viver e morrer conosco para que tivéssemos a absoluta certeza de que Deus nunca está longe de nós, longe de modo nenhum. Que nós somos de sua Casa. E quando morrermos Ele vem e toma o que é seu e introduz para dentro de sua Família. Ele não quis fundar uma nova religião ou uma nova sinagoga que se chama Igreja, nem nomeou herdeiros, mas quis um homem novo e uma mulher novos. Deslanchou um sonho e um movimento que nos alcançam até os dias de hoje.
Portanto, esse Deus não é apenas Mistério sem nome. Ele é vida, comunhão e amor. E se Ele é amor, comunhão e vida, significa então que para Ele importa que cegos vejam, coxos andem, surdos ouçam, famintos sejam saciados. Ele não fica indiferente face à paixão de seus filhos e filhas. Sofre com eles e sua ressurreição simboliza uma insurreição contra a violação da vida destes últimos.
c) Franciscano
Sou velho, cristão e franciscano. Que significa para mim ser franciscano? Ser franciscano é encontrar através da figura de São Francisco a porta pela qual se entra e se descobre o único Cristo verdadeiro, aquele que foi um artesão e camponês mediterrâneo, tão anônimo, que as crônicas da época, seja de Jerusalém, de Atenas e de Roma sequer notificaram seu nascimento e sua morte. Era um pobre, considerado por seus familiares um louco (cf. Mc 3,21), que saiu pelos caminhos pedregosos da Palestina a pregar um sonho, o do Reino de Deus que é uma criação reconciliada com Deus, descoberto como Paizinho, na justiça, no amor, no cuidado de uns para com os outros e no perdão e que começa pelos pobres. Crucificado, ressuscitou, fazendo uma revolução dentro da evolução, mostrando que o fim da criação é o bom. Ressurreição é também uma insurreição contra um tipo de justiça que condena os inocentes.
Mas o que ensinou Francisco é encontrar Deus na criação. Ele, com grande humildade, se colocou ao pé de todos os seres. Confraternizou-se com as obscuras forças da Mãe Terra e com o brilho benfazejo do Sol. Fez-se irmão das flores do campo, dos passarinhos, do vento, da chuva, das estrelas, do Sol e da Lua e até da morte. Por isso tratava a todos os seres com finura e cortesia. Seu mundo é cheio de magia, de encantamento e de música.
De São Francisco aprendi que não basta ser cristão. Temos que ser bons, humanos, finos, sensíveis, amorosos e abraçar ternamente a cada criatura até o voraz irmão lobo de Gubbio. Então não vivemos num vale de lágrimas, mas numa montanha de bem-aventuranças. Como nos recorda Gaston Bachelard, "não aparecemos como filhos e filhas da necessidade, mas como filhos e filhas da alegria".
d) Teólogo
Sou velho, cristão, franciscano e teólogo. Que é um teólogo? É um ser quase impossível. Ele levanta uma pretensão inaudita: de pensar a Ultima Realidade, Deus e tentar exprimi-la com palavras adequadas. De saída se dá conta de que esta tarefa é impossível. Se mesmo assim tenta, suas palavras se parecem mais a mentiras que a verdades. Como expressar quem é por definição Inexprimível? Aquele que vem ante do antes e que existe previamente a qualquer palavra? Como não desiste, não lhe resta outra alternativa que se voltar às criaturas, lidas a partir de Deus e iluminadas por Deus. Elas todas se fazem sacramentos de sua inefável realidade. Por isso toda teologia se vê obrigada a articular o discurso sobre Deus com o discurso sobre o mundo. Como diziam os antigos mestres: a teologia vem dotada de dois olhos (ante et retro occulata): um voltado para trás onde capta os sinais deixados por Deus na história, na vida dos povos, dos mestres, dos santos e santas e das Escrituras sagradas não só judaico-cristãs mas também das Escrituras sagradas dos povos. E outro voltado para frente, lendo os sinais dos tempos, as intimidações que nos vêm da realidade e que desafiam a nossa consciência. Combinando os dois olhares, fazemos uma teologia fiel à tradição e ao mesmo tempo fiel à história atual. É antiga e moderna e sempre contemporânea.
Olhando com o olho da frente, a realidade sofredora, injusta e opressora da maioria de nossos irmãos e irmãs me senti, em consciência, obrigado a ser um teólogo da libertação. O gemido dos escravizados do Egito; o clamor dos exilados da Babilônia, de ontem e de sempre, as invectivas dos profetas, a prática de Jesus e dos Apóstolos nos forçam a nos engajarmos na libertação dos oprimidos, a partir de sua fé e de sua força histórica. Se não formos teólogos da libertação em nosso contexto, dificilmente, escaparemos da critica de cinismo e desumanidade. Na verdade nos colocaríamos fora da herança de Jesus que foi libertador não porque nós o dizemos, mas porque os textos fundadores do Evangelho assim no-lo mostram. E a libertação tem que ser integral: não apenas libertar os seres humanos oprimidos, mas toda a comunidade de vida que geme e da Terra, nossa Casa Comum, devastada pela voracidade do produtivismo e do consumismo. Se não libertamos a Terra, vãs serão todas as demais libertações que supõe como condição prévia, a Terra viva, saudável e íntegra. Nos últimos anos tenho me batido por esta causa verdadeiramente urgente: articular o grito dos pobres com o grito da Terra, grito por libertação.
Por ser teólogo da libertação, conheci tribulações, tive que me justificar diante das mais altas instancias doutrinarias da Igreja e sofri discriminações por parte de irmãos da fé até os dias de hoje. Mas este padecimento nada é em comparação com o que os pobres sofrem. É um privilégio poder participar, por um pouco, de sua paixão dolorosa.
e) Homem
Por fim sou um velho, cristão, franciscano, teólogo e um homem.
Ser homem, plenamente homem: eis o grande desafio. Suspeito que a velhice, o cristianismo, o franciscanismo e a teologia não sejam outra coisa que caminhos e subsídios que Deus e nós criamos para chegarmos a ser o que somos, homens. "Seja o que és" rezava o aforismo antigo dos sábios de todas as culturas. Talvez o maior mistério depois de Deus, seja o universo e dentro do universo, o ser humano, homem e mulher.
Quem somos? Eu não sei. Apenas suspeito. De seguro só sei que sou um ser contraditório, sapiente e simultaneamente demente; por um lado centrado em mim mesmo e por outro aberto aos outros; portador de uma dimensão sim-bólica que me faz ouvinte da Palavra que vem de todos os lados, capaz de amor e de compaixão e também portador da dimensão dia-bólica que me faz rejeitar, me enraivecer e ofender os outros. Apesar desta união dos opostos, me sinto que sou tomado por uma fome de infinito e que me surpreendo como um projeto também infinito. E fico com o cor inquietum agostiniano enquanto não repousar no Infinito.
Mais e mais me convenço de que o supremo imperativo ético é tratar humanamente os humanos. Tratá-los humananente implica aceitar a condição humana ambígua e por isso ser paciente e compassivo com as dimensões sombrias e também ser solidário e inspirador com as dimensões luminosas.
Esta compreensão de mim mesmo se aprofundou e se problematizou ainda mais, a partir de minha continuada ocupação com a nova cosmologia, a astrofísica, a nova antropologia e com as ciências da Terra, encerradas na palavra Ecologia, objeto de meus estudos já quase 30 anos.
Ai resulta claro que o universo trabalhou 13,7 bilhões de anos para que surgissem ordens complexas, teias de relações e sistemas de informação que permitissem a vida e como expressão maior da vida, a consciência reflexa. Para que ela fosse possível, ocorreu um sutil equilíbrio de todos as energias e movimentos evolucionários. Caso contrário, não estaríamos aqui para celebrar esta festa. O universo como que pressentia a nossa irrupção lá na frente e se organizou de tal forma que finalmente pudesse surgir este ser raro que sou eu e que somos cada um de nós. Em cada um de nós culmina o universo por nós conhecido. Através de nossa consciência o universo e a Terra se pensam a si mesmo. Por nosso amor e nosso enternecimento as coisas todas se atraem como que enamoradas entre si.
Quem somos? Como já o acenei anteriormente, talvez o espelho no qual Deus mesmo quer olhar-se a si mesmo. Num momento de sua superabundância, criou alguém fora de si, diferente, uma alteridade consciente para poder comunicar-se a ela em amor, em entendimento e em ternura. Nós somos frutos desta auto-comunicação divina. Numa só palavra: somos Deus por participação. E nos criou para que pudéssemos corresponder ao seu amor. Pudéssemos amar também a Deus. Talvez a maior contribuição que Duns Scotus, o gênio medieval da teologia franciscana, foi ter entendido o propósito supremo da emergência do ser humano na criação: Deus quis que alguém fora de Deus pudesse amar a Deus como Deus se ama. Para isso projetou a santa humanidade de Jesus. Para que pudesse amar a Deus divinamente, o elevou ao nível divino. Então pode, sendo homem, amar a Deus como Deus se ama.
E ao dizer isso, mais não digo porque ficaria aquém do que disse.
3. Conclusão: a Deus a última palavra.
Vejam aonde cheguei: sou velho, cristão, franciscano, teólogo, homem e por fim, por participação, Deus. E Deus junto com vocês todos. É isso loucura ou a suprema descoberta? Todos os místicos de todos os tempos, do Oriente e do Ocidente, testemunham: somos chamados a fazer uma experiência de não-dualidade. Não simplesmente o Tão e o Mundo ou Deus e a Criação, mas o Tao no mundo e com o mundo, Deus na Criação e com a Criação. E chamaram a isso de experiência de bem-aventurança, de Satori, de Nirvana, de Graça e de união mística ou na expressão de São João da Cruz: "da alma amada no Amado transformada". É suprema a Sabedoria.
Nesta altura de minha vida, sempre me voltam à mente, quase obsessivamente as duas questões fundamentais que São Francisco, meu pai espiritual, sempre colocava para si mesmo em forma de oração: "Senhor, quem sois Vós e quem sou eu? Vós o Altíssimo Senhor do céu e da Terra e eu o miserável vermezinho, vosso ínfimo servo". Depois que os biólogos nos ensinaram que 4/5 dos seres vivos são constituídos por vermes nematóides (vermes cilíndricos), aqueles que mantém a terra sempre fofa e apta para produzir viva é um privilégio cósmico sermos vermes, mesmo miseráveis.
As duas perguntas são suspiros da alma e não têm, na verdade, nenhuma resposta porque tanto Deus quanto nós somos mistério. Por isso as perguntas sempre retornam como num ritornelo. Bem sentenciava um filósofo que no final da vida virou místico (Wittgenstein): "sobre o que não podemos falar, devemos calar". Assim todo discurso religioso é convidado a retirar-se para o nobre silêncio ou para a silenciosa reverência.
Suspeito que nosso conhecimento de Deus possui a estrutura da saudade. Esta é uma presença e uma ausência. A presença na memória e no coração e uma ausência nos sentidos. Trata-se, pois, de uma presença ausente ou de uma ausência presente. Toda saudade nos produz uma noble tristesse, uma alegria num transfundo de tristeza e uma tristeza aliviada pela alegria.
A única fala permitida porque não quer definir nada apenas acenar e sugerir seja a da poesia. Ela guarda a saudade de Deus e respeita o silêncio, o silêncio diante de uma absoluta presença, inexprimível por palavras.
É neste espírito que, numa noite atormentada, numa espécie de luta entre Javé e Jacó, escrevi:
Sinto em mim um grande vazio
Tão grande, do tamanho de Deus.
Nem o Amazonas que é dos rios o rio
Pode enchê-lo com os afluentes seus.
Tento, intento e de novo tento
Sanar esta chaga que mata.
Quem pode, qual é o portento
Que estanca esta veia ou a ata?
Pode o finito conter o Infinito
Sem ficar louco ou adoecer?
Não pode. Por isso eu grito
Contra esse morrer sem morrer.
Implode o Infinito no finito!
O vazio é Deus no meu ser!
Leonardo Boff
theologus peregrinus et peccator
Petrópolis 14 de dezembro de 2008.
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