terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Vi e ouvi na Palestina


Frei Gilvander Moreira

Após concluir o mestrado em Exegese Bíblica, no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, na Itália, seis colegas e eu fizemos uma viagem-estágio, de 05 a 20 de março de 2000, à Terra Santa (todas as terras são santas, mas...) de Israel-Palestina. Partilho aqui algumas impressões, “coisas” que vi e/ou escutei lá em Israel-Palestina e que me marcaram muito. De saída, digo que a matança que Israel está perpetrando contra povo palestino me deixa profundamente indignado.

O centro-sul de Israel-Palestina é quase só um deserto, uma desolação imensa. Ao constatar esse perfil geográfico, imediatamente me veio a consideração: “Mas esta é a terra que Deus prometeu aos nossos pais?!!! Terra em que corre leite e mel?!!! Por que e para que brigar tanto pelo controle desta terra?” Mas ao chegar às planícies da Galileia, no norte da Palestina, vi que ali a terra é muito fértil. Na Galileia se produz de tudo - é um paraíso terrestre, um grande celeiro agrícola. A Palestina tem sido disputada, há mais de 4 mil anos, em vista de ser uma região estratégica para a geopolítica do Oriente Médio - geograficamente é ponto de ligação entre três continentes: Europa, Ásia e África.

A Jerusalém Antiga é hoje um grande mercado religioso e... Se Jesus "torrou a paciência" e, com o sangue fervendo de indignação, "chutou o pau da barraca" lá na frente do Templo e arrematou: "Vocês estão fazendo da casa do meu Pai um covil de ladrões!” (cf. Lc 19,45; Mc 11,17), imaginem agora que toda a Jerusalém (e o mundo) é um grande mercado, onde em nome do deus capital se jogam bombas em cima de crianças, mulheres, idosos e doentes. As ruas da Jerusalém antiga são muito estreitas. Automóveis circulam somente em algumas ruas. Na maioria das vielas só podem passar uns pequenos tratores para transportar mercadorias. Os judeus, após 1948, construíram ao lado da Velha Jerusalém, uma Jerusalém Nova, uma cidade de primeiríssimo mundo, muito luxuosa.

Em Israel, o serviço militar é obrigatório: três anos para os rapazes e dois anos para as moças. Israel tem um poderosíssimo exército. Por exemplo, em Hebrom, onde a quase totalidade da população é palestina, em março de 2000, ainda viviam dois mil judeus. Estavam lá 500 soldados para dar “segurança” a esses judeus: um soldado para cada quatro judeus. Vi diversas pessoas judias andando em Jerusalém (e no caminho para Jericó) com um ou dois soldados com metralhadora nas mãos fazendo sua escolta. Cada família hebraica que vive em território palestinense tem direito à escolta de dois soldados judeus com metralhadora nas mãos, 24 horas por dia. Em Hebrom pudemos sentir a grande tensão que existe entre palestinos e israelenses.

No estado de Israel há barreiras e mais barreiras do exército e carros armados por toda parte. Tivemos que passar no detector de metais diversas vezes, sobretudo quando tentamos entrar na mesquita de Omar, no muro das lamentações e no túmulo dos patriarcas em Hebrom. Um dos meus colegas não pôde entrar com um binóculo para ver melhor à distância. Por ser parecido com palestino, fui vistoriado diversas vezes por soldados do exército de Israel.

No norte da Palestina, acima do lago da Galiléia, nas Colinas de Golã (território que Israel tomou à força da Síria), divisa com Líbano e Síria, vimos de perto como o exército israelense está armado até os dentes. Vimos três acampamentos do exército, cada um com mais de 30 tanques de guerra e caminhões lotados de armas.

Nas Colinas de Golã, ao lado do asfalto, há cercas de arame dos dois lados com placas penduradas de 15 em 15 metros dizendo: “Atenção, perigo! Terreno minado!” Nas Colinas de Golã estão fontes de águas de Israel-Palestina e as terras são muito férteis. É no Golã que estavam as “vacas de Basã” (cf. Am 4,1-4), pois lá era (e continua sendo) um grande celeiro agrícola. A degradação ambiental está secando fontes de águas do Rio Jordão e conseqüentemente o lago da Galileia. O “Mar” Morto está baixando muito suas águas. Logo, como sem água não se pode viver, pois é imprescindível para a agricultura, para os animais e principalmente para os seres humanos, o controle das fontes das águas tornou-se questão de Segurança Nacional para Israel.

Israel controla militarmente a quase totalidade das águas da região. Quando diminuem as águas, os palestinos e jordanianos são os primeiros a passarem sede, pois Israel fecha a “torneira” para eles (Algo equivalente também se faz no Brasil: água vira mercadoria, onde grandes empresas consomem um exagero de água para produzir mercadorias e deixam os pobres na beira do rio São Francisco sem água, favelas sem água, enquanto condomínios fechados esbanjam água.). A água não está sendo distribuída equitativamente para todos. Israel permite acesso à água somente para o abastecimento urbano nas cidades palestinas. Mais da metade da agricultura de Israel é irrigada, mas os palestinos são proibidos de irrigar suas lavouras, algo semelhante à transposição do Velho Chico para beneficiar hidronegócio de grandes empresas, enquanto o povo do semi-árido continua sem água.

A presença marcante das práticas religiosas está por toda parte. Na Jerusalém Antiga, às 4 horas da manhã, os muçulmanos começam a rezar na grande Mesquita de Omar, construída no lugar do Templo judeu. No alto da Mesquita, os alto-falantes (em todas as mesquitas deles os alto-falantes estão presentes) fazem ecoar para toda a Jerusalém antiga a oração dos muçulmanos. Cinco vezes por dia pode-se escutá-los rezando. A apenas poucos metros, no muro das lamentações, ao lado do ex-templo, os judeus mais conservadores rezam “inclinando a cabeça rumo ao muro”.

Vimos na Samaria, região central da Palestina, perto do monte Garizim, um grupo de crianças palestinas apedrejando o automóvel de um israelense, que apontou um revólver para as mesmas crianças. Dá para imaginar o ódio que existe de parte a parte. Praticamente todas as famílias palestinas já tiveram algum parente assassinado pelo exército de Israel.

Em 1.998, chegaram a Israel cerca de 63 mil judeus, vindos principalmente da ex-União Soviética, país que tinha acolhida uma grande multidão de judeus. Mas enquanto os judeus importam judeus da diáspora de todo o mundo, com o patrocínio econômico dos judeus dos EUA, os palestinos se multiplicam somente pelo processo reprodutivo natural. A Jerusalém antiga está cheia de muçulmanas, quase todas com uma criança nos braços, outra no ventre e 3, 4, 5 ou 6 ao redor da saia. Entre os muçulmanos existe a poligamia. Todavia, na prática, é coisa de ricos, porque cada mulher tem que ter uma casa, conforme determina a lei.

Dizem que corre entre os palestinos a seguinte afirmação: “Nós venceremos os judeus na cama, não com armas”. O povo palestino é empobrecido, assim como o povo negro brasileiro. São muito simpáticos e acolhedores. Existem diversos campos de refugiados palestinos. Uma mulher cristã de Belém desabafou conosco: “Os peregrinos-turistas vêm aqui preocupados em ver pedras mortas (ruínas antigas), mas não se lembram das pedras vivas que somos nós cristãos, minorias na terra de Jesus, e que estamos no meio de um fogo cruzado entre judeus e palestinos”.

Uma das características de Israel-Palestina: as cidades e/ou bairros dos judeus são ricos, com grande segurança militar, cerca de arame farpado, enquanto as cidades e/ou bairros palestinos são pobres e com pouquíssima segurança militar. Os poucos soldados palestinos que vimos estavam muito mal armados.

No dia 22 de março de 2000, o Papa João Paulo II celebrou uma missa em Belém, na Palestina. Foi uma missa bonita. Os palestinos gostaram. O Papa disse: "O mundo não pode mais ignorar o sofrimento do povo palestino!" O Papa exortou judeus e palestinos a encontrarem um caminho de paz, justiça e convivência respeitosa.

Em quase todas as cidades da Israel-Palestina existe uma cidade nova ao lado das ruínas de uma cidade antiga. Na parte nova de Jerusalém, cidade de Primeiro Mundo, onde está a sede do Parlamento de Israel e a sede do Governo, os judeus construíram um grande museu chamado Yad Vashem, como memorial do Holocausto da Segunda Grande Guerra. Lá plantaram 18 mil árvores com o nome de 18 mil pessoas que salvaram judeus dos campos de concentração nazistas. Lá estão também, dentro de uma grande sala, três velas acesas que, com ajuda de espelhos refletores, se multiplicam em 1.500.000 velas-estrelas. Ao entrar nesta sala se tem a impressão de estar no meio de uma noite escura com o céu estrelado. Cada “estrela” recorda uma das 1.500.000 crianças judias assassinadas nos campos de concentração de Hitler. Impressionante é escutar uma voz que vai dizendo o nome de todas as crianças judias vítimas do nazismo e ao sair da sala encontrarmos diversas fotografias das crianças martirizadas. É muito comovente, mas imediatamente uma voz dentro de mim me dizia, quando ali estive: “O mais dramático e grave é que o holocausto não é somente uma questão do passado, pois 2/3 da humanidade continua sendo assassinada antes do tempo pelo mundo afora”. Pior, Israel, após a Segunda Grande Guerra, já matou mais palestinos do que o número de judeus vítimas do nazismo!

Enfim, o que acontece agora em Israel-Palestina não é uma guerra, pois esta implica a existência de dois exércitos se confrontando. O que há agora lá é um poderosíssimo exército de Israel armado com armas de última geração, massacrando o povo palestino. De um lado mais de 1000 palestinos mortos (centenas de crianças e mulheres), de outro apenas 15 baixas entre os soldados judeus! Esses números revelam a crueldade do Governo de Israel, financiado pelos Estados Unidos e pelos imperialistas do mundo inteiro.

É Claro que não podemos condenar todo e qualquer judeu como responsável pela matança de palestinos, algo que ocorre há dezenas de anos. O Governo e a classe dominante de Israel são os maiores responsáveis. Urge construirmos um mundo de justiça e paz. Judeus e palestinos, pessoas de bem de todas as partes do mundo, todos nós, estamos convocados a ouvir o clamor dos oprimidos e recriar o mundo com instituições éticas e com relações humanas ecumênicas e inclusivas.

Frei Gilvander Moreira

e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br

www.gilvander.org.br

Belo Horizonte, 18/01/2009

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