Jung Mo Sung*
Khaled Meshal, líder do grupo Hamas que vive no exílio, na Síria, escreveu um artigo para o jornal inglês The Guardian (reproduzido no O Estado de São Paulo, 07/01/09) que merece de nós uma reflexão. Após denunciar a situação do povo palestino na Faixa de Gaza, - que descreveu como "encarcerado na maior prisão do mundo, isolado por terá, ar e mar, morrendo de fome, sem ter acesso nem mesmo a remédios para tratar nossos doentes", - ele diz que "é absurdo a lógica daqueles que exigem o fim da nossa resistência. Eles absolvem de responsabilidade o agressor e ocupante - armando com as mais mortíferas armas de destruição -, enquanto culpam a vítima, o prisioneiro, aquele que vive sob ocupação".
É claro que ele está respondendo às acusações de que Hamas, por ter disparado foguetes e morteiros contra população civil de sul do Israel, é o culpado pelo recente ataque e invasão das forças armadas de Israel na Faixa de Gaza e também das mortes de mulheres, velhos e crianças palestinas.
A sua principal argumentação está resumida no parágrafo que segue: "Nossos modestos foguetes de fabricação caseira são nosso grito de protesto endereçado ao mundo todo. Israel e os seus patrocinadores europeus e americanos querem que sejamos massacrados em silêncio. Mas nós nos recusamos a perecer silenciosamente".
A dramática e opressiva situação em que vive a população palestina no Oriente Médio - que foi causada, logo após a Segunda Guerra Mundial, pela tentativa de solucionar a dramática situação em que vivia o povo judeu - não pode ser esquecida, silenciada ou deixada de lado. Nesse sentido, Meshal tem razão quando diz: "nós nos recusamos a perecer silenciosamente". O último recurso da vítima é clamar contra a opressão. Aliás, a tradição judaico-cristão nasce da convicção ou revelação de que Deus escutou o clamor do povo que estava sendo oprimido na terra do Faraó.
Recusar a perecer silenciosamente é uma prova de que a dominação ainda não conseguiu tirar da vítima o seu senso de dignidade. Viktor Frankl, um judeu sobrevivente dos campos de concentração nazista, dizia que adentrar ao câmara de gás de cabeça erguida era uma forma de a vítima afirmar a sua dignidade humana, mesmo que fosse pela última vez. Porém, em um mundo complexo como o nosso, é preciso escolher bem o meio pelo qual um povo ou grupo oprimido envia ao mundo o seu grito de protesto. Pois, além da manifestação da dignidade, esse grito é também um meio de luta e, portanto, precisa contribuir na obtenção da libertação.
Eu sei que é fácil para um não-palestino, escrevendo longe das condições infra-humanas da Faixa de Gaza, falar da necessidade de pensar com cuidado as melhores formas de expressar este grito de protesto. Mas, é preciso que nós também adentremos nesta discussão porque, no fundo, estamos ligados por um mesmo espírito de luta pela liberdade e vida digna.
A pergunta que surge é: os foguetes e morteiros que atingem cidades israelenses são a melhor forma de expressar o grito de protesto e o clamor do povo palestino? A história nos mostra que Israel revida com mais violência, que gera mais sofrimento, raiva e ódio no povo palestino que, por sua vez, tenta revidar com mais violência, gerando um ciclo de violência. E quando um ciclo de violência se estabelece, os mais fortes e violentos acabam por vencer e as pessoas mais pobres e fracas são as que mais sofrem as dores e as mortes. Além disso, os defensores da política do atual governo de Israel e seus aliados usam exatamente estes foguetes como justificativa para legitimar suas ações armadas e para culpabilizar Hamas e, de um certo modo, ao todo povo palestino.
Quando o ciclo de violência se estabelece, as origens e as causas históricas do conflito acabam sendo esquecidas e parece que a única solução é a destruição completa do seu inimigo; como têm defendido os extremistas do lado israelense e palestino. Só que essa saída não é hoje historicamente viável, e por isso não há saída dentro da lógica do ciclo da violência-vingança-violência. Isto sem falar no problema ético da solução pelo extermínio do inimigo.
Edward Said, um grande intelectual palestino engajado na causa palestina, dizia que um dos problemas da luta do povo palestino é que não tinha logrado mostrar ao mundo duas coisas, que ele tinha aprendido com Nelson Mandela. O primeiro é mostrar ao mundo que a causa palestina, a luta pela independência ou autonomia do seu povo que lhe permitisse uma vida digna e livre, é moralmente superior do que a causa dos seus adversários. O segundo, que ela é uma causa que faz bem não somente ao seu povo, mas a toda humanidade.
Podemos discordar de métodos concretos utilizados para expressar o seu grito de protesto, mas não podemos negar aos povos dominados o direito de recusar a perecer silenciosamente.
(Autor de "Cristianismo de libertação", Ed. Paulus).
* Professor de pós-graduação em Ciências da Religião
Khaled Meshal, líder do grupo Hamas que vive no exílio, na Síria, escreveu um artigo para o jornal inglês The Guardian (reproduzido no O Estado de São Paulo, 07/01/09) que merece de nós uma reflexão. Após denunciar a situação do povo palestino na Faixa de Gaza, - que descreveu como "encarcerado na maior prisão do mundo, isolado por terá, ar e mar, morrendo de fome, sem ter acesso nem mesmo a remédios para tratar nossos doentes", - ele diz que "é absurdo a lógica daqueles que exigem o fim da nossa resistência. Eles absolvem de responsabilidade o agressor e ocupante - armando com as mais mortíferas armas de destruição -, enquanto culpam a vítima, o prisioneiro, aquele que vive sob ocupação".
É claro que ele está respondendo às acusações de que Hamas, por ter disparado foguetes e morteiros contra população civil de sul do Israel, é o culpado pelo recente ataque e invasão das forças armadas de Israel na Faixa de Gaza e também das mortes de mulheres, velhos e crianças palestinas.
A sua principal argumentação está resumida no parágrafo que segue: "Nossos modestos foguetes de fabricação caseira são nosso grito de protesto endereçado ao mundo todo. Israel e os seus patrocinadores europeus e americanos querem que sejamos massacrados em silêncio. Mas nós nos recusamos a perecer silenciosamente".
A dramática e opressiva situação em que vive a população palestina no Oriente Médio - que foi causada, logo após a Segunda Guerra Mundial, pela tentativa de solucionar a dramática situação em que vivia o povo judeu - não pode ser esquecida, silenciada ou deixada de lado. Nesse sentido, Meshal tem razão quando diz: "nós nos recusamos a perecer silenciosamente". O último recurso da vítima é clamar contra a opressão. Aliás, a tradição judaico-cristão nasce da convicção ou revelação de que Deus escutou o clamor do povo que estava sendo oprimido na terra do Faraó.
Recusar a perecer silenciosamente é uma prova de que a dominação ainda não conseguiu tirar da vítima o seu senso de dignidade. Viktor Frankl, um judeu sobrevivente dos campos de concentração nazista, dizia que adentrar ao câmara de gás de cabeça erguida era uma forma de a vítima afirmar a sua dignidade humana, mesmo que fosse pela última vez. Porém, em um mundo complexo como o nosso, é preciso escolher bem o meio pelo qual um povo ou grupo oprimido envia ao mundo o seu grito de protesto. Pois, além da manifestação da dignidade, esse grito é também um meio de luta e, portanto, precisa contribuir na obtenção da libertação.
Eu sei que é fácil para um não-palestino, escrevendo longe das condições infra-humanas da Faixa de Gaza, falar da necessidade de pensar com cuidado as melhores formas de expressar este grito de protesto. Mas, é preciso que nós também adentremos nesta discussão porque, no fundo, estamos ligados por um mesmo espírito de luta pela liberdade e vida digna.
A pergunta que surge é: os foguetes e morteiros que atingem cidades israelenses são a melhor forma de expressar o grito de protesto e o clamor do povo palestino? A história nos mostra que Israel revida com mais violência, que gera mais sofrimento, raiva e ódio no povo palestino que, por sua vez, tenta revidar com mais violência, gerando um ciclo de violência. E quando um ciclo de violência se estabelece, os mais fortes e violentos acabam por vencer e as pessoas mais pobres e fracas são as que mais sofrem as dores e as mortes. Além disso, os defensores da política do atual governo de Israel e seus aliados usam exatamente estes foguetes como justificativa para legitimar suas ações armadas e para culpabilizar Hamas e, de um certo modo, ao todo povo palestino.
Quando o ciclo de violência se estabelece, as origens e as causas históricas do conflito acabam sendo esquecidas e parece que a única solução é a destruição completa do seu inimigo; como têm defendido os extremistas do lado israelense e palestino. Só que essa saída não é hoje historicamente viável, e por isso não há saída dentro da lógica do ciclo da violência-vingança-violência. Isto sem falar no problema ético da solução pelo extermínio do inimigo.
Edward Said, um grande intelectual palestino engajado na causa palestina, dizia que um dos problemas da luta do povo palestino é que não tinha logrado mostrar ao mundo duas coisas, que ele tinha aprendido com Nelson Mandela. O primeiro é mostrar ao mundo que a causa palestina, a luta pela independência ou autonomia do seu povo que lhe permitisse uma vida digna e livre, é moralmente superior do que a causa dos seus adversários. O segundo, que ela é uma causa que faz bem não somente ao seu povo, mas a toda humanidade.
Podemos discordar de métodos concretos utilizados para expressar o seu grito de protesto, mas não podemos negar aos povos dominados o direito de recusar a perecer silenciosamente.
(Autor de "Cristianismo de libertação", Ed. Paulus).
* Professor de pós-graduação em Ciências da Religião
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